Confusão legislativa

Apoiadores podem aparecer em cenas externas de propaganda, decide TRE-SP

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22 de setembro de 2016, 17h42

Não existe qualquer impedimento para que, em propagandas eleitorais, apoiadores de um candidato falem sobre feitos da gestão do político, em cenas gravadas ao ar livre. A decisão é do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo ao prover recurso de Marta Suplicy, que disputa a Prefeitura de São Paulo.

A discussão se deu em torno do artigo 54 da Lei 13.165/2015, cujo parágrafo 2º permite que os proponentes ao cargo exponham realizações de suas gestões, falhas administrativas e deficiências encontradas em obras e serviços públicos, além de atos parlamentares e debates legislativos.

Para a coligação Acelera SP — liderada por João Doria Júnior, candidato à Prefeitura paulistana pelo PSDB —, esse parágrafo impediria que outras pessoas, que não os candidatos, falassem sobre os temas discriminados.

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Na propaganda questionada, um eleitor aparece elogiando um dos centros educacionais construídos durante a gestão de Marta Suplicy à frente da capital paulista (2001-2004).

Em primeira instância, o juiz eleitoral deu razão a João Doria. Mas a relatora do recurso no TRE-SP, desembargadora Marli Ferreira, entendeu que um dispositivo dentro da regra não pode se sobrepor ao total. Ou seja, o parágrafo não poderia estar acima do que diz o caput.

“Com a máxima vênia ao entendimento adotado pelo douto magistrado sentenciante, não há como admitir que a determinação de observação ao parágrafo 2° da mesma norma venha a suprimir a permissão concedida pelo caput. De fato, em momento algum o parágrafo 2° do artigo 54 veda a participação dos apoiadores dos candidatos nas gravações externas, o que eliminaria por completo a faculdade concedida pela cabeça do artigo”, explicou Marli.

Ela detalhou que o parágrafo 2° apenas condicionar a participação dos candidatos nas cenas externas à exposição dos temas tratados nos incisos do artigo 54. “A candidata recorrente também aparece pessoalmente nas gravações externas da propaganda impugnada, exaltando as realizações de seu governo quando exerceu o cargo de prefeita do município de São Paulo, em perfeita consonância com o art. 54, § 2°, I, da Lei 9.504/97.”

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Propaganda de Marta era acusada de não cumprir legislação sobre propaganda.
Agência Senado

Norma contraproducente
Alguns advogados eleitoralistas argumentam que as controvérsias surgem a partir das alterações mal feitas pela reforma eleitoral. Os especialistas também criticam as restrições do modelo atual, que impede o surgimento de novos nomes na política e dificultam a vida de candidatos pouco conhecidos.

Fernando Neisser, que defende o candidato à reeleição Fernando Haddad (PT-SP), conta que o resultado das mudanças promovidas em 2015 foram decisões contraditórias. “A redação é muito confusa. O caput do 54 é um caos. Não se entende qual termo se refere a que. Isso abre margem a diversas interpretações.”

Ele também critica o “engessamento” do horário eleitoral e a ideia de que os marqueteiros “são os grandes bruxos” da política. O advogado do petista ressalta que as limitações impostas aos programas eleitorais apenas dificultam a vida dos candidatos, pois cenas externas não teriam o efeito milagroso propagado.

Neisser opina que essas imposições nada mais são do que proteções excessivas ao eleitor, que mais prejudicam do fortalecem a democracia, que não amadurece por não ter eleitores realmente conscientes. Segundo o advogado, esse paternalismo é injustificado e as influências das cenas externas já foram desmitificadas. “O mundo de hoje não é o mundo das décadas de 1980 e 1990.”

O advogado explica que uma interpretação literal da norma dá a entender que o candidato só pode falar sobre os temas pré-delimitados pela legislação e defende a licitude de “entrevistas” feitas por candidatos junto a eleitores. “É de um autoritarismo que não faz sentido no Estado Democrático de Direito. É tratar o eleitor como um idiota. Se o candidato não apresenta propostas, problema dele. Nós temos um ranço iluminista que a razão é boa e o sentimento é ruim. Nós não os separamos em nossa cabeça.”

Também já foi comprovado, continua Neisser, por quem atua na produção dessas peças publicitárias que a reprodução das cenas externas em estúdio acaba sendo mais caro, o que vai contra o suposto objetivo das alterações legislativas, que é o barateamento das campanhas. "Nossa legislação era muito boa, mesmo com imperfeições.”

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Neisser diz que eleitor não pode ser tutelado, pois isso impede o amadurecimento da democracia.
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O advogado conta que esse ataque às cenas externas ocorre há algum tempo sob o argumento do alto preço, mas ressalta que esse não é o ponto. “O eleitor não decidirá pelo candidato por causa de uma cena bonita […] as pessoas estão mais preparadas para comunicação com melhor qualidade estética.”

A lógica do artigo 54, para Neisser, é a de que é preciso apenas o candidato na tela. O advogado destaca que o mundo atual está acostumado à estética das telas, e que empobrecer as campanhas afasta ainda mais o eleitor da política. “Está voltando quase para a Lei Falcão [da época da ditadura militar].”

Neisser afirma que essa restrição só beneficia quem não precisa de propaganda e que o Congresso Nacional surfou nesse discurso contra os marqueteiros e acabou beneficiando candidatos que já têm cargos e as celebridades que se candidatam: atores, locutores, líderes religiosos, entre outros.

Especialização em eleições
Para Anderson Pomini, advogado da campanha de João Doria, as restrições impostas às propagandas eleitorais no rádio e na televisão partiram da equivocada premissa de que os custos para a produção de filmagens externas são mais elevado. Ele foca no artigo 53 ao ressaltar que a regra foi definida sem levar em consideração o desenvolvimento da tecnologia, que barateou a produção dos programas eleitorais.

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Pomini sugere que Justiça Eleitoral tenha magistrados especializados em cada tema.
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“A mudança nasceu velha”, diz, complementando que a lei foi mal redigida, o que gera confusão para a orientação das equipes de comunicação das campanhas e contradições entre primeira e segunda instâncias da justiça eleitoral. “Como que o jurídico da campanha poderá orientar o pessoal de comunicação, se nem mesmo os juízes eleitorais chagaram a um mesmo entendimento sobre o tema?"

Pomini diz ainda que a Justiça Eleitoral precisa de especialização. “A Justiça eleitoral deveria contar com melhor estrutura para o atendimento das eleições em geral, em especial para as municipais, onde os juiz acumulam funções diversas durante o período crítico. É humanamente impossível que juízes conheçam e entreguem decisões escorreitas atuando em diversas áreas do Direito ao mesmo tempo em que julgam os feitos eleitorais."

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