Por exemplo, democracia, dignidade da pessoa humana, devido processo legal, processo, presunção de inocência, liberdade, igualdade etc., não são conhecidos como objetos existentes na natureza, mas sim construídos. E uma simples alteração, assim, pode alterar o resultado do processo interpretativo.
Para mitigar a pluralidade de sentidos (possíveis) exige-se do jogador processual a indicação da teoria pela qual o significante é invocado. O problema reside que boa parte dos atores judiciais não faz a mínima noção de onde os conceitos são invocados. Claro que não estou fazendo louvação ao Círculo de Viena e, muito menos, que um dicionário de conceitos jurídicos possa resolver a questão. Todavia, sem o âmbito semântico, na linha do que o artigo 489, do Novo Código de Processo Civil, vaga-se sem saber o que o enunciador quis dizer, já que poderemos ter outro sentido.
O constrangimento democrático da efetiva fundamentação das decisões exige que o julgador e os jogadores (parte dos processos) sejam capazes de apontar o Conceito Operacional de cada um dos significantes. Dizer que a questão viola a dignidade da pessoa humana, por exemplo, deveria ser antecedida de uma questão: Em Kant ou Hegel? Não se trata de um ornamento exibido e teórico, porque sem o esclarecimento de qual base teórica o sentido pode advir, perdemo-nos em diálogos sem sentidos – lugar em que, portanto, vige o senso comum teórico dos juristas (Warat).
O que se busca, assim, diante da alteração da teoria da decisão, tanto no Processo Civil, como no Processo Penal, é justamente que sejamos capazes de acompanhar os julgadores e jogadores no percurso teórico apresentado – ou, abrir caminhos de forma contextualizada e despretensiosa. Não existe nada dado, evidente (Rui Cunha Martins), no campo do Direito que trabalha com materiais conceituais; o que se tem é o ritmo dos jogadores que flutuam numa práxis consolidada, da qual se extrai no plano teórico o senso comum no qual todos deslizam, e este é o locus de aproximação da teoria dos jogos na abordagem que se traz. Daí que o desnudamento da crueza das regras do jogo enquanto ocorre é o objetivo, do que se intenta, muito embora pela via inversa de o dissecá-lo, justamente por isso torná-lo mais democrático, mais justo e honesto.
O revelar provoca conscientização, e pretende equipar aqueles que são responsáveis por processos cujo manejo afeta de maneira contundente vidas e pessoas. Os reflexos são imponderáveis. Aqui, portanto, articulo com Lenio Luiz Streck, no sentido de que a pluralidade de horizontes teóricos devem sempre ter o compromisso maior com o objeto último daqueles afetados pelos processos, e, com Kafka, afetados pelas engrenagens não ditas. O véu da proibição e do oculto é (sempre parcialmente) retirado. Pode-se jogar (mais) democraticamente (fair play). Além disso, teremos o trabalho de adaptação ao contexto da decisão e da teoria do caso, em que cada especificidade promoverá o trabalho argumentativo da pertinência.
Dará mais trabalho. Por isso a resistência de certa parcela da magistratura quanto ao impopular artigo 489, parágrafo 2o, do novo Código de Processo Civil, justamente porque sem dizer os fundamentos, fica mais fácil e fraudulento democraticamente decidir. A luta por uma decisão autenticamente fundamentada, como diz Lenio Streck, parece o desafio de efetivação de um modelo que não se seduz pelas aparências. Os imperadores decidiam com o polegar para cima ou para baixo e sem dizer os motivos. Já os magistrados, em democracia, precisam justificar suas decisões de maneira coerente e consistente, sem dribles retóricos.