Força desproporcional

Inspetor e estado do RS indenizarão homem por agressão em delegacia

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30 de outubro de 2016, 7h34

O estado é responsável pelos excessos cometidos por policiais no exercício do cargo. Por isso, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande aceitou Apelação de um homem que foi espancado por um inspetor de polícia numa delegacia de Canela. O homem, que relatou ser portador de epilepsia e de deficiência mental, irá receber R$ 8 mil a título de danos morais — a serem pagos pelo servidor e pelo estado.

Segundo o processo, o autor da ação foi até a delegacia para fazer o reconhecimento de duas bicicletas que foram furtadas e recuperadas pela polícia. Reconheceu uma delas, mas não pôde levá-la consigo porque não tinha a nota fiscal de compra nem o registro da ocorrência de furto. Bastante nervoso e agitado, o autor tentou argumentar com um dos inspetores, explicando que já enviara a nota à delegacia por fax.

Como o documento não foi encontrado, o inspetor deu o assunto por encerrado e mandou que o autor se retirasse. “Sai daqui, pivete”, disse, segundo o processo. O autor retrucou e disse que a delegacia estava ali para servi-lo como cidadão. Ao que o inspetor reagiu: “tu vais ver como eu estou para servir”, atingindo-o com um soco no estômago e tapas no rosto.

Depois de imobilizado e algemado, ele foi jogado dentro da cela. As agressões causaram três fraturas no queixo, oito dentes quebrados e um deslocamento de mandíbula. Logo em seguida, os policiais o largaram na frente de um hospital, agonizando e totalmente ensanguentado, e foram embora em uma viatura discreta.

Citado pela 1ª Vara Judicial de Canela, o estado do RS incluiu o inspetor na causa e sustentou a inexistência de fato ilícito, pois o Inquérito Policial mostrou que a conduta agressiva partiu do autor, que não conseguiu controlar os seus atos. Em síntese, alegou que as lesões decorreram do fato deste ter escorregado no piso molhado, vindo a cair “de cara no chão”, quando tentava se desvencilhar dos policiais que o conduziram até a cela.

O juiz Vancarlo André Anacleto afirmou na sentença que as testemunhas arroladas pelo autor não presenciaram o fato, fornecendo informações irrelevantes. A seu ver, a resistência empregada pelo autor — que estava  exaltado — autorizava a intervenção a que foi submetido, não sendo possível concluir que as lesões sofridas decorreram de abuso de autoridade. “O ônus da prova, neste aspecto, cabia ao autor, do qual não se desincumbiu.”

Abuso de autoridade
A decisão foi reformada na 6ª Câmara Cível, ao dar provimento à Apelação. “Beira a desfaçatez a afirmação do réu, Estado do RS, de que a conduta do policial não ultrapassou aquilo que lhe está autorizado, que faz parte do seu exercício funcional”, registrou o juiz convocado Alex Gonzalez Custódio, relator.

Para ele, a narrativa da inicial descreve flagrante abuso de autoridade, agressão, intransigência, intolerância e arrogância, condutas incompatíveis com o cargo de policial. O juiz considerou o Inquérito Policial totalmente “direcionado, unilateral e imprestável”.

“Se o cidadão está descontrolado, a solução não é ‘agressão e algemas’, mas tentar conversar, conciliar e, se não tem esta capacidade, chamar o Delegado de Policia, ou qualquer pessoa minimamente melhor preparada! A reforma da decisão da lide principal implica na procedência da denunciação à lide proposta pelo estado do RS em face do policial”, escreveu na sentença.

Ele também questionou o fato de a suposta queda na cela molhada ter lesionado somente a boca do autor, já que não há referência de outras escoriações nos braços ou pernas da vítima. Apontou que “queda” em cela é a mais conhecida desculpa de lesões em delegacias, assim como o “debater-se do preso” nas grades.

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