Desjudicialização de conflitos

Suíça e Alemanha mostram eficiência de modelo de ombudsman bancário

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17 de setembro de 2016, 7h53

Se o Judiciário brasileiro já é um dos maiores do mundo em quantidade de processos em trâmite, as causas envolvendo bancos e contratos bancários têm grande papel nisso. De acordo com levantamento da professora Maria Teresa Sadek, da USP, o Brasil hoje tem 106 milhões de ações em andamento, das quais 35% dizem respeito a bancos. E cerca de 10% dos casos novos são bancários.

Por isso, especialistas já estão quase em consenso de que a solução para esse problema não pode ser judicial. Os conflitos entre bancos e consumidores têm de ser resolvidos fora dos tribunais, sem acionar um juiz para impor uma solução. O caminho percorrido por Alemanha e Suíça, dois dos mercados bancários mais desenvolvidos do mundo, foi a instituição de sistemas de mediação entre consumidores e bancos. Nesses países, os mediadores são chamados de ombudsman.

De acordo com o professor Peter Sester, da Universidade Saint-Gallen, na Suíça, o sistema funciona muito bem em ambos os países. Nos dois sistemas, o ombudsman é uma ferramenta consensual: o consumidor, depois de ter uma reclamação formal não resolvida pelo banco, leva o seu caso ao ombudsman, que propõe uma solução.

Tanto o banco quanto o cliente têm de concordar. Caso contrário, nada feito. Em ambos os países, o sistema é gratuito para o consumidor. Quem o mantém são os bancos, por meio de suas associações (a federação dos bancos, no caso alemão, e a associação nacional de bancos, no caso suíço).

E nos dois países, os ombudsman são pessoas não relacionadas aos bancos. Na Alemanha, costumam ser juízes aposentados. Na Suíça, advogados, professores de Direito ou economistas, desde que não tenha relações com o mercado financeiro e nem com entidades de defesa do consumidor.

“O modelo foi criado para essa grande massa de casos que não têm um valor financeiro muito grande e nem discutem questões juridicamente complexas”, explica o professor, em entrevista exclusiva à ConJur. “É um modelo que de certa forma protege a Justiça desses casos. Ao mesmo tempo, ele garante o funcionamento e a eficiência do Judiciário e fornece um mecanismo mais barato para resolver conflitos.”

O professor Peter Sester esteve no Brasil para apresentar seus estudos no Seminário Ombudsman como Forma de Desjudicialização dos Conflitos na Relação de Consumo, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça e pela FGV Projetos. O evento foi organizado pela professora Juliana Loss, da FGV Direito Rio, e pelo ministro Luís Felipe Salomão, do STJ.

Caso de sucesso
O modelo foi criado na Suíça em 1993, conta o professor. Segundo ele, 13 mil casos foram levados ao ombudsman naquele país, dos quais, 96% resultaram em acordo, uma média que se mantém. Na Alemanha, a cifra cai para 40%. Isso porque, segundo Sester, a Suíça não tem a mesma tradição de litigância que a Alemanha. Prova disso é que 46% dos casos decididos por mediação na Suíça duram menos de um mês e 44% duram até seis meses. Na Alemanha, a média é de seis meses.

Justiça cara
Uma das razões de o ombudsman ter funcionado nos dois países, explica Sester, é o custo de se processar alguém e o risco que se corre ao entrar na Justiça. No tribunal de Zurique, por exemplo, em causas de até US$ 1 mil, as custas processuais chegam a 25% do valor da causa. Nas ações que discutem US$ 5 mil, as custas equivalem a 16% do custo total do processo.

De acordo com os dados apresentados pelo professor em sua palestra, só passa a valer a pena ir à Justiça em causas caras ou juridicamente realmente relevantes. Por exemplo, é só a partir dos US$ 300 mil que as custas processuais caem a 2% do valor da causa.

Isso se reflete nos valores em discussão nos casos levados aos ombudsman. Na Suíça, 60% das reclamações envolvem até US$ 10 mil. Só 4% passam dos US$ 500 mil. “Na Suíça, existe um incentivo para não ir à Justiça caso o valor da causa seja baixo”, comenta o professor.

Custo do advogado
Somado a isso, ainda há os honorários advocatícios. Sester critica o modelo brasileiro, que permite a advogados assinar contratos de honorários com cláusula de sucesso, em que o cliente só paga se ganhar a causa. Na opinião do professor, isso permite que escritórios se especializem em convencer clientes a ajuizar uma ação.

Tanto na Alemanha quanto na Suíça esses contratos são proibidos. O artigo 19 do Código de Ética da Associação dos Advogados da Suíça permite celebrar contratos com honorários fixos, mas proíbe “acordo de participação nos rendimentos decorrentes do processo com resultado favorável ao cliente como substituto dos honorários”. Na Alemanha, a proibição está na lei que trata da remuneração dos advogados.

“Ao contrário dos Estados Unidos ou do Brasil, o cliente é quem corre o risco de arcar com os honorários advocatícios no caso de um resultado desfavorável”, conclui Sester. E em Zurique, os advogados costumam cobrar entre US$ 250 e US$ 850 por hora, segundo o professor.

Sem advogado
Outra razão para o sucesso do ombudsman nos casos alemão e suíço é que ambos os sistemas proíbem a participação de advogados nas negociações. “Com advogados é muito mais difícil chegar a um acordo, porque eles têm os interesses deles. E como é uma negociação, uma mediação, a ideia é falar com as pessoas para ajudá-las a resolver seus problemas”, explica Sester.

E aí também está um dos pontos que “devem dar problema” caso o ombudsman bancário seja introduzido no Brasil. “Na minha opinião, chegar para uma negociação com dois advogados diminui drasticamente a possibilidade de se chegar a um acordo, porque advogados aumentam o confronto.”

Caso brasileiro
No Brasil ainda não há nada parecido com o ombudsman bancário, embora o ministro Sidnei Beneti, aposentado do STJ em 2014, tenha organizado alguns eventos para tratar do tema enquanto estava na ativa. O evento da FGV produziu uma proposta de autorregulação que deve ser levada aos bancos em breve.

Por enquanto, o máximo que o mercado bancário tem são as ouvidorias, que são praticamente desconhecidas do consumidor, conforme conta o procurador-chefe do Banco Central em São Paulo, César Camargo. Segundo ele, juntando a ouvidoria do BC com os Procons do país, são registradas cerca de 100 mil reclamações por ano, que são levadas aos bancos. “É um número quase irrelevante”, comenta.

E se forem considerados os dados da professora Sadek, de que 10% dos processos novos são bancários, “a ouvidoria não contribui para a redução de conflitos e de judicialização”. No STJ, o problema é semelhante. Segundo o ministro Ricardo Vllas Bôas Cueva, um terço de todo o volume de processos da 2ª Seção, que trata de Direito Privado, diz respeito a bancos.

Durante sua apresentação, ele mostrou alguns modelos de autorregulação para resolução extrajudicial de litígios. Camargo elogiou especialmente o modelo italiano, no qual levar uma queixa ao ombudsman é uma etapa anterior obrigatória ao processo judicial. “Embora tenhamos uma cláusula constitucional que diz que a nada será negada a apreciação do Poder Judiciário, não vejo problemas com esse modelo. Poderíamos adotar esse caminho aqui”, diz.

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