Opinião

Prova indiciária ajuda a combater o crime organizado

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

30 de outubro de 2016, 8h00

O crime organizado, outrora incipiente, é uma realidade nacional, que está incrustado em todos os setores da sociedade, até mesmo nos três Poderes da República. As organizações criminosas são muitas vezes sem rosto e não deixam vestígios dos crimes cometidos, justamente por usar o aparato de poder e movimentar quantias bilionárias que a tudo esconde.

Quando o resultado de sua nefasta atividade aparece é devastador, como estamos vivenciando. E como combater crimes praticados por organizações criminosas que costumam não deixar vestígios e não contar com testemunhas?

O sucesso das recentes operações deflagradas pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal se deve principalmente pelo emprego da prova indiciária. Sem ela, seriam pouquíssimas as condenações por crimes do colarinho branco praticados por grandes empresários e agentes políticos, notadamente lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, associação e organização criminosa.

Costuma-se dizer que os indícios não são prova, pois são baseados em probabilidades e não em certeza. Isso não é verdade. Os indícios estão previstos no ordenamento processual objetivo no capítulo que trata justamente das provas. O artigo 239 do Código de Processo Penal define a prova indiciária:

Art. 239 do CPP:Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”.

Também há previsão do que seja indício e os requisitos para sua validade e emprego no Código de Processo Penal Militar:

Art. 382 do CPPM: “Indício é a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência de outra circunstância ou fato, de que não se tem prova”.

Art. 383 do CPPM: “Para que o indício constitua prova, é necessário:
a) que a circunstância ou fato indicante tenha relação de causalidade, próxima ou remota, com a circunstância ou fato indicado; b) que a circunstância ou fato coincida com a prova resultante de outro ou outros indícios, ou com as provas diretas colhidas no processo”.

Nada obstante o Código de Processo Penal Militar, por ser lei especial, não poder ser empregado para os crimes comuns, traz parâmetros para o emprego dos indícios como prova.

Não há hierarquia entre as diversas espécies de prova. Não é sua natureza (prova direta ou indireta) que vai influir na convicção do magistrado. É a qualidade da prova, que poderá ou não convencer o juiz sobre a reconstrução histórica dos fatos, que é o seu objeto.

Indícios são fatos secundários, conhecidos e provados, relacionados com o fato principal, que autorize com o emprego de processo dedutivo/indutivo chegar-se à conclusão sobre algo.

Enquanto a prova direta se refere aos fatos a serem provados, ao objeto da prova, a prova indireta ou indiciária se refere a outros fatos próximos ou remotos ao indicado, que permitem por meio de processo lógico (indução e dedução) chegar-se ao objeto da prova.

Isoladamente, em regra, o indício não é uma prova plena. Mas vários indícios apontando sempre em uma mesma direção podem demonstrar a ocorrência de um fato ou circunstância. Excepcionalmente, um único indício pode levar a uma conclusão correta, quando possuir especial força probatória.

Na prova indiciária são coletados diversos fatos convergentes e fortes que, após o emprego da dedução e da indução, pode trazer a necessária certeza sobre a ocorrência de um fato até então processualmente desconhecido.

Dedução é um processo mais simples. Parte do geral para o particular. Emprega o silogismo para se chegar a uma conclusão. Assim, por exemplo: 1) Quem é encontrado na posse da arma com sangue no local do crime é seu autor (premissa maior); 2) Pedro foi encontrado no local do crime com a arma e ensanguentado (premissa menor); 3) Logo, é o autor do crime (conclusão).

Na dedução, mesmo que as premissas sejam verdadeiras, assim mesmo a conclusão pode ser falsa. Sendo uma das premissas falsas, a conclusão também será falsa.

No silogismo acima, a primeira premissa é falsa, pois nem sempre aquele que é encontrado no local do crime com a arma e ensanguentado é seu autor. Mas é um indício que, juntamente com outros indícios sempre no mesmo sentido, pode demonstrar a ocorrência do fato (homicídio).

Indução é um processo mais complexo, pois emprega vários processos dedutivos para se chegar à conclusão sobre algo. Parte-se do particular até se chegar ao geral. É um processo oposto ao dedutivo.

A dedução apenas não é suficiente para demonstrar a verdade dos fatos, porque precária e sujeita a sofismas. Por isso, no processo indutivo são empregadas várias deduções até se chegar a uma conclusão.

Cada indício é uma probabilidade. Quanto mais indícios fortes e convergentes maior será a probabilidade de o fato a ser demonstrado ter ocorrido. Por isso, a prova indiciária é uma soma de probabilidades.

A preparação da prova indiciária obedece a três etapas:

  • coleta do material;
  • análise do material;
  • conclusão.

A coleta do material pode ser realizada no próprio local do crime ou com o emprego de medidas cautelares, como a busca e apreensão, quebra do sigilo bancário, dentre outras. Nessa fase, deve-se se tomar todas as cautelas para que a prova não seja obtida ilicitamente, o que, em regra, contaminaria todas as demais provas dela decorrentes (teoria dos frutos da árvore envenenada). Também é essencial zelar pela cadeia de custódia.

A seguir, o material deve ser separado e submetido à análise, o que pode necessitar o trabalho de especialistas em outras áreas (peritos). Por fim, de posse do material necessário e adequado, chegar-se-á à conclusão sobre algo.

Para que possam ser válidos e ensejar a demonstração do fato como prova plena, os indícios devem ser:

a) graves (fortes) a ponto de resistirem a um contraindício;

b) precisos para não darem margem a outras interpretações;

c) concordantes.

Também é essencial para sua aceitação que os indícios sejam demonstrados por meio de prova direta (testemunhal, pericial, documental etc). A avaliação dos requisitos de validade deve ser global, ou seja, analisada da somatória dos indícios e não de cada um isoladamente. Entendemos dessa forma porque um indício isoladamente pode ser um nada jurídico, mas interpretado com outros pode tomar outro significado.

Também é comum confundir indício com presunção. A presunção não parte de processo dedutivo/indutivo, mas de máximas de experiência. Não há análise de fatos secundários, mas apenas conclusão de acordo com o que geralmente acontece em casos análogos. Como leciona Giovanni Leone, presunção:

“… é a indução da existência de um fato desconhecido pela existência de um fato conhecido, supondo-se que deva ser verdadeiro para o caso concreto aquilo que ordinariamente sói ser para a maior parte dos casos nos quais aquele fato acontece”.[1]

Já na prova indiciária não se presume nada. Chega-se a uma conclusão lógica por meio do somatório de outros fatos próximos ou remotos. O indício é a premissa menor do silogismo. A ele se adicionam regras científicas e máximas de experiência (extraída de casos semelhantes) e, com isso, permite-se chegar a uma conclusão sobre algo.

O objetivo da prova indiciária não é alcançar a verdade absoluta dos fatos, que é impossível de ser obtida. Chega-se à verdade processual de modo a reduzir-se ao máximo a margem de erro.

A suficiência da prova não poderá ser penhor da certeza plena, da qual só Deus é possuidor. Afigura-se irreal o emprego de expressões como prova cabal, prova insofismável e outras do gênero, que, como já dito, nunca poderão ser alcançadas. Sobre esse assunto, disse Mittermaier: [2]

Um dedicado amigo da verdade reconhece que a certeza, que necessariamente o contenta, não escapa ao vício da imperfeição humana; que é sempre lícito supor o contrário daquilo que consideramos verdadeiro. Enfim, a fecunda imaginação do céptico, atirando-se ao possível, encontrará sempre cem razões de dúvida. Com efeito, em todos os casos se pode imaginar uma combinação extraordinária de circunstâncias, capazes de destruir a certeza adquirida. Porém, a despeito dessa possível combinação, não ficará o espírito menos satisfeito, quando motivos suficientes sustentarem a certeza, quando todas as hipóteses razoáveis tiverem sido figuradas e rejeitadas após maduro exame; então o juiz julgar-se-á, com segurança, na posse da verdade, objeto único de suas indagações; e é, sem dúvida, essa certeza da razão, que o legislador quis que fosse a base para o julgamento. Exigir mais seria querer o impossível; porque em todos os fatos que dependem do domínio da verdade histórica jamais se deixa atingir a verdade absoluta. Se a legislação recusasse sistematicamente admitir a certeza todas as vezes que uma hipótese contrária pudesse ser imaginada, se veriam impunes os maiores criminosos, e, por conseguinte, a anarquia (seria) fatalmente introduzida na sociedade.

Em resumo, a prova será suficiente para a condenação quando reduzir ao máximo a margem de erro, levando o Juiz a concluir pela certeza revestida por uma confortadora probabilidade de exatidão. Assim, não é qualquer dúvida que deverá levar à absolvição, mas somente a dúvida razoável. Por razoável, deve ser entendida a dúvida fundada, que não pôde ser dissipada, mesmo após o emprego de métodos analíticos pelo julgador quando da análise da prova.

Os vários indícios convergentes podem ensejar a condenação. É uma prova como outra qualquer. Servem para demonstrar a existência de fatos e o elemento subjetivo.

Aliás, é por meio dos indícios que, em regra, se demonstra a ocorrência do dolo direto e eventual, que está na cabeça do réu e na grande maioria das vezes não pode ser demonstrado por meio de prova direta. A respeito dos indícios como prova plena para a condenação, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente”.[3]

O Magistrado julga de acordo com seu livre convencimento motivado e, por isso, pode empregar os indícios para fundamentar a condenação. Com efeito, a prova indiciária é suficiente para ensejar a condenação. Para isso, os indícios angariados devem ser fortes, precisos, convergentes e demonstrados por meio de prova direta.

Sem o emprego da prova indiciária dificilmente será possível o combate ao crime organizado, que age às ocultas e, na maioria das vezes, não deixa rastro de suas ações.


[1] Leone Giovanni. Tratado di Diritto Processuale Penale. V. II. Napoli. Casa Editrice Dott. Eugenio Jovene, 1961. P. 161-162.

[2]     MITTERMAIER, C. J. A. Tratado da prova em matéria criminal, p. 66. Editora Bookseller, 1997. Campinas-SP

[3] STF: AP 481, Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.09.2011.

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