Opinião

Trade compliance minimiza riscos e torna empresa mais competitiva

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25 de setembro de 2016, 15h38

O termo compliance é utilizado, no âmbito corporativo, para designar o conjunto de procedimentos adotados por uma empresa a fim de garantir o cumprimento das leis e regulamentos aplicáveis às suas atividades. A existência de um programa de compliance em uma empresa não só minimiza o risco de se cometer infrações e sujeitar-se a penalidades, como também reduz os custos operacionais da empresa, além de refletir a conduta ética na prática de seus negócios.

Com a entrada em vigor da Lei Brasileira Anticorrupção (Lei 12.846/2013), em 29 de janeiro de 2013, o tema ganhou maior interesse das empresas brasileiras. Além de fixar a responsabilização objetiva – administrativa e/ou civil – de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira[1], a lei também prevê a possibilidade de um abrandamento das sanções nas hipóteses em que a pessoa jurídica comprove a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades[2]

A preocupação com esse assunto decorre também das leis estrangeiras “anticorrupção”, cujo alcance de jurisdição – a exemplo do já famoso FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) norte-americano – tem se mostrado cada vez mais amplo, como se viu nos recentes escândalos de corrupção relativos à FIFA (Fédération Internationale de Football Association), que culminaram na prisão, pelo FBI (Federal Bureau of Investigation), de dirigentes de entidades ligadas ao futebol no mundo inteiro, inclusive do ex-presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).

Não é por outro motivo que o tema compliance ganha grande importância quando pensamos no comércio internacional (“trade compliance”), uma vez que as empresas que transacionam cotidianamente no comércio exterior estão expostas ao contato constante com os mais variados representantes da administração pública, bem como à complexidade e ao dinamismo das normas brasileiras e estrangeiras que regulam suas operações. Embora o volume de importações e exportações no Brasil tenha crescido na última década, a legislação aduaneira brasileira ainda é repleta de procedimentos burocráticos, controles rígidos e barreiras que dificultam o livre comércio com os demais países.

Dentre esses procedimentos, podemos destacar a necessidade dos importadores/exportadores de habilitar pessoas físicas responsáveis para a prática de atos no Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), comumente denominada RADAR. Sem tal habilitação não é possível a realização de qualquer operação de comércio exterior (mesmo que através de trading companies).

Vencida a etapa de habilitação no RADAR, uma das providências às quais os importadores/exportadores devem prestar atenção diz respeito ao correto enquadramento da classificação tarifária dos bens a serem importados ou exportados, com base na chamada Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).

Tal tarefa demanda não só o conhecimento das características técnicas de cada produto, como também a observância às Regras de Interpretação do Sistema Harmonizado. E é através da NCM que se determina a tributação incidente sobre as operações de comércio exterior, além de se identificar os chamados tratamentos administrativos a serem adotados na importação ou na exportação de produtos (como, por exemplo, a necessidade de obtenção de prévio licenciamento para determinadas operações de importação). Não por outro motivo, o erro na determinação da classificação fiscal é uma causa muito comum para a lavratura de autos de infração (com a exigência de tributos, juros e/ou multas) pelas autoridades fiscais/aduaneiras.

Outro tema importante para as empresas que operam no comércio exterior diz respeito às regras de origem; além de assegurar que as mercadorias originárias de um país signatário façam jus a um tratamento tarifário preferencial (no âmbito de eventual acordo preferencial de comércio firmado entres os países do importador e do exportador), da correta determinação da origem da mercadoria transacionada dependem a aplicação, por exemplo, de direitos antidumping, salvaguardas, direitos compensatórios, etc. Além disso, outro ponto de atenção dos importadores diz respeito ao valor aduaneiro a ser declarado, que deve estar em conformidade com as regras contidas no Acordo de Valoração Aduaneira (AVA) da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Neste contexto, é importante ressaltar o fato de que as autoridades fiscais são extremamente exigentes no cumprimento das inúmeras obrigações direcionadas ao controle e fiscalização das empresas que operam no comércio exterior. E a inobservância de qualquer dessas obrigações poderá interromper por longo tempo o desembaraço aduaneiro dos bens importados pela empresa, assim como gerar a lavratura de autuações fiscais por parte da Receita Federal do Brasil (RFB). Vale notar que o Regulamento Aduaneiro, em seu artigo 675, prevê 3 tipos de penalidades: pena de perdimento (de veículo, de mercadoria, ou de moeda), multa e sanção administrativa.

Dentre essas, cumpre-nos chamar a atenção para a pena de perdimento, justamente pelo seu nível de gravidade. Consiste na apreensão legal de bens importados em hipóteses que, segundo o referido regulamento, configuram dano ao erário. Note-se que a aplicação da pena de perdimento não se exclui nem mesmo com a chamada denúncia espontânea.

Com a efetiva aplicação da pena, após a tramitação de um processo administrativo cujo rito é mais célere do que o processo administrativo fiscal federal (conta, em regra, com apenas uma instância de julgamento), os bens apenados com o perdimento podem ser leiloados, doados para instituições sem fins lucrativos, incorporados por órgãos públicos ou mesmo destruídos.

Diante desse cenário, é importante que as empresas que operam no comércio exterior adotem eficientes sistemas de controle de suas operações de importação e exportação, pois não é incomum que equívocos cometidos pelos vários operadores envolvidos em tais transações redundem em autuações (e, portanto, mais problemas) para quem opera no comércio exterior.

Desde o final de 2014 a RFB iniciou a implementação no Brasil do programa denominado Operador Econômico Autorizado (OEA), certificação criada pela Organização Mundial das Aduanas (OMA) para reconhecer o status das empresas que voluntariamente se comprometam a cumprir todos os requisitos de segurança e controle do programa. A ideia é que tais empresas sejam beneficiadas com seus esforços, obtendo um tratamento simplificado no procedimento aduaneiro.

Atualmente já existem 76 empresas certificadas como OEA perante a RFB, dentre as quais 86% são importadoras/exportadoras (sendo o restante composto por agentes de carga, transportadores, depositários de mercadoria sob controle aduaneiro e operadores portuários e aeroportuários).

De acordo com as estatísticas divulgadas pela própria RFB[3], até junho de 2016, dentre as operações de exportação praticadas pelas empresas certificadas pelo OEA, 98,6% foram direcionadas ao canal verde de conferência aduaneira, enquanto que nas operações de importação esse percentual foi de 97,02%. Temos, portanto, que na maioria das transações de importação/exportação realizadas por empresas certificadas com o OEA, o desembaraço aduaneiro se deu de forma mais célere. Tais números traduzem, na prática, a importância do trade compliance dentro do contexto brasileiro.

Além disso, um programa de compliance voltado à condução das operações de comércio exterior pode também gerar uma significativa redução nos custos operacionais dos importadores e exportadores, seja por diminuir o custo com futuros processos, retificação de documentos e imposição de penalidades, seja por permitir maior agilidade na relação com a administração aduaneira.

Neste sentido, de acordo com pesquisas realizadas pelo The Netherlands Organisation for Applied Scientific Research (TNO)[4] em relação ao impacto do trade compliance na Holanda, estima-se que de um volume de aproximadamente US$ 943 bilhões de importações e exportações anuais alcançado pela  Holanda, a aplicação de conceitos de trade compliance teria um potencial de redução de custos da ordem de US$ 1,5 a 4 bilhões apenas em relação aos volumes transacionados  pelo Porto de Roterdã[5], bem como um potencial aumento de 5% a 15% do volume de trânsito de mercadorias. 

Por fim, é importante notar que o programa de trade compliance não se destina somente a minimizar e prevenir os riscos ao longo do procedimento aduaneiro, através do controle dos documentos necessários à realização de uma transação de comércio exterior. Um eficiente sistema de controle interno, bem como poder contar com uma assessoria especializada em comércio exterior podem fazer com que a empresa garanta, a um só tempo, (i) a correta observância às leis e regulamentações (domésticas e internacionais) aplicáveis, bem como (ii) a fruição de vantagens e benefícios previstos tanto em acordos/tratados internacionais ou mesmo na legislação brasileira, tornando-a mais eficiente e competitiva no mercado internacional.

 


[1] “Art. 1o  Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”

[2] “Art. 7o  Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica.”

[5] De acordo com ranking mundial de movimentação de containers (TEU) preparado pelo World Shipping Council (http://www.worldshipping.org/about-the-industry/global-trade/top-50-world-container-ports), o Porto de Roterdã foi o 11º porto que mais movimentou carga conteinerizada no mundo no ano de 2014 e o 1º porto europeu dentre os 50 listados na comparação, sendo que os 10 primeiros portos de tal lista são todos asiáticos.

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