Opinião

Balanço da jurisprudência do Carf sobre tributação e agronegócio

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

9 de setembro de 2016, 6h31

O agronegócio, compreendendo um amplo conjunto de atividades econômicas denominada de cadeia agroindustrial (fornecimento de insumos, produção, processamento, armazenagem, distribuição e financiamentos), tem sido de grande relevância para o Estado brasileiro, sobretudo, em tempos de crise, já que representou em 2015 o percentual de 23% do PIB nacional.

Dentro desta perspectiva, um ponto importante é a avaliação da tributação voltada para o setor, pois, possui diversas peculiaridades na legislação, gerando, assim, controvérsias.

Neste sentido, buscaremos de forma breve neste estudo fazer um panorama de algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), notadamente, a partir do retorno de suas atividades em 2015, quanto aos principais tributos federais.

IRPF
O imposto sobre a renda pessoa física (IRPF), levando em consideração a Lei 8.023/90 e Instrução Normativa SRF 83/2001, possui inúmeras peculiaridades, entre elas a forma de tributação das receitas decorrentes da atividade rural.[1] [2]

O produtor rural, assim, poderá tributar a titulo de IRPF o resultado da atividade rural de duas formas: (i) – mediante escrituração no livro caixa (artigo 60, RIR); ou (ii) – presumida (artigo 71, RIR).

Constata-se, assim, que a atividade rural possui legislação específica quanto à forma de tributação.

Um dos temas que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais julgou após o retorno de suas atividades foi a respeito da omissão de receita por depósitos bancários não justificados, nos termos do artigo 42, da Lei 9.430/96, quando se tratar de produtor rural.

O posicionamento da Câmara Superior era no sentido de que:

“IRPF. OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPÓSITOS BANCÁRIOS. PRODUTOR RURAL. EXCLUSIVA ATIVIDADE RURAL. REGIME DE TRIBUTAÇÃO ESPECIAL/ESPECÍFICO. Os contribuintes que, comprovadamente,exercem exclusivamente atividades rurais, estão submetidos à regime de tributação especial/específico, contemplado pela Lei nº 8.023/1990, impondo a compatibilização desta norma com o disposto no artigo 42 da Lei nº 9.430, a propósito da apuração de omissão rendimentos caracterizada por depósitos bancários de origem não comprovada, limitando­se, assim, a base de cálculo a 20% da omissão apurada, nos precisos termos do artigo 5º da lei especifica retromencionada.”[3]

Todavia, a Câmara Superior, em julgamento datado de 28 de janeiro de 2016, alterou seu posicionamento, em desfavor do contribuinte, ao afirmar que:

“DEPÓSITOS BANCÁRIOS. OMISSÃO DE RENDIMENTOS. Caracterizam omissão de rendimentos os valores creditados em conta de depósito mantida junto à instituição financeira, quando o contribuinte, regularmente intimado, não comprova, mediante documentação hábil e idônea, a origem dos recursos utilizados nessas operações. Recurso especial provido.”[4]

Além de ser reprovável a mudança de posicionamento da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, diante da necessidade de se respeitar a segurança jurídica, o fato é que, diante da lei especial quanto à tributação da atividade rural, o artigo 42, da Lei 9.430/96 não poderia ser empregado isoladamente, desconsiderando as peculiaridades existentes, notadamente, no artigo 5º da Lei 8.023/90.

IRPJ/CSLL
De outro lado, quando se trata da tributação quanto ao IRPJ/CSLL no agronegócio também podemos identificar peculiaridades e temas controvertidos analisados pelo Carf.

Entre eles podemos citar a depreciação acelerada incentivada prevista no artigo 6º, Medida Provisória 2.159/70-2001[5]:

Uma das discussões relevantes a respeito do setor está na aplicação da depreciação acelerada incentivada para a agroindústria, especialmente, no setor sucroalcooleiro.

O tema ainda é controvertido, todavia, conforme quadro resumo abaixo, as decisões caminham para se manter um entendimento predominante em favor dos contribuintes, nos mesmos moldes da jurisprudência anterior:

Contribuinte Processo Órgão Julgador Acórdão Resultado
São Martinho 15956.720140/2012-28 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária 1201­001.243 Parcialmente favorável  (cana, melaço e bagaço)
Central Açucareira Santo Antonio S/A 10410.724088/2013-11 3ª Câmara / 2ª Turma Ordinária 1302­001.788  desfavorável
Pedra Agroindustrial S/A 15956.720092/2012-78 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária 1401-001.523 favorável
Vale do Verdão S/A – Açúcar e Álcool 10120.723532/2013-39 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária 1401-001.522 favorável
São Martinho 15956.000497/2010-24 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária 1401-001.524 favorável
Usina Alto Alegre S/A – Açúcar e Álcool 10835.720015/2014-32 2ª Câmara / 1ª Turma Ordinária 1201-001.441 favorável

ITR
Já em relação ao imposto territorial rural (ITR)[6], também localizamos diversas decisões sobre o tema, podendo-se apontar exemplificativamente: (i) – aplicação do artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional para cômputo do prazo quinquenal decadencial na hipótese de declaração e pagamento[7]; (ii) – impossibilidade de cobrança da multa de atraso da declaração de ITR com base no valor do lançamento de ofício, por ausência de fundamento legal, cabendo somente sobre montante da DITR[8]; (iii) – Impossibilidade de cobrança do ITR, por invasão com cancelamento do titulo ex tunc[9]; (iv) – necessidade de laudo de conformidade com as regras da ABNT para a revisão do VTN realizada em lançamento de ofício.[10]; (v) – impossibilidade de cobrança ao se comprovar duplicidade de cadastro[11]; (vi) – ausência de razoabilidade em exigir tributo considerando o imóvel como sendo por completo todo terra nua.[12]

PIS/Cofins
Partindo para as contribuições, temos o PIS/Pasep e a Cofins e as discussões voltadas para o regime não cumulativo, de conformidade, respectivamente, com as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003.

Neste sentido temos relevante decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf para uma agroindústria reforçando o posicionamento já existente[13] quanto ao emprego do critério intermediário ou próprio para reconhecimento dos créditos decorrentes de bens e serviços utilizados como insumo (artigo 3º, I, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003):

“PIS/COFINS NÃO-CUMULATIVOS. APROPRIAÇÃO DE CRÉDITOS. As leis instituidoras da sistemática não-cumulativa das contribuições PIS e COFINS, ao exigirem apenas que os insumos sejam utilizados na produção ou fabricação de bens, não condicionam a tomada de créditos ao "consumo" no processo produtivo, entendido este como o desgaste em razão de contato físico com os bens em elaboração. Comprovado que o bem foi empregado no processo produtivo e não se inclui entre os bens do ativo permanente, válido o crédito sobre o valor de sua aquisição.”[14]

A partir deste critério próprio quanto ao regime não cumulativo e insumo para PIS e Cofins, podemos identificar decisões reconhecendo créditos para frigoríficos, exemplificativamente, em relação ao seguintes itens: limpeza e desinfecção, embalagens utilizadas para transporte, indumentária, pallets[15], peças de reposição, sacos big bags, bolsas térmicas, saco plástico, caixa de proteção, fita sanitária, inspeção sanitária, análise de água, entre outros.[16]

Ainda dentro de discussões voltadas para a agroindústria, sobretudo, frigoríficos, também se pacificou a interpretação de que o crédito presumido do artigo 8º da Lei 10.925/2004 é de 60% e não 35%.”[17]

Por sua vez, com relação aos bens e serviços utilizados como insumo, notadamente, na fase agrícola para as Usinas no setor sucroalcooleiro, podemos identificar as seguintes decisões: (i) – “óleos e graxas" e "serviços agrícolas(serviços  de  aplicação  aérea  de  inseticida,  aplicação aérea de maturador, aplicação de herbicida tratorizado,  desmanche/confecção de cerca/transporte de benfeitorias, dessecação tratorizada, mecânica agrícola diversa, transporte de cana ­de ­açúcar para moagem, transporte de cana para plantio e de análise.[18]; (ii) aquisições da atividade agrícola de Óleo Diesel, oxigênio, acetileno, depreciação e material de manutenção; Locação dos seguintes bens: empilhadeira, serra clipper para piso, equipamento de telefonia, pá carregadeira, motoniveladora, colheitadeira, colhedoras de cana, transbordo, máquina, máquina e transbordo, máquina esteira, retroescavadeira e tratores; e sob a rubrica armazenagem: os serviços de transbordo.[19]

Para o setor de laticínios, por sua vez, temos decisão no sentido de reconhecer crédito para:[20] (i) – produtos de conservação e limpeza; (ii) – combustíveis e lubrificantes; (iii) de peças de reposição;(iv) – embalagens de apresentação e transporte; (v) – fretes sobre venda de produto acabado e produto agropecuário;(vi) para fretes na aquisição de insumos tributados à alíquota zero, na transferência de leite "in natura" dos postos de coleta até os estabelecimentos industriais e entre postos de coleta, de remessa e retorno à análise laboratorial e de remessa e retorno para conserto para manutenção dos bens de produção, em consignação.

Já no tocante à atividade de celulose encontramos[21]: (i) – calços para alinhamento de altura de equipamentos rotativos;(ii) – gastos com movimentação de materiais e insumos e locação de guindastes; (iii) insumos utilizados em análises químicas em laboratório; (iv) armazenagem de insumos;(v) – equipamento de proteção individual; (vi) – serviços utilizados em análises químicas em laboratório; (vii) – partes e peças de reposição utilizados como Insumo; (viii) – Insumos Empregados na Constituição de Florestas, exceto para manutenção e construção de estradas e pontes; (ix) – fretes, exceto para produto acabado; (x) – gastos com GLP utilizado em empilhadeiras; óleo diesel, óleo biodiesel marítimo, óleo biodiesel e GLP a granel; (xi) – gastos para embalagem de apresentação e transporte.

Por fim, relevante precedente da Câmara Superior para uma pessoa jurídica do setor de madeiras quanto aos seguinte créditos: combustíveis, lubrificantes, transporte de matéria prima do local de extração até o parque fabril, transporte de mao de obra do parque fabril, transporte do produto acabado até o porto para embarque ao exterior, embalagem de transporte, serviço de terceiro para plantio de mudas, entre outros.[22]

Não deixando ainda de cintar julgamento para conceder direito ao crédito no tocante ao arrendamento de imóvel rural de pessoa jurídica, nos termos do artigo 3º, inciso IV, das Leis 10.637/2002 e 10.833/2003[23].

Contribuições previdenciárias
Com relação às contribuições previdenciárias, um tema voltado para o agronegócio apreciado foi a exigência do “Funrural” e a sub-rogação pelo adquirente.

A Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf firmou posicionamento no sentido de que tal exigência seria devida, inexistindo qualquer reflexo a decisão do Supremo Tribunal Federal, sobretudo a partir da Lei 10.256/2001:

“PREVIDENCIÁRIO – AUTO DE INFRAÇÃO – AQUISIÇÃO DE PRODUTOR RURAL PESSOA FÍSICA – SUB-ROGAÇÃO. O Acórdão do RE 363.852/MG, declarou a inconstitucionalidade do art. 25 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei 9.528/1997, “até que legislação nova, arrimada na Emenda Constitucional nº 20/98, venha a instruir a contribuição”. Com o advento da Lei 10.256/2011, ficou legitimada a cobrança de contribuições sobre a aquisição do produtor rural pessoa física, sem prejuízo do procedimento de sub-rogação, previsto no art. 30, IV, da Lei 8.212/1991, que em momento algum foi considerado inconstitucional. Recurso especial negado.[24]

A respeito da decisão firmada, já tivemos oportunidade de apresentar nossa discordância[25], inclusive, neste site.[26]


[1] – Quanto às receitas da atividade rural verificar art. 2º da Lei n. 8.023/90.

[2] – CALCINI, Fábio Pallaretti. Imposto sobre a renda da pessoa física na atividade rural e a jurisprudência do conselho administrativo de recursos fiscais (CARF) ‘in” Imposto de renda pessoa físicaà luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Coordenadores Pedro Anan Jr., Marcelo Magalhães Peixoto. São Paul: MP/APET, p. 93-112. 2014. V. 2. 

[3] – CARF, CSRF, Ac. 9202­003.554 , j. 28/01/2015.

[4] – CARF, CSRF, Ac. 9202-003.736 , j. 28/01/2016.

[5] – Mais detalhes sobre o tema: CALCINI, Fábio Pallaretti. IRPJ/CSLL : depreciação incentivada acelerada e prejuízos fiscais na atividade rural : agroindústria:jurisprudência do Carf. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, abr. 2013, p. 42-56. V. 2011 ; DONIAK JR, Jimir. Agroindústria pode ser beneficiada com depreciação. Conjur. 29/03/2011.;  MENDES, Guilherme Adolfo dos Santos & HALAH, Lucas Issa. Reconhecimento dos gastos com a formação de culturas para fins de tributação do IRPJ. In: XII Congresso Nacional de Estudos Tributários, 2015, São Paulo. São Paulo, Editora Noeses, 2015. p. 557-580.

[6] – CALCINI, Fábio Pallaretti. GRILLI, Evandro A S. ITR e o novo Código Florestal: áreas não tributáveis e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) “in” Imposto sobre a propriedade territorial ruralà luz da jurisprudência do Conselho Administrativo. São Paulo: MP, 2015. Vol. 2. P. 103 – 130.

[7] – CARF, CSRF, Ac. 9202-003.951, j. 14/04/2016:

[8] – CARF, CSRF, Ac. 9202-003.966, J. 10/05/2016.

[9] – CARF, Ac. 2401-004.372, j. 12/05/2016.

[10] – CARF, Ac. 2402-005.361J. 15/06/2016.

[11] CARF, Ac. 2201-002.734, j. 10/12/2015.

[12] – CARF, Ac. 2202-003.480. j 10/07/2016

[13] – Quanto ao tema: CALCINI, Fábio Pallaretti Calcini. PIS/COFINS, não cumulatividade e insumo. Aspectos constitucionais e legais. Grandes questões atuais do direito tributário. ROCHA, Valdir de Oliveira ((coord). São Paulo: Dialética, 2015. P. 30-59. 19 v.   

[14] – CARF, CSRF, Ac. 9303-003.478, j. 25/02/2016.

[15] – CARF, CSRF, Ac. 9303-003.478, j. 25/02/2016.

[16] – CARF, AC. 3402­003.148, j. 20/07/2016.

[17] – CARF, CSRF, Ac. 9303-003.478, j. 25/02/2016.

[18] – CARF, 3ª Seção, Quarta Câmara. 2ª Turma Ordinária.Ac. 3402.003.076, j. 18/06/2016.

[19] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3402-003.041 Quarta Câmara. 2ª Turma Ordinária. j. 27/04/2016.

[20] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3302-003.149, j. 26/04/2016.

[21] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3302-003.155, j. 27/04/2016.

[22] – CARF, CSRF, Ac. 9303-004.174, j. 05/07/2016.

[23] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3402­003.148, j. 20/07/2016.

[24] – CARF, CSRF, Ac. 9202-003.836, j. 09/03/2016.

[25] – CALCINI, Fábio Pallaretti. Funrural. Aspectos Constitucionais e Legais. XII Congresso Nacional de Estudos Tributários do IBET. CARVALHO, Paulo de Barros. SOUZA Priscila de (coord.) São Paulo: Noeses, 2015.

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