Segunda Leitura

O check up periódico é uma boa via de motivação na advocacia

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

18 de setembro de 2016, 11h49

Spacca
O título pode soar estranho. Mas o check up aqui não é da saúde física, prática que já faz parte da vida de grande número de brasileiros. É da profissão.

Mariana Poli, no artigo “Revisão obrigatória” escrito para o mundo coorporativo, aponta a necessidade de reavaliação periódica dos planos, observando que “Para manter sua saúde profissional em dia e seus desejos pessoais alinhados à realidade no trabalho, é necessário fazer periodicamente um check up da carreira” (Revista Você S.A., set. 2015, p. 28).

A reflexão, que vale para o mundo empresarial, vale também para as profissões jurídicas, seja na da atividade privada, seja nas carreiras públicas. Aqui o foco central será a advocacia.

Mas, o que seria exatamente fazer um check up profissional? Para que serve?

O check up é um boa forma de evitar ou administrar períodos de instabilidade. Ele é mais do que tudo preventivo. Pode, é verdade, auxiliar a restaurar a saúde física ou profissional, porém sua utilidade maior está na prevenção.

Nesta linha, o primeiro passo é fixar a si próprio período de análise de sua vida profissional. O ideal seria uma avaliação anual, estabelecendo um período certo, por exemplo a primeira semana de dezembro.

Um jovem advogado, vinte e cinco anos de idade, formado em 2015, aprovado sem dificuldade no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, pode em dezembro de 2016 avaliar o exercício da profissão neste espaço de tempo. Ela lhe dá felicidade? As suas metas foram alcançadas? Quais as perspectivas financeiras? Quais as maiores dificuldades e o que fazer para superá-las?

Colocadas estas e outras perguntas na tela de seu computador, poderá analisa-los detidamente. O simples fato de materializar no disco rígido as linhas de ação já lhe dará maior conhecimento de sua situação e a responsabilidade de reconhecer os pontos fracos e procurar superá-los.

O primeiro item, satisfação pessoal, felicidade no que faz, é de todos o mais importante. Se o exercício profissional, seja como membro de um grande escritório de advocacia, seja no seu próprio, for feito com prazer, as dificuldades naturais serão superadas. Mas, se a ida ao Fórum causar-lhe mal estar e atender os clientes for um sacrifício, provavelmente não se sentirá realizado, mesmo que financeiramente as coisas andem bem. Talvez seja o caso de procurar outro caminho.

Pode ser que o check up revele dificuldades pontuais. Os conhecimentos teóricos estão aquém do necessário ou tem dificuldade de conseguir clientes. Só o fato de identificá-los e reconhecê-los já é um passo decisivo na busca de superá-los.

Conhecer a matéria, saber argumentar com a Constituição, dominar o processo civil, sem dúvida são requisitos do sucesso. Mas, não é necessário saber como se posiciona o Tribunal Constitucional da Alemanha ou o que pensa Luigi Ferrajoli sobre o assunto. É preciso, isto sim, conhecer as regras, os princípios, sabendo adequá-los ao caso concreto. Por exemplo, como levar um recurso ao Superior Tribunal de Justiça. Este e outros aspectos podem ser encontrados em bons livros, cursos de especialização e até em vídeos na internet.

Se a dificuldade for de conquistar clientes, o esforço tem outra direção. A descoberta passa primeiro por uma análise da própria conduta. A primeira pergunta será: quero mesmo ter clientes? Aparentemente ela é tola. Só aparentemente, pois muitos têm um medo não confessado de ter clientes e, quiçá inconscientemente, afastam-nos. Por exemplo, apresentam-se na vida social e nas redes sociais como pessoas imaturas, preocupadas mais com um campeonato de skate do que com um projeto de lei que alterará a vida de seus clientes.

Olhando para si mesmo, deve perguntar-se como andam seus relacionamentos. Afinal, é deles que poderão ou não surgir clientes. Aqueles que “vão de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, terão poucas chances de expandir o escritório. É preciso organizar-se. Uma das medidas é ter uma relação de e-mails com o nome e profissão das pessoas e, periodicamente, renovar o contato. Elas precisam ter estimulada na memória a amizade para que, eventualmente, venham a ser clientes ou indiquem terceiros para o escritório. Medidas menores como cumprimentar os amigos do Facebook na data do aniversário, jamais devem ser desprezadas. E circular em diferentes ambientes também, pois quem não é visto não é lembrado.

Se isto vale para os novos advogados, vale também para os antigos, ainda que de diferentes maneiras. E assim o check up deve ser feito, pelo menos, a cada dois anos.

Com trinta e cinco anos um advogado já deve ter alcançado uma posição no escritório que lhe permita certa segurança. As avaliações aí devem ser diferentes. Já há uma etapa vencida, mas é preciso consolidá-la. Um profissional ou um escritório precisa estar em movimento, adaptar-se ao novo, sempre. Quem estiver parado está andando para trás, pois seus concorrentes estão avançando.

As avaliações devem levar a mudanças e estas não devem ser apenas para manter ou aumentar a clientela, mas também para dar mais sentido, prazer à vida.  Dentro das possibilidades de cada um, participar de congressos no exterior, de uma associação ou rede de advogados da sua área de atuação, poderá ser uma excelente oportunidade de aprender, fazer novas amizades e, de sobra, conquistar novos clientes.

Nesta fase é preciso já ter um plano de previdência privado, que pode ser o da própria OAB, sem prejuízo das contribuições para o INSS. Muitos advogados desprezaram estas medidas mínimas e agora amargam a dificuldade de não conseguir, sequer, pagar as despesas do condomínio.

Aos quarenta e cinco anos, os check ups devem ser feitos com maior rigor. Afinal, revelando a decadência, os fios de cabelo branco insistem em aumentar, e se isto é facilmente contornado pelas mulheres, dificilmente passa despercebido nos homens, principalmente se optarem por uma tintura acaju.

Nesta idade a estabilidade financeira é requisito básico. É preciso ter imóvel próprio e as condições econômicas mínimas para uma vida confortável. Mas o check up continua, ainda que as avaliações possam mudar. Muitos jovens entram no mercado de trabalho a cada ano. É preciso evoluir, acompanhar as mudanças, para não tornar-se uma obsoleta peça de museu. Assim, por exemplo, é indispensável adaptar-se ao processo eletrônico, por mais que seja desagradável abrir cinquenta “Eventos” para saber o que se passa. E não reclamar, pois ela soa como rabugice de alguém que vive do passado.

Aos cinquenta e cinco o check up continua. Se houver a humildade de fazê-lo com dois colegas de confiança, partilhando as dúvidas e ansiedades comuns, melhor. Reclamar que o sistema judicial piorou não vale. É óbvio que piorou, a infinidade de recursos impede que os processos cheguem ao fim. Mas, repetir isto a todo momento nada resolve. Ao contrário, é melhor valorizar a experiência vivida, aceitar novos desafios. Entrar em Câmaras de Arbitragem pode ser uma rica e prazerosa experiência. Dedicar-se a novas áreas do Direito, por exemplo uma advocacia preventiva através do compliance, pode ser sedutor. Delegar mais e aproveitar o tempo revela uma maneira inteligente de viver.

Chegam os sessenta e cinco e daí, mais ainda, é preciso submeter-se ao check up. O fato de estar em plena terceira idade não significa conhecimento de tudo. Dúvidas, temores, acompanham-nos até a chegada à estação terminal. Quais as prioridades? Como continuar a ser lembrado? Vale a pena trabalhar intensamente, como sempre?

Bem, sessenta e cinco, setenta e cinco ou oitenta e cinco anos, não significam impossibilidade de continuar em plena atividade. No entanto, com check ups anuais, pois a terceira idade recomendam sejam feitos com mais intensidade. Surgem outros questionamentos. Qual o meu papel na família? Que fiz eu pelo meu país? Quais os rastros de minha passagem?

Trabalhar é bom e o profissional mais vivido tem muito a dar aos que o cercam. Passou por inúmeras situações, sabe as consequências de cada ato. Sem ser professoral ou prolixo, como é próprio dos mais antigos, pode passar suas experiências e auxiliar os mais jovens. Esta deverá ser, acima de tudo, uma atividade de amor ao próximo. Desinteressada, leve, estimulante.

Diminuir os dias de trabalho, pouco a pouco, também é um bom caminho. Ao início, para três dias por semana. Depois, dois. E assim, passar a ser mais um professor de vida que, desinteressadamente, auxilia os que lhe estão próximos. Será amado e respeitado. Chegará, com certeza, ao grau mais próximo da felicidade.  

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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