Erros da ditadura

"Megaoperações levam ao totalitarismo do Poder Judiciário", diz Dias Toffoli

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16 de setembro de 2016, 21h27

O Judiciário exerce hoje o poder moderador das crises brasileiras que, antigamente, cabia às Forças Armadas, afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli nesta sexta-feira (16/9). No entanto, ele advertiu que os magistrados não podem extrapolar suas funções, sob risco de acabarem no ostracismo, como aconteceu com os militares após a ditadura.

Wilson Dias/ABr
Judiciário não pode exagerar no seu ativismo, senão vai ter o mesmo desgaste dos militares, alertou Toffoli.
Wilson Dias/ABr

“O Judiciário não pode exagerar no seu ativismo, senão vai ter o mesmo desgaste dos militares. Se criminalizarem a política, passarem a achar que o sistema judicial vai moralizar a sociedade brasileira, batendo palmas para doidos dançarem, vamos cometer o mesmo erro que os militares cometeram em 1964 ao assumir o poder”, alertou o ministro no último dia do XX Congresso Internacional de Direito Tributário, ocorrido em Belo Horizonte. O evento foi organizado pela Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt).

Além disso, Dias Toffoli criticou a espetacularização das megaoperações investigativas, como a “lava jato”. “Se quisermos ser os protagonistas da sociedade, temos que refletir se desejamos fazer operações que têm 150 mandados de busca e apreensão em único dia, que têm sentenças aditivas. Isso leva a um totalitarismo do Judiciário. Isso é democracia? Isso é Estado Democrático de Direito?”, questionou.

Exigência de provas
Ao comentar a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro aposentado do STF Carlos Velloso ressalvou que somente após a instauração da ação penal que começará a fase de produção de provas. No entanto, o agora advogado deixou claro que condenar alguém apenas com base em convicções é algo próprio de ditaduras.

“Se a denúncia for aceita, começa a instrução probatória. Então, o MPF deverá apresentar as provas. Agora, ninguém pode ser condenado sem provas. Isso seria algo próprio do stalinismo, do nazismo. No Estado Democrático de Direito, ninguém pode ser condenado apenas porque alguém tem convicção.”

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Ninguém pode ser condenado apenas porque alguém tem convicção, afirma ex-ministro do STF Carlos Velloso.
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Velloso também criticou as acusações de falta de imparcialidade contra os ministros do Supremo Dias Toffoli e Gilmar Mendes – aquele por conhecer o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, este por “estar agindo por interesses partidários do PSDB”, conforme diz o pedido de impeachment dele, protocolado nessa terça (13/9). De acordo com o ministro aposentado, ambos são alvos de “denúncias vazias”.

Melhor idade
Em sua palestra no evento, Carlos Velloso avaliou que o Código Tributário Nacional, que está completando 50 anos, permanece eficaz, e precisa somente de ajustes pontuais, como a exclusão de impostos de não mais existem e a inclusão de normas gerais sobre os direitos dos contribuintes.

Porém, isso não quer dizer que o Brasil não precise de uma reforma fiscal. Só que ela deve ser feita na Constituição, apontou o ministro. E o foco dessas alterações, a seu ver, deve ser a redução da carga tributária.   

Função de tribunal
Por sua vez, o professor de Direito Financeiro da USP e colunista da ConJur Heleno Torres atacou o argumento de que o STF deveria virar uma corte estritamente constitucional, como ocorre nos EUA. A seu ver, o Supremo deve continuar a ser o tribunal de cúpula do Judiciário brasileiro, socorrendo os cidadãos de injustiças. Até porque, muitas vezes, as alterações de paradigma foram firmadas em Recursos Extraordinários ou Habeas Corpus – como na permissão para executar a pena após condenação de segunda instância.

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Juiz não deve se assumir como ator da política ativa, afirma Heleno Torres.
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Torres também criticou o ativismo judicial e a judicialização da política. “Juiz não deve se assumir como ator da política ativa, um ser midiático, a suprir a política partidária. Ele deve é se ater às partes e à Constituição”, analisou.

Entretanto, o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Américo Lacombe, sustentou que só existe ativismo judicial porque há uma inércia do Legislativo. “Não existe vazio de poder. Tivemos várias decisões do STF que poderiam ser objeto de lei: as sobre fidelidade partidária, cotas raciais, aborto de anencéfalo, Lei da Ficha Limpa. Enquanto o Legislativo não tomar consciência de que tem obrigação de decidir alguma coisa, o Supremo deve continuar agindo”.

Respeito à Constituição
No discurso de encerramento, a advogada e professora da UFMG Misabel Derzi – a homenageada do congresso – advertiu que se quisermos ter uma sociedade democrática, devemos respeitar a Constituição, mesmo quando ela contrariar nossas crenças.

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Pedaladas e abertura de créditos suplementares não são crimes de responsabilidade, diz Misabel Derzi.
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Como exemplo disso, a advogada citou o recente processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que terminou com a destituição da petista. Misabel não gostou desse desfecho. Segundo ela, as pedaladas fiscais e abertura de créditos suplementares sem autorização do Congresso não são crimes de responsabilidade, portanto, não são motivos para destituir um governante.

Mesmo assim, ela não vê margem para o Supremo alterar esse veredito, como deseja a defesa de Dilma. Isso porque a Carta Magna estabelece que apenas o Senado pode depor um presidente que tenha praticado delitos.

“Somente aqueles eleitos pelo voto popular podem afastar de seu cargo outros eleitos pelo voto popular. Ministros do STF não têm competência para afastar um presidente da República, nem para mantê-lo no cargo, pois não foram eleitos pelo voto direto. Estão ali legitimamente, mas foram eleitos indiretamente. Se prezamos a Constituição, não podemos cobrar do STF o que ele não pode nos dar”, afirmou a tributarista.

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