Opinião

Desincompatibilização e a licença para atividade política do servidor público

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29 de setembro de 2016, 7h50

A desincompatibilização do servidor público é requisito legal para que os agentes da administração direta e indireta possam se tornar elegíveis. Nesse mesmo viés, outro instituto de enorme relevância para a democracia — e com evidente destaque em tempos eleitorais — é a licença para atividade política, concedida aos servidores candidatos a cargos eletivos.

Previsto no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei 8.112/90), a razão de ser do referido direito é evidente: permitir que os agentes integrantes da Administração direta, autárquica e fundacional possam ter capacidade eleitoral ativa, o que possibilita sua candidatura.

Conforme a lei que estabelece as razões de inelegibilidade em nosso direito (Lei Complementar 64/90), o servidor público apenas poderá concorrer a cargo eletivo se promover sua desincompatibilização, ou seja, o afastamento do exercício do cargo público que já exerça, dentro de certos prazos antes do pleito.

A desincompatibilização do servidor tem a finalidade de resguardar a isonomia entre os candidatos no escrutínio. O instituto se reveste como importante ferramenta para a lisura do processo eleitoral, uma vez que o agente, que já se encontra dentro da administração, poderia, de alguma forma, abusar do cargo público que detém, concorrendo em condições desiguais com os demais candidatos.

A licença remunerada para atividade política, por sua vez, tem o condão de permitir que o agente se afaste de seu cargo provisoriamente (para que atenda à regra da desincompatibilização), fazendo jus à sua remuneração durante o período de ausência.

Para a concessão da licença, o servidor deverá apresentar publicação, em jornal oficial, do registro de sua candidatura ou certidão emitida pelo juiz eleitoral, se a localidade para a qual estiver se candidatando não possuir jornal oficial. A licença remunerada, então, ser-lhe-á concedida a partir do registro da candidatura até o décimo dia seguinte ao das eleições.

Entretanto, ponto que causa bastante confusão é o que tange ao momento a partir do qual o agente público faz jus a essa licença remunerada. Isso porque, segundo a supracitada LC 64/90, o servidor público, para se tornar elegível, deve se desincompatibilizar em até 3 meses antes do pleito, ou em 6 meses, caso exerça atividades na área fiscal. Por outro lado, após a alteração da legislação eleitoral ocorrida no ano de 2015, as convenções partidárias, ocasião em que são formalmente designados os candidatos e a partir das quais é possível o registro da candidatura, passaram a ocorrer apenas 75 dias antes das eleições. Antes as convenções ocorriam, normalmente, até o final de junho, ou seja, mais 3 meses antes do pleito (coincidindo, mais ou menos, o tempo de desincompatibilização com o momento do pedido de registro).

Assim, surge a dúvida: como requerer o afastamento 3 ou 6 meses antes do pleito se a formalização da candidatura será possível somente em momento posterior (em verdade, o servidor nem sabe se será candidato, pois precisa passar pelas convenções)?

A questão já foi resolvida pela Nota Técnica Consolidada n. 01/2014/CGNOR/DENOP/SEGEP/MP, expedida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A Nota Técnica esclareceu que a LC 64/90 e a Lei 8.112/90 não devem ser entendidas como normas excludentes. Muito pelo contrário, trata-se de uma combinação que fortalece um direito do servidor público, qual seja, o de receber sua remuneração durante o período em que precisar se manter afastado do cargo para atividade política.

Dessa forma, as normas devem ser interpretadas como um somatório de garantias, de modo que o servidor fará jus à licença remunerada desde o terceiro mês antecedente ao pleito eleitoral, ou sexto mês, no caso de serviço em atividades fiscais (ou seja, desde o protocolo do requerimento pedindo o afastamento para concorrer, que é a prova de desincompatibilização) até o décimo dia seguinte ás eleições (e não somente após o registro de sua candidatura pela Justiça Eleitoral) até o décimo dia seguinte às eleições[1].

A propósito, o Tribunal Superior Eleitoral, respondendo a consultas[2] em junho deste ano, consolidou a posição de que, independentemente de o calendário eleitoral ter adiado a data das convenções partidárias, isso não alterou a exigência do afastamento do cargo nos prazos previstos na norma. Isso significa que o servidor público que não promoveu sua desincompatibilização dentro do prazo legal está inelegível, ou seja, aquele servidor que não se desincompatibilizou no prazo certamente terá o registro indeferido pela Justiça Eleitoral. Logo, deveria estar afastado e recebendo remuneração desde antes do registro.

Diante da relevância do tema, verifica-se que o instituto da licença para atividade política, muito mais do que um direito subjetivo garantido ao servidor, é instrumento de extrema relevância para a democracia. Isso porque permite que os servidores públicos, sem nenhum prejuízo de seu cargo e de sua remuneração, possam concorrer a cargos políticos nas mesmas condições que os demais candidatos, fortalecendo a lisura do processo eleitoral.


1 Conforme o § 2º do artigo 86 da Lei 8.112/90.

2 Consultas ao TSE nº 6882, 10087, 10342, 21171, 21256 e 22725.

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