Opinião

Decisão do ministro Teori Zavascki foi um assalto ao direito de defesa

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10 de setembro de 2016, 16h47

A grande mídia noticiou com certa satisfação a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki — relator dos processos relacionados à operação "lava jato" no STF — que negou, monocraticamente, seguimento à “Reclamação” interposta pela defesa do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Em despacho assinado no último dia 6, o respeitado ministro Teori Zavascki afirma que a referida “Reclamação” seria “mais uma das diversas tentativas da defesa de embaraçar as apurações”.

É público e notório que a operação "lava jato", capitaneada pelo juiz titular da 13ª Vara Federal Sergio Moro, em nome de um pretenso combate à corrupção vem ultrapassando todos os limites impostos pelo devido processo legal decorrentes do próprio Estado de direito.

Ao confundir o direito constitucional de acesso à justiça (princípio da inafastabilidade) e o sagrado direito de defesa com “tentativas da defesa de embaraçar…” o ministro Teori Zavascki com uma única cajadada fere princípios fundamentais do Estado democrático de direito.

Neste sentido, o constitucionalista José Afonso da Silva[1] observa que o devido processo legal está baseado em três princípios, quais sejam: o acesso à justiça, o contraditório e a plenitude de defesa. Verdadeiros pilares do Estado democrático de direito.

Ao proclamar que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (artigo 5º, XXXV da CR), a Constituição da República consagrou o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito da ação. Não se trata de apenas de assegurar o acesso ou o ingresso no Judiciário, mas de garantia constitucional e de direito fundamental. O acesso à justiça é a expressão da exigência do cidadão pelos seus direitos, buscando a solução para os seus litígios, perante uma ordem jurídica democrática e de direito. Através do citado princípio, a todos deve ser assegurado o acesso à justiça direito público subjetivo — para requerer tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito individual ou coletivo. 

O direito de acesso à justiça é tão elementar, conforme observa Cirilo Vargas, “que não fosse ele, as portas do Judiciário poderiam ser fechadas por falta do que fazer”.[2]

Segundo Ada Pellegrini Grinover, “o acesso aos tribunais não se esgota com o poder de movimentar a jurisdição (direito de ação, com o correspondente direito de defesa), significando também que o processo deve se desenvolver de uma determinada maneira que assegure às partes o direito a uma solução justa de seus conflitos, que só pode ser obtida por sua plena participação, implicando o direito de sustentarem suas razões, de produzirem suas provas, de influírem sobre o convencimento do juiz. Corolário do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional são todas as garantias do devido processo legal, que a Constituição brasileira detalha a partir do inciso LIV do artigo 5º, realçando-se, dentre elas, o contraditório e a ampla defesa (inciso LV do mesmo artigo)”.[3]

De tal modo, para que o acesso à justiça seja verdadeiramente efetivo é imprescindível que seja assegurado ao acusado a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes (artigo 5º, LV da CR).

Foi com as reformas iluministas, segundo informa Luigi Ferrajoli[4], que a defesa técnica, reduzida nos anos da Inquisição a “uma arte baixa de intrigas”, assumiu a forma moderna de patrocínio legal obrigatório. A importância da defesa técnica é reconhecida também pelo nosso Código de Processo Penal (CPP) quando proclama que “nenhum acusado, ainda que foragido, será processado ou julgado sem defensor” (artigo 261) e, ainda, “se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvando-o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação” (artigo 263).

Assim, verifica-se que a defesa técnica trata-se de direito irrenunciável e indisponível. Decorre do próprio contraditório, da igualdade entre as partes e da paridade de armas que ao acusado seja assegurado um defensor habilitado, ou seja, um advogado. Jeremy Bentham, apud Ferrajoli, afirmou que os cidadãos “poderiam cuidar de suas causas judiciárias como todos geram seus negócios”, e, neste caso, a autodefesa seria suficiente. Contudo, “onde a legislação é obscura e complicada e o processo é empedernido de formalidades e nulidades”, é indispensável e necessário a defesa técnica de um advogado profissional “para restabelecer a igualdade das partes quanto à capacidade e para contrabalançar, por outro lado, as desvantagens ligadas à inferioridade da condição de imputado”. [5]

Deste modo, qualquer tentativa de macular ou intimidar a defesa constitui afronta ao Estado de direito e ao processo penal democrático comprometido com a dignidade da pessoa humana. O julgador pode até indeferir ou julgar improcedente o pleito da defesa, mas não pode em hipótese alguma questionar o direito de defesa. O direito de defesa existe independente de ter ou não razão a defesa.

Necessário ressaltar, sem adentrar no mérito, que por mais de uma vez o ministro Teori Zavascki reconheceu abusos cometidos pelo juiz Federal Sergio Moro na condução da famigerada operação "lava jato".

É imperioso advertir que os atos de defesa configuram a garantia do acusado e, portanto, de qualquer pessoa opor-se a uma pretensão punitiva. No Estado democrático de direito fundado, realmente, em bases democráticas — democracia material — deve prevalecer o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa. Repita-se, o status libertatis é a regra. A presunção é de inocência.

Já foi dito que toda restrição ao direito de defesa atinge e põe em risco o próprio Estado de Direito. De igual modo é inadmissível a criminalização do exercício da advocacia.

Hodiernamente, a sociedade alimentada por uma mídia tendenciosa tem sido levada a esquecer do papel fundamental do advogado no tão proclamado Estado Democrático de Direito. A nobre função do advogado está assegurada na Constituição da República (CR) que proclama: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”. (artigo 133 da CR). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi aclamado que a qualquer homem acusado de um ato delituoso são “assegurados todas as garantias necessárias à sua defesa”. (artigo XI)

Por tudo, ainda, que a defesa de Luiz Inácio Lula da Silva ou de qualquer outro ser humano, continue a batendo nas portas do Poder Judiciário, não se pode afirmar, sob pena de aniquilamento da própria defesa, que a “insistência” daqueles atuam, em última instância, em defesa da liberdade está a “embaraçar” as investigações e o processo. Ao contrário, sem defesa é que o processo e a justiça se embaraçam e se perdem no meio das arbitrariedades.


1 SILVA, José Afonsa da. Curso de direito constitucional positivo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

2 VARGAS, José Cirilo de. Processo penal e direitos fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 1992.

4 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer Sica et. al. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

5 FERRAJOLI, ob. cit.

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