Opinião

Lei da terceirização não é clara quanto à permissão para atividade-fim

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo especialista e pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Atua como professor universitário advogado e consultor jurídico. Foi juiz do Trabalho das 2ª 8ª e 24ª Regiões procurador do Trabalho do Ministério Público da União e auditor fiscal do Trabalho. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

2 de abril de 2017, 7h32

A terceirização pode ser entendida como a transferência de certas atividades da empresa tomadora (ou contratante) a empresas prestadoras de serviços especializados.

A terceirização não se confunde com a intermediação de mão de obra, a qual, em regra, é vedada pelo sistema jurídico, uma vez que o trabalho não pode ser tratado como mercadoria, o que seria contrário ao seu valor social e à dignidade da pessoa humana[1].

Logo, a terceirização se distingue do trabalho temporário, pois enquanto aquela diz respeito à prestação de determinados serviços por empresa especializada, neste há o fornecimento de mão de obra à tomadora por meio de empresa interposta (ou seja, pela empresa de trabalho temporário), nas hipóteses excepcionalmente admitidas pelo sistema jurídico.

A Lei 13.429, de 31 de março de 2017, com início de vigência na data de sua publicação, ocorrida no Diário Oficial da União de 31.03.2017, altera dispositivos da Lei 6.019/1974, que dispõe sobre o trabalho temporário, e versa sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

Cabe examinar, no presente texto, as principais modificações especificamente quanto à terceirização.

A Lei 13.429/2017 não restringe a sua incidência à esfera privada, podendo dar margem ao entendimento de que as suas previsões sobre terceirização podem ser aplicadas, em tese, também à administração pública, desde que sejam observadas as disposições específicas a respeito, como a exigência de licitação na contratação de serviços.

O art. 4º-A da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017, passa a prever que empresa prestadora de serviços a terceiros é a pessoa jurídica de direito privado destinada a prestar à contratante “serviços determinados e específicos”.

A empresa prestadora de serviços a terceiros, assim, não pode ser pessoa física, nem mesmo um empresário individual, devendo ser necessariamente pessoa jurídica.

A expressão “serviços determinados e específicos” revela que a terceirização só é admitida quanto a serviços delimitados previamente e especificados.

Vale dizer, a empresa prestadora de serviço não pode prestar serviços genéricos, não se admitindo a terceirização, pela empresa contratante (tomadora), de atividades sem especificação.

A menção a “serviços determinados e específicos”, de certa forma, faz lembrar a previsão da CLT a respeito dos contratos de trabalho a prazo determinado.

Efetivamente, o art. 443, § 1º, da CLT dispõe que se considera como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

No contrato de trabalho a prazo determinado o empregador contrata o empregado diretamente, inclusive para realizar atividades inerentes à sua atividade empresarial.

Com isso, torna-se possível o entendimento de que a terceirização, desde que seja de serviços delimitados e especificados, pode dizer respeito às atividades essenciais da contratante, ou seja, integrantes de seu objetivo social.

Em outras palavras, com a Lei 13.429/2017, para certa corrente, permite-se concluir que a chamada atividade-fim da empresa tomadora pode ser terceirizada para uma empresa prestadora especializada, respeitando-se a exigência de que os serviços sejam determinados e específicos.

A questão, entretanto, certamente apresentará controvérsias, sabendo-se que a jurisprudência, em regra, admite a terceirização apenas de serviços de vigilância, de conservação, limpeza e de atividades-meio da empresa tomadora, sendo assim consideradas aquelas acessórias, de suporte ou periféricas à atividade principal.

Nesse sentido, segundo a Súmula 331 item III, do TST: “Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta”.

Como argumento contrário à possibilidade de se terceirizar também a atividade-fim da empresa contratante, pode-se alegar que a Lei 6.019/1974, modificada pela 13.429/2017, ao dispor sobre o trabalho temporário, é expressa ao prever que o contrato de trabalho temporário pode versar sobre o desenvolvimento de atividades-meio e atividades-fim a serem executadas na empresa tomadora de serviços (art. 9º, § 3º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

Diversamente, no caso de empresa prestadora de serviço, essa autorização mais ampla não consta expressamente, permitindo a interpretação de que a terceirização continua admitida apenas nos casos de atividades-meio da empresa contratante (tomadora).

Além disso, pode-se asseverar que a terceirização não deve ser admitida em qualquer atividade da empresa contratante, justamente por ser exceção ao sistema, ao modificar o padrão jurídico bilateral da relação de emprego.

Como se pode notar, a questão ainda dependerá de sedimentação na doutrina e de uniformização na jurisprudência.

A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços (art. 4º-A, § 1º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

Logo, a empresa prestadora de serviços, como empregadora, mantém contrato de trabalho com os seus empregados, mas estes laboram na empresa tomadora (contratante).

O poder de direção, assim, deve ser exercido pela empresa prestadora de serviços em face de seus empregados, embora estes laborem na empresa contratante (tomadora). Desse modo, os referidos empregados são juridicamente subordinados à empresa prestadora de serviços e não à tomadora. A remuneração dos empregados terceirizados também é devida pela empresa prestadora de serviço, por ser a empregadora.

Caso haja subordinação direta dos empregados terceirizados à empresa contratante, a terceirização deverá ser considerada ilícita, gerando o vínculo de emprego diretamente com a tomadora (exceto no caso da administração pública, em razão da exigência de aprovação prévia em concurso público, nos termos do art. 37, inciso II, da Constituição da República), na forma do art. 9º da CLT.

Nessa hipótese específica de terceirização ilícita, a empresa tomadora deve ser considerada a verdadeira empregadora e a empresa prestadora de serviços responde de forma solidária pelos créditos trabalhistas, por ter participado da fraude, com fundamento no art. 942 do Código Civil.

É importante ainda o registro de que passa a ser expressamente permitida a chamada quarteirização, em que a empresa prestadora de serviços subcontrata outras empresas para a realização dos serviços contratados pela empresa tomadora.

Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante (art. 4º-A, § 2º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

Essa ausência de vínculo de emprego entre a empresa tomadora e os empregados da empresa prestadora de serviços, evidentemente, pressupõe que a terceirização tenha sido feita em consonância com as exigências legais.

O art. 4º-B da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017, estabelece os requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros.

Em conformidade com o art. 5º-A da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017, contratante é a pessoa física ou jurídica que celebra contrato com empresa de prestação de serviços determinados e específicos.

A empresa contratante (tomadora), diversamente da empresa prestadora de serviços, pode ser pessoa física ou jurídica.

Se a empresa prestadora apenas pode prestar serviços previamente delimitados e especificados, é possível dizer que estes devem ser serviços especializados, ainda que venha a prevalecer o entendimento de que podem fazer parte da atividade principal ou do objetivo social da empresa contratante (tomadora).

É vedada à contratante (tomadora) a utilização dos trabalhadores em atividades distintas daquelas que foram objeto do contrato com a empresa prestadora de serviços.

Além disso, os serviços contratados podem ser executados nas instalações físicas da empresa contratante ou em outro local, de comum acordo entre as partes.

É responsabilidade da contratante (tomadora) garantir as condições de segurança, higiene e salubridade dos trabalhadores, quando o trabalho for realizado em suas dependências ou local previamente convencionado em contrato (art. 5º-A, § 3º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

Logo, se o empregado terceirizado prestar serviço no estabelecimento da empresa tomadora, esta responde pela higidez do meio ambiente de trabalho, inclusive em casos de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Segundo o art. 5º-A, § 4º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017, a contratante pode estender ao trabalhador da empresa de prestação de serviços o mesmo atendimento médico, ambulatorial e de refeição destinado aos seus empregados, existente nas dependências da contratante, ou local por ela designado.

A previsão, assim, tem caráter meramente facultativo, diversamente da determinação cogente relativa ao trabalho temporário (art. 9º, § 2º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

A empresa contratante (ou seja, tomadora) é subsidiariamente responsável pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que ocorrer a prestação de serviços, e o recolhimento das contribuições previdenciárias deve observar o disposto no art. 31 da Lei 8.212/1991 (art. 5º-A, § 5º, da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

Trata-se do entendimento que já prevalecia nas hipóteses de terceirização lícita, como se observa na Súmula 331, item IV, do TST.

O contrato de prestação de serviços deve conter: qualificação das partes; especificação do serviço a ser prestado; prazo para realização do serviço, quando for o caso; valor (art. 5º-B da Lei 6.019/1974, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

Não há previsão quanto à necessidade de serem respeitadas, no caso de terceirização, as convenções e acordos coletivos de trabalho, aplicáveis à empresa contratante (tomadora), também para os empregados da empresa prestadora de serviços.

O enquadramento sindical do empregado, em regra, decorre do setor da atividade econômica preponderante do empregador (art. 581, §§ 1º e 2º, da CLT). No caso da terceirização lícita, o empregador do empregado terceirizado é a empresa prestadora de serviço, sendo esta a sua atividade econômica.

Logo, é possível concluir que o empregado da empresa prestadora de serviço não integra a categoria profissional da empresa contratante (tomadora), mas sim a categoria dos empregados de empresas de prestação de serviços.

Com isso, em tese, não se aplicam os direitos decorrentes das normas coletivas (por exemplo, piso da categoria) dos empregados da empresa tomadora (contratante) aos empregados das prestadoras dos serviços, gerando possível tratamento não isonômico entre trabalhadores terceirizados e contratados diretamente pela tomadora, ainda que inseridos no mesmo setor e contexto de atividade.

Esse e outros fatores podem gerar precarização das relações de trabalho, enfraquecimento das relações sindicais e sensível redução do nível remuneratório dos empregados terceirizados.

Ainda assim, se a empresa contratante (tomadora) tiver empregados próprios (contratados diretamente) e empregados terceirizados (contratados pela empresa prestadora) exercendo as mesmas funções, em idênticas condições, tendo em vista a incidência do princípio da igualdade (art. 5º, caput, da Constituição da República), é possível sustentar a aplicação do mesmo patamar remuneratório e de outros direitos trabalhistas a ambos os tipos de empregados, sob pena de se caracterizar injusto tratamento discriminatório entre trabalhadores, o que não é admitido pelo sistema jurídico (art. 3º, inciso IV, art. 5º, inciso XLI, e art. 7º, incisos XXX, XXXI e XXXII, da Constituição Federal de 1988).

O descumprimento do disposto na Lei 6.019/1974 sujeita a empresa infratora ao pagamento de multa (art. 19-A, acrescentado pela Lei 13.429/2017). A fiscalização, a autuação e o processo de imposição das multas reger-se-ão pelo Título VII da CLT, que dispõe sobre processo de multas administrativas aplicadas pela inspeção do trabalho (arts. 626 a 642).

Em conformidade com o art. 19-B, acrescentado pela Lei 13.429/2017, o disposto na Lei 6.019/1974 não se aplica às empresas de vigilância e transporte de valores, permanecendo as respectivas relações de trabalho reguladas por legislação especial, e subsidiariamente pela CLT.

A respeito do tema, a Lei 7.102/1983 dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, bem como dá outras providências.

Por fim, os contratos em vigência, se as partes assim acordarem, poderão ser adequados aos termos da Lei 6.019/1974 (art. 19-C, acrescentado pela Lei 13.429/2017).

 


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito do trabalho. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 416.

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    é doutor e livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, especialista e pós-doutor em Direito pela Universidad de Sevilla. Atua como professor universitário, advogado e consultor jurídico. Foi juiz do Trabalho das 2ª, 8ª e 24ª Regiões, procurador do Trabalho do Ministério Público da União e auditor fiscal do Trabalho.

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