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Autonomia da Defensoria e a Súmula 421 do STJ: breves considerações

13 de setembro de 2016, 11h37

Por Bruno de Almeida Passadore

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Tendo em vista notícia de que o Superior Tribunal de Justiça irá novamente analisar em futuro breve a possibilidade de condenação da Administração Pública ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor da Defensoria Pública a ela vinculada[1], entendo prudente adiantar algumas questões que serão melhor desenvolvidas em análise mais robusta de minha autoria a ser publicada, ainda no curso do presente ano, em obra coletiva sobre a temática Autonomia da Defensoria Pública pela editora Empório do Direito e coordenada pelo defensor amazonense Maurílio Casas Maia em parceria com o renomadíssimo defensor cearense Bheron Rocha.

Antes de mais nada, convém apontar que apesar de sumulada, a legitimidade ou não de condenação ao pagamento de honorários em favor da Defensoria Pública pela Fazenda Pública a que vinculada está longe de pacificada.

Citando apenas breves exemplos, os quais poderiam ser evidentemente numerados em maior quantidade, trago à baila caso do estado de Rondônia em que houve a condenação da fazenda estadual ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor da Defensoria Pública local — situação que deu origem a novo enfrentamento da súmula 421 no âmbito do STJ e que ainda pende de decisão perante esta corte[2] —; bem como decisões da 3ª, da 7ª e da 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo neste mesmo sentido[3].

Reiterando, portanto, o que já dito, apesar de súmula, a questão está longe de estar pacificada.

Isto se dá por questões evidentes: a estrutura jurídica Defensoria Pública foi alterada significativamente desde a sua previsão constitucional no texto original pelo constituinte de 1988. Tal questão é perceptível até pela inadequação em como é referida a Defensoria Pública, sendo bastante comum a utilização do termo “as Defensorias Públicas” — no plural — em detrimento de “a Defensoria Pública” — no singular. Demonstra-se ainda não ser plenamente perceptível a unidade da instituição — conforme preceitua o artigo 134, §4º, da CF[4], com a redação dada pela Emenda Constitucional 80 de 2014, constitucionalizando o artigo 3º, da Lei Complementar 80 de 1994[5] —, havendo tão-só divisões administrativas no âmbito da União, dos Estados e do Distrito Federal de uma instituição única.

Por outro lado, o mesmo equívoco não costuma ocorrer quando nos referimos ao Ministério Público, outra instituição em que a unidade também é um dos seus princípios institucionais — conforme artigo 127, §1º, da CF6, cuja redação, diferentemente daquela destinada à Defensoria Pública, é oriunda do texto original de nossa Carta Magna —, sendo absolutamente incomum e a causar evidente estranheza a utilização do termo “os Ministérios Públicos”.

Em suma, o próprio uso corrente do vernáculo já demonstra incompreensões acerca do regime jurídico da Defensoria Pública, ante substanciais alterações normativas. Assim, a forma como organizada a Defensoria Pública hoje é muito diferente da forma como regulada “as Defensorias Públicas” em 1988[7].

Nesse diapasão e sem qualquer pretensão de esgotar o tema, cumpre-nos fazer pequena remissão histórica acerca da autonomia da Defensoria Pública. De início, e como já dito, observa-se que o regramento e status constitucional da Defensoria Pública foi alterado significativamente desde a primeira previsão de envergadura constitucional do órgão[8], a qual se deu no texto original da Constituição de 1988.

Inicialmente, se tratava de órgão vinculado ao Poder Executivo, e deste dependente administrativa e politicamente. Todavia, para exercer com desembaraço sua função, sobretudo contra o próprio Poder Público, era preciso conferir à Defensoria Pública independência e autonomia no exercício de suas atividades. Por essa razão, o constituinte derivado, através da Emenda Constitucional 45/2004, assegurou-lhe autonomia funcional e administrativa, além da prerrogativa de propor seu próprio orçamento, conforme artigo 134, §2º e §3º, da Constituição Federal[9].

Ademais, por ser conferida à Defensoria Pública garantia assecuratória de autonomia financeira, já que previsto o dever de o ente federado repassar orçamento em duodécimos (artigo 168 da CF10) à instituição[11], o Supremo Tribunal Federal passou a entender que, igualmente, a instituição gozava de referida autonomia financeira, apesar de esta não constar expressamente no texto constitucional[12].

Neste sentido, consagrou-se uma nova conformação constitucional da Defensoria Pública e que pressupõe a ampla liberdade para escolha interna corporis de prioridades, criação de estruturas — inclusive referente à nomeação e à posse de membros e servidores[13] — e regulamentação dos procedimentos internos da instituição, no intuito de bem realizar as suas obrigações constitucionalmente previstas, e sem qualquer tipo de ingerência do Poder Executivo[14].

Assim, considerando a autonomia defensorial, se de um lado, é verdade que os recursos destinados à Defensoria Pública advêm de determinado ente federativo — tal qual ocorre com os tribunais de justiças e o Ministério Público —, de outro lado, e uma vez aprovado o seu orçamento, o Poder Executivo não tem nenhuma legitimidade para gerir os recursos destinados à instituição.

Torna-se, portanto, inegável que, apesar de os recursos públicos aplicados na instituição advirem do entre federado do qual faz parte não seria possível imaginar que haveria qualquer “confusão” entre o orçamento da instituição e do ente federado, a autorizar que este busque recursos nos cofres da Defensoria Pública e remaneje-os para outras finalidades. A respeito da questão, em nível doutrinário já se afirmou:

Se, por um lado, é verdade que os recursos destinados à Defensoria Pública advêm do ente federativo, também é verdade que, aprovado o orçamento, o poder Executivo Estadual já não é livre para gerir tais recursos. A autonomia constitucional impede que o Executivo possa realocar recursos já destinados à Defensoria, que tem “caixa” independente.[15]

Esta questão não passou desapercebida pela nossa corte constitucional, sendo cabalmente reconhecida esta questão, a tornar absolutamente inconsistente a tese da referida “confusão” entre Defensoria Pública e Fazenda Pública do ente federado a que vinculado. Porém, esta questão e a conclusão a que esperemos chegar serão abordados na semana vindoura.


3 Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n. 1020766-79.2014.8.26.0224, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Marcelo Semer, j. 13/04/2015; Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n. 0051780-97.2012.8.26.0053, 7ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Magalhães Coelho, j. 23/06/2014; e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n. 0032716-37.2011.8.26.0506, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Camargo Pereira, j. 27/08/2013.

4 § 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal”. 

5 Art. 3º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.

6 § 1º – São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional”.

7 Tornando nosso ponto de vista mais evidente: se já foi correto utilizar a expressão “as Defensorias Públicas”, após edição da lei orgânica da Defensoria Pública e, principalmente, após alteração constitucional de 2014 deixou de o ser.

8 Não se ignora, portanto, que mesmo antes de 1988 já existiam algumas normativas referente à Defensoria Pública, mormente no Estado do Rio de Janeiro, porém, e como dito, a primeira vez que isso se deu em âmbito constitucional foi em 1988.

9 “§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º; § 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal”.

10Art. 168. Os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, em duodécimos, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º” – grifos adicionados.

11 LENZA, Direito Constitucional Esquematizado. 16ª edição, São Paulo: Saraiva, 2012, p. 707.

12 Por todos: Supremo Tribunal Federal, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.163/SP, Relator Ministro Cézar Peluso, j. 29/02/2012.

13 Aponta-se que o órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná declarou, em caráter incidental, a inconstitucionalidade parcial do art. 86 da Lei Orgânica da Defensoria Pública local (LC 136/2011) no disposto que previa a nomeação conjunta realizada pelo Defensor Público Geral e pelo Chefe do Executivo de membros e servidores da instituição, reconhecendo que este dispositivo violava a autonomia consagrada ao órgão. Em tal julgado, foi reconhecido, como inerente à aludida autonomia, a nomeação privativa de membros e servidores da instituição pelo Defensor Público Geral: Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Mandado de Segurança n. 1.329.036-9, Relator Desembargador Luís Carlos Xavier, j. 03/08/2015.

14 SOARES DOS REIS, Gustavo Augusto; ZVEIBIL, Daniel Guimarães; e JUNQUEIRA, Gustavo, Comentários à Lei da Defensoria Pública. São Paulo: Ed. Saraiva, 2013, p. 40/41 e 108/109.

15 SOARES DOS REIS; ZVEIBIL; e JUNQUEIRA, Comentários à Lei da Defensoria […]. Op. Cit., 2013, p. 88/89 – grifos adicionados.