Justiça no divã

Sobrecarga e protaganismo do Judiciário são debatidos na Aasp

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26 de outubro de 2016, 11h41

O constitucionalista Eduardo Mendonça credita a sobrecarga processual enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal ao desrespeito aos precedentes da própria corte pelos tribunais e instâncias inferiores. O diagnóstico foi feito em evento da Associação dos Advogados de São Paulo, na última segunda-feira (24/10), na capital paulista.

“Arrisco que 90% do que o Supremo faz não é decisão de coisa nova ou complexa, é repetição de sua própria jurisprudência. Acho que nossa crise de quantidade tem a ver com a falta de uma cultura de precedentes que funcione” — Mendonça reconheceu que a fixação de teses pelo STF tem se mostrado uma saída para o problema. “A falta de observação de precedentes induz o advogado a recorrer sempre. Porque ele não confia que a jurisprudência é estável.”

Ministro aposentado do Supremo, o hoje advogado Ayres Britto discorda. Ele ponderou que, em alguns casos, a jurisprudência pode estar ultrapassada. “Em princípio, a observância dos precedentes serve à previsibilidade dos julgamentos e ao princípio da segurança jurídica. Mas não podemos exagerar no culto aos precedentes, pois os precedentes são um olhar para trás e a vida é um olhar para frente”.

Protagonismo e crise
Os debates também giraram em torno do momento de crise e sua relação com o Poder Judiciário. Se os profissionais do direito concordam que a Justiça tornou-se protagonista na vida do país, não há consenso sobre os efeitos que essa situação pode trazer para a socidade.

No diagnóstico do ministro Fracisco Rezek, aposentado do Supremo Tribunal Federal, o desaguar dos problemas no Judiciário é inevitável e respaldado pela ordem constitucional brasileira, que “dá à Justiça prerrogativas que nenhum país do outro mundo conhece. Isso vai subsistir por muito tempo e não dá para dizer com segurança que seja uma coisa ruim”.

Entretanto, pouca coisa deve mudar a partir de sua avaliação. “O Legislativo não tem podido encontrar tempo e energia para cuidar da sua tarefa principal, que é legislar, e com propriedade. As prioridades da classe política neste momento são inteiramente outras, a começar pela sobrevivência, pela salvação da própria pele”, disse.

Para Eduardo Mendonça, o protagonismo excessivo pode, no futuro, desgastar a imagem do Supremo. Ele detalhou que o fato de a corte ter que analisar temas complexos, às vezes com pouca informação ou tendo que lidar com demandas não atendidas de outros poderes, pode corroer o tribunal politicamente — isso porque a sociedade começa a esperar que ele resolva os problemas.

Mendonça também criticou o que chamou de “cultura de independência judicial” e solução é uma mudança cultural. “Independência judicial é o juiz poder pensar o que ele quiser e não poder decidir tudo novamente para fazer a Justiça da cabeça dele. E jurisdição é um serviço público e tem que ser organizado. Quando uma parte chega no Judiciário e tem uma resposta e, outra, com o mesmo problema, tem outra resposta, não é Justiça.”

Presidente da Aasp, o criminalista Leonardo Sica identifica uma “crise de legalidade” causada pelo protagonismo do Judiciário em conjunto com uma ação política com o propósito de minar o Direito de Defesa. Ele vê a criação de um “novo Leviatã”, por meio de uma “perene cruzada Judiciária” e das 10 medidas encampadas pelo Ministério Público Federal. Em sua opinião,

Sica destacou ainda que o Judiciário deve ser comedido em suas ações, sob pena de ferir o Estado Democrático de Direito. Exemplo disso, explicou, são os problemas enfrentados pela Justiça atualmente, como o aumento da população carcerária, por causa da política de combate às drogas assumida no passado.

O ministro Teori Zavascki, do STF, reconhece a crise de legalidade, mas culpa a inversão de valores pela situação. “Às vezes, as pessoas que obedecem as leis são taxadas pejorativamente”, opinou.

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