Além do limite

Juíza é afastada por interrogar réu em sessão para homologar delação

Autor

4 de setembro de 2016, 10h13

Durante audiência para homologação de delação premiada, o juiz só deve questionar o delator sobre o acordo e se ele o fez por vontade própria, não podendo fazer nenhuma pergunta sobre os fatos, pois as manifestações do delator são meios de obtenção de prova e podem influenciar o julgador antes do julgamento. Assim entendeu o desembargador Orlando de Almeida Perri, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, ao votar pela suspeição da juíza da 7ª Vara Criminal, Selma Rosane dos Santos.

A magistrada foi acusada pela ré Roseli de Fátima Meira Barbosa, mulher do ex-governador do estado, Silval Barbosa (PMDB), de fazer perguntas ao delator Paulo César Lemes durante audiência para homologar a delação premiada feita pelo réu, segundo o site Ponto na Curva. A ex-primeira dama de Mato Grosso e mais 31 pessoas são acusadas pelo Ministério Público do estado de desviar R$ 8 milhões em recursos da Secretaria de Trabalho. A suspeição foi aceita por maioria pelo colegiado.

Perri criticou a postura da juíza de primeiro grau. “Agiu como São Tomé, procurando certificar a veracidade dos fatos criminosos delatados, desbordando da simplificada tarefa de verificação da regularidade formal do acordo de delação. A sua postura ativa foi motivada pela dúvida quanto à existência dos fatos criminosos, e não pela voluntariedade do negócio jurídico trazido à sua homologação.”

O desembargador reforçou que a magistratura deve primar pela imparcialidade e que as tarefas de investigação impedem que o julgador se mantenha isento. “Ao juiz cabe assegurar um processo de partes, e não assumir um papel de parte, imiscuindo-se em atividades probatórias. Sua posição de fiel da balança da justiça não o autoriza a sair em pesquisa às fontes e meios de provas, sob pena de comprometer a indispensável imparcialidade.”

De acordo com Perri, ao analisar algumas provas e fatos antes do contraditório e da ampla defesa, o julgador, inclusive em seu inconsciente, pode apresentar um posicionamento prejudicial ao devido processo legal. “No processo, sua situação topológica é de equidistância das partes e dos interesses delas. Na medida em que o juiz assume a produção de provas – mesmo que pré-processuais –, aproxima-se de um dos contendores e assume o risco de preferir um interesse ao outro.”

Orlando Perrin explicou que a legislação coloca o magistrado como garantidor dos direitos fundamentais o que o impede de ser o “capataz da investigação”. Destacou também que a delação premiada é um meio de produção de prova, o que também faz com que as informações repassadas pelo suposto criminoso sejam mantidas a uma certa distância do julgador. “E assim considero porque, em razão da natureza da delação premiada, tratava-se de meio de prova que, aberta e escancaradamente, pendia em favor da parte acusatória.”

O desembargador ainda observou que houve exagero na decretação de prisão provisória, caracterizando parcialidade da magistrada — que "não poupou tintas nem adjetivos em sua incriminação antecipada". "Até pela natureza provisória da decisão, cabia a ela usar de linguagem moderada, sóbria e comedida, evitando afirmações categóricas acerca da culpabilidade dos acusados.”

Clique aqui para ler o voto divulgado

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!