Opinião

Direito de devolução do ICMS é primeiro passo para Justiça tributária

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29 de outubro de 2016, 6h34

Depois de vacilar por anos sobre a questão, essa semana o Plenário do Supremo Tribunal Federal, enfim, decidiu que os estados devem devolver ao contribuinte do ICMS os valores que ele paga a mais quando está submetido às regras da substituição tributária para frente.

Apenas para pontuar o problema: o contribuinte do ICMS em regime de substituição tributária para frente vê retido pelo seu fornecedor o imposto estadual que vai incidir nas operações futuras. Contudo, como ainda não se sabe o valor futuro da operação (valores que variam conforme o mercado) os estados usam bases de cálculos presumidas, e, normalmente, maiores que as praticadas no mercado.

Os Tribunais de segunda instância tinham decisões nos dois sentidos, a favor e contra a tese da devolução do valor pago a mais, que foi consagrada ontem pelo Plenário da Suprema Corte.

A partir de agora, na nossa avaliação o julgamento do STF restabelece a normalidade constitucional.

O artigo 150, parágrafo 7o, da Constituição deu aos Estados uma poderosa ferramenta de arrecadação. É inegável a sua eficiência no quesito extirpar a sonegação nos setores em que ela foi aplicada como regra (bebidas, tintas, veículos, sorvetes, cigarro e muitos outros segmentos). Mas ela era extremamente maléfica ao contribuinte, especialmente em relação àqueles que estavam 100% na formalidade, desde de décadas atrás. E isso porque o critério adotado pelos Estados – alguns até contrariando leis estaduais próprias, como no caso de São Paulo – era de que a base de cálculo final presumida pela substituição tributária era definitiva.

Exemplificando: segundo os Estados, se uma mercadoria estava no regime de substituição tributária para frente, e se presumia o seu valor final ao consumidor no montante de R$ 100 não importava que a venda se desse por R$ 95. Os fiscos estaduais não aceitavam o acerto da obrigação tributária, negando ao contribuinte o direito de reaver os valores que pagou a mais pela diferença (do nosso exemplo) de R$ 5,00.

E, nesse ponto, a conduta dos estados violava claramente o disposto no artigo 150, parágrafo 7o, da CF, que, desde sempre, garantiu aos contribuintes “a imediata e preferencial restituição, da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”. Os estados batiam na tese de que fato gerador presumido não realizado era somente nos casos em que a venda não acontecia, o produto se deteriorava, etc. Não se aceitava que a diferença de valores entre o que se presumiu e o que se realizou pudesse ser considerado “fato gerador presumido não realizado”.

O STF pôs um fim nessa discussão por sete votos a três. Ao todo, mais de uma dezena de estados participaram da lide na condição de amicus curiae. Originariamente, o caso envolvia somente Minas Gerais. Ou seja, não se pode dizer que os argumentos de defesa das demais Unidades da Federação interessadas não foram ouvidos.

O processo tramitou por anos no STF e esse tempo causou enorme prejuízo aos contribuintes, com enriquecimento ilícito e inconstitucional dos fiscos estaduais.

Mas, como sempre, nem tudo são flores. O STF modulou os efeitos da decisão, para permitir que os estados se adequem administrativamente. Em outras palavras, apesar de reconhecer a inconstitucionalidade da não devolução dos valores, o STF estabeleceu que: a) a decisão do Plenário só atinge casos futuros; b) só vale para aqueles contribuintes que já tinha ações ajuizadas e pendentes de julgamento. Ou seja, quem ficou parado esperando o desfecho do leading case do STF perdeu a oportunidade de se ressarcir do que pagou a mais. É uma forma de aplicar o brocardo jurídico que estabelece que “o Direito não socorre os que dormem”. E, ao mesmo tempo, de não criar um passivo gigantesco para os estados que já estão com suas economias e finanças combalidas Brasil afora.

Ao menos avançamos.

O STF reconheceu a importância da substituição tributária, mas definiu um marco claro para a tributação dos Estados: a base de cálculo constitucional do ICMS será sempre o valor real da operação. Ainda que seja possível estima-lo em valor maior que o real para fins de arrecadação imediata e diminuição das possibilidades de sonegação fiscal, os contribuintes devem, sempre, ter o direito de fazer o acerto de suas obrigações tributárias depois que a venda presumida se realizar, observando-se, sem exceção, o preço pelo qual, efetivamente, a mercadoria foi vendida.

O que esperamos, agora, é que os estados se adaptem imediatamente, criando mecanismos para que os contribuintes substituídos possam se recuperar de forma “imediata e preferencial”, especialmente com o estabelecimento de mecanismos de compensação junto aos próprios substitutos tributários, de forma dar efetividade ao estabelecido no parágrafo 7o, do artigo 150, da Carta Magna.

Em tempos de SPED, Nota Fiscal Eletrônica, Sintegra, as dificuldades do passado para se descobrir o valor real da operação estão todas jogadas por terra, de modo que não há motivo algum para se dificultar o direito do contribuinte do ICMS de ter acesso às necessárias e devidas restituições daquilo que pagar a mais em função das regras da substituição tributária.

Lutemos por isso. Começa agora o segundo round.

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