Defesa em xeque

Leia sustentação oral do presidente do IDDD sobre prisão antecipada no STF

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1 de setembro de 2016, 18h41

Quando o Supremo Tribunal Federal autorizou que a prisão seja executada antes do trânsito em julgado, afirmou que o Brasil tem um dos únicos sistemas do mundo que obriga o Judiciário a esperar que todos os recursos sejam julgados antes de mandar um réu condenado para a prisão. Por seis votos a cinco, o tribunal julgou um Habeas Corpus e autorizou que a pena fosse executada de maneira antecipada.

O ministro Celso de Mello, decano da corte, disse que o sistema brasileiro, ao contrário do resto do mundo, decorre da literalidade do inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Mas ficou vencido.

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Tofic afirma que Brasil não pode importar "soluções" de países como se fossem resolver os problemas da nação.
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Nesta quinta-feira (1º/9), quando o STF começou a julgar um pedido de declaração de constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que repete a regra da Constituição, o advogado Fabio Tofic Simantob, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), lembrou daquela discussão.

Em sua sustentação oral, afirmou que o Brasil ainda não pode se comparar com a realidade de outras democracias desenvolvidas mundo afora. Assim, não pode importar "soluções", sem que tenha importado o ambiente para o qual elas foram construídas.

Leia a transcrição da sustentação oral:

Senhor Presidente, Senhoras Ministras, Senhores Ministros, o Brasil ostenta a marca de ter uma das maiores populações carcerárias do mundo: 40% dos seus presos são presos provisórios, presos que aguardam julgamento.

Antes de se comparar a outros países, o Brasil precisa resolver as suas mazelas da justiça penal. Para se comparar a outros países, o Brasil precisa combater a violência e a corrupção policial. Para se comparar a outros países, o Brasil precisa parar de condenar com base na prova do inquérito, o Brasil precisa parar de condenar com base na confissão policial. Para se comparar com outros países, o Brasil precisa respeitar e incrementar a sua prova pericial.

Para se comparar com outros países, há de haver respeito à integridade da prova, há de haver assegurada a cadeia de custódia dos elementos probatórios. Para se comparar a outros países o Brasil precisa assegurar a paridade de armas. O órgão que acusa, data máxima venia do eminente procurador-geral da República aqui presente, não pode emitir opinião e ser o fiscal o processo.

Para se comparar com outros países, o país precisa acabar com a cultura de que o juiz do inquérito é o juiz do processo, que é o juiz do julgamento. Para se comparar com outros países, o livre convencimento motivado, essa regra que tem permitido que qualquer juiz em qualquer rincão desse país decida ao bel-prazer e ao sabor de suas convicções íntimas, possa ser um guia criterioso de distribuição de justiça equânime. Para se comparar com outros países, o Brasil precisa respeitar a jurisprudência dos tribunais superiores, precisa respeitar os precedentes que asseguram os direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Para se comparar com outros países, os tribunais regionais e estaduais do Brasil precisam parar de condenar com a fundamentação per relationem, que é aquela que faz remissão à sentença de primeiro grau, ou pior, ao parecer do Ministério Público, que é o órgão acusador do processo.

Para se comparar com outros países, o Brasil precisa resolver sua dramática situação prisional.

Senhores Ministros, Senhoras Ministras, para se comparar com os outros países, o Brasil precisa respeitar a sua Constituição Federal.

Enquanto nada disso é feito, ou melhor, no momento em que estas e tantas outras mazelas que todos os que falaram hoje aqui vivem dia a dia na prática, e que Vossas Excelências bem conhecem o dia a dia do cadinho do exame forense. O dia em que todas essas mazelas tiverem a atenção dos tribunais estaduais e estiverem resolvidas, quem sabe a sociedade não esteja madura para debater de forma ampla, de forma democrática, mediante propostas de emenda constitucional, que, data maxima venia, é a única medida que permite se usar nesse caso, como reconhece o próprio Ministério Público com a sua polêmica proposta de dez medidas e que não deixa de reconhecer que não pode o Judiciário subverter essa ordem constitucional para relativizar essa norma mediante proposta de emenda constitucional (e olha lá).

Quando todas essas questões estiverem decididas, talvez estejamos preparados, quem sabe, para ver se realizar mediante proposta de melhoria constitucional essa norma constitucional que garante uma das poucas coisas que ainda se consegue garantir nesse país, que é a presunção de inocência até o trânsito em julgado da condenação.

Muito obrigado. 

*Texto modificado às 19h19 do dia 1º/9/2016 para correções na transcrição.

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