Opinião

Quem conhece o conteúdo das propostas do MP de combate à corrupção?

Autor

  • Nelson Jobim

    é ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (1997-2004). Foi deputado federal (1987-1995) e Ministro da Justiça (1995-1997).

7 de setembro de 2016, 13h08

*Texto originalmente publicado pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre

Tem-se mencionado propostas legislativas de combate à corrupção elaboradas pelo Ministério Público. Elas se constituíram no Projeto de Lei 4.850/2016, do deputado Antonio Carlos Mendes Thame e outros.

Conversei com diversas pessoas. Todas apoiavam, mas nenhuma tinha lido! Quem, além das pessoas próximas ao texto, conhece o conteúdo dessas propostas?

Há surpresas. Na proposta original, com o nome de "Ajustes nas Nulidades Penais contra a Impunidade e a Corrupção", vejamos um ponto.

Ela altera o artigo 157 do Código de Processo Penal (redação de 2008): "São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação de direito e garantias constitucionais ou legais".

No entanto, a proposta substitui a expressão "violação a normas constitucionais ou legais" por "violação de direito e garantias constitucionais ou legais". A proibição está na Constituição (artigo 5º, LVI). A intenção é restritiva.

A prova produzida em violação de normas constitucionais ou legais, que não sejam protetivas de direitos, será lícita?

O argumento é que as proibições "foram criadas para proteger direitos constitucionais dos investigados ou do réu e não para tutelar formalidades…"!!!! Ou seja, o processo penal ficará ao arbítrio dos investigadores!

A proposta traz ainda hipóteses que, mesmo constituindo-se na "violação de direito e garantias constitucionais ou legais", são excluídas da ilicitude (parágrafo 2º). Ora, excluir da ilicitude certas hipóteses significa tornar lícito o que seria ilícito. 

Vejamos uma hipótese:

"III – o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada".

Basta que o agente do MP e/ou a polícia estejam de "boa fé" para que o ilícito se converta em lícito! A boa-fé cobre e oculta a ilicitude da prova!

Acusação é que deverá demonstrar a boa-fé do agente ou é a defesa que terá o ônus de provar a má-fé?

A acusação sustentará que:

1) a boa-fé do agente público se presume;

2) a boa-fé será afastada pela prova da má-fé;

3) logo, há necessidade de se provar a má-fé.

Não demonstrada a má-fé, estar-se-á perante uma conduta de boa-fé. Será ônus da defesa provar a má-fé para ver reconhecida a ilicitude da prova? E o erro escusável?

A autoridade determina uma diligência ilegal; o agente a executa, pressupondo ser legal e, por isso, a prova se torna lícita!!! O erro escusável, que justificaria a conduta do agente, passa a abranger o resultado dessa conduta?

Continuaremos.

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