Propaganda vs. realidade

Discrepância entre discurso e trabalho de Dallagnol é analisada por jornalista

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23 de setembro de 2016, 17h53

"Quem veio de Portugal para o Brasil foram degredados, criminosos. Quem foi para os Estados Unidos foram pessoas religiosas, cristãs, que buscavam realizar seus sonhos, era um outro perfil de colono." A frase é do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da autodenominada força-tarefa da operação "lava jato", dita em uma palestra em uma igreja batista em fevereiro e agora relembrada pela colunista Maria Cristina Fernanda no jornal Valor Econômico, em um perfil do membro do Ministério Público Federal.

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Dallagnol usa diversos adjetivos para Lula na entrevista, mas na denúncia opta por descrição bem mais amena.MP-RJ

O procurador, diz o texto, tem uma interpretação culturalista da história e acha que foi a colonização portuguesa quem deu origem a corrupção no Brasil. “O espírito cristão dos colonizadores americanos não os impediu de dizimar a população nativa, colecionar genocídios em sua política externa e conviver com o pesadelo de uma Casa Branca ocupada por Donald Trump. Mas o ex-estudante de Harvard [Dallagnol] só trouxe admiração pelas instituições americanas”, alfineta a jornalista.

Maria Cristina deu especial ênfase à análise da retórica de Dallagnol em comparação com as denúncias que produz como procurador. Ao apresentar as denúncias contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em uma coletiva de imprensa, o coordenador da “lava jato” citou 12 vezes o termo propinocracia, que seria o governo gerido pela propina. Porém, na acusação levada ao juiz Sergio Moro, a palavra não aparece uma única vez.

“A retórica de Dallagnol ainda lança mão de figuras de linguagem para nominar o ex-presidente que não foram incorporadas ao texto impresso. O procurador referiu-se a Lula dez vezes como comandante de esquema criminoso, sempre acompanhado dos adjetivos "máximo", "real", "supremo". A ocorrência do termo "comandante" no documento, além de reduzida à metade, nunca é adjetivada”, analisa a colunista.

A discrepância não parou aí. Na coletiva, Dallagnol chamou Lula de maestro e general, mas as denominações não aparecem na denúncia. No documento, o ex-presidente é chamado de "chefe do Poder Executivo" ou "ocupante do cargo público mais elevado".

Até a roupa e a dicção do procurador passaram pelo escrutínio da jornalista: “O terno azul-escuro, os óculos de aros pretos, a dicção que não deixa escapar uma única sílaba e o uso preciso do subjuntivo não sugerem disfunção psíquica”. 

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