Prisão provisória

Luís Rassi: A liberdade de Mantega e um possível amadurecimento de Moro

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23 de setembro de 2016, 16h42

Ontem acordei e fui ler as notícias. A primeira era algo assim: “Guido Mantega é preso em nova fase da 'lava jato'”. No decorrer do dia vi que, “de ofício”, o juiz que decretou sua prisão a revogara. Os sites noticiavam que o ex-ministro fora preso em um hospital de São Paulo enquanto acompanhava o tratamento de sua mulher.

Por curiosidade li a decisão que revogou a prisão de Mantega. O seu principal fundamento era de que a prisão não mais se fazia necessária porque cumprido o mandado de busca e apreensão e, portanto, desnecessária a prisão temporária. Como tema de fundo o juiz traz a informação de que nem ele, nem o Ministério Público Federal e nem ao menos a Polícia Federal sabiam do estado de saúde da mulher do ex-ministro.

O juiz paranaense, uma unanimidade, um dos homens mais importantes e influentes do mundo, parece que tomou conhecimento da repercussão de todos os seus atos.

As decisões de Sérgio Fernando Moro hoje influenciam o Judiciário mais do que as decisões do Supremo Tribunal Federal. É um absurdo, mas é a realidade. Com base nos limites impostos pelas decisões do Juiz Federal, diversos juízes federais e estaduais têm recrudescido os entendimentos e deflagrados operações policiais, muitas delas constando absurdos jurídicos.

Talvez o juiz paranaense tenha tomado conhecimento de sua influência e, sabendo que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região não o desafiaria, fez o que o Tribunal deveria ter feito, neste e inúmeros outros casos que tramitam sob o carimbo “Lava Jato”.

Talvez o juiz paranaense tenha se apercebido que a Justiça não pode se maniqueísta, que o réu não pode ser considerado objeto do processo, que o réu é sujeito de direitos e que o fim do processo não é legitimar uma condenação preestabelecida.

O amadurecimento do juiz federal é algo que precisa ser analisado.

Tenho amizade íntima com um dos juízes mais garantistas do País. Eu e ele temos um acordo expresso e conhecido por todo o Tribunal: ele não julga processos meus e eu não entro em processos dele.

Já possuí, também, excepcional amizade com uma integrante do Ministério Público Federal, com quem mantinha idêntico acordo, o qual foi por mim rompido ao atender meu sócio, que operado, me pediu para acompanhar uma mulher em um depoimento em uma CPI. Com medo de me arrepender por não atender àquele que poderia ser o último pedido de um amigo, traí a amizade com a procuradora da República (o triste é que fiquei sem os dois, o sócio retirou-se da sociedade e a amada amiga jamais me perdoou). Mas o tempo de amizade foi suficiente para ver e conhecer o mundo fechado em que vivem os membros do Ministério Público Federal.

Falo destas duas experiências para imaginar os conflitos que atingem o juiz paranaense, por gozar da amizade sincera destes outros dois personagens, conheci os mais íntimos conflitos dos operadores do Direito.

O juiz garantista certa vez me liga dizendo de um caso que necessitava decidir. Ele, academicamente, me perguntara sobre uma questão jurídica inédita. Um delegado de polícia gravara o depoimento de um investigado e com base nesta gravação fez perícia demonstrando que a voz auferida em uma interceptação era do investigado. Ele me indagou se aquela gravação, que fora clandestina, poderia servir de prova legítima para a condenação do réu.

Seu questionamento era se aquela gravação era ilícita e, portanto, imprestável. De um lado havia a sua ideologia libertária e de outro a sua responsabilidade de Estado-Juiz. O conflito era de uma legitimidade fantástica. Não fosse a intimidade, jamais conheceria este conflito íntimo de um julgador.

Doutro lado, apesar de jamais ter conversado sobre um caso concreto, com a procuradora, eu tentava demonstrar que o mundo não pode ser maniqueísta, que o mundo não é resumido ao branco e preto, que entre o bem e o mal existem vários tons de cinza. Percebia que ela jamais tinha se apercebido disso. Ela se concentrava e se admirava com a visão jamais percebida em seu mundo fechado. Acho que ela ficou melhor como pessoa e jurista.

Tanto o conflito do juiz garantista, quanto a nova visão de mundo da procuradora da República me trouxeram a percepção do amadurecimento profissional que podem ocorrer no exercício das funções públicas.

Não conheço o juiz Moro, não gozo de sua intimidade e tenho alguns preconceitos em relação a ele, mas lendo a decisão de soltura, verificando o conflito, percebo que o magistrado em seu íntimo ainda possuí o mínimo de humanidade necessário àquele que pode decidir sobre a vida de alguém.

Doutro lado, percebo que os fundamentos utilizados para o desencarceramento de Mantega também seriam suficientes para determinar a soltura dos outros acusados, mas nenhuma mudança pode ser realizada de modo tão radical. Cumpre ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região se aperceber disso e corrigir a série de erros históricos que tem cometido.

Talvez ainda vejamos o reestabelecimento das garantias processuais, lembrando que o processo penal não foi construído para legitimar a condenação preestabelecida.

O importante é que um raio de esperança caiu no mundo jurídico.

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