Juiz natural

Prerrogativa de foro não é privilégio, diz Toffoli ao julgar Demóstenes

Autor

26 de outubro de 2016, 15h45

Nesta terça-feira (25/10), a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal anulou as provas contra o ex-senador Demóstenes Torres, que foi cassado em 2012 após ser grampeado em investigações contra o bicheiro Carlos Cachoeira. Para o colegiado do STF, o juízo de primeiro grau usurpou competência do Supremo ao liberar interceptações telefônicas contra o ex-senador.

Em seu voto, o relator ministro Dias Toffoli ressaltou a importância do respeito ao juiz natural e afirmou ser equivocada a ideia de que a prerrogativa de foro é um privilégio e que os seus detentores são beneficiados pelo foro com a demora no julgamento, com a consequente impunidade.

O ministro lembrou que a Emenda Constitucional 35 alterou a imunidade formal, acabando com a necessidade da licença prévia da Casa Legislativa para investigar parlamentares. Desde então, basta a comunicação do recebimento da denúncia pelo Supremo.

"Esse controle deixou de ser prévio e passou a ser posterior. Após essa reforma constitucional, os inquéritos passaram a tramitar regularmente e as ações penais começaram a ser julgadas, resultando na condenação de vários parlamentares", afirma o ministro. Segundo ele, desde 1988, tramitaram no Supremo 628 ações penais, sendo que 622 foram autuadas após a Emenda Constitucional 35.

"O papel do Supremo Tribunal Federal como Corte Criminal relaciona-se intrinsecamente com o princípio constitucional do juiz natural, segundo o qual ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (CF, artigo 5º, inciso LIII)", registrou o ministro em seu voto.

Usurpação de competência
Demóstenes foi alvo de escutas nas operações vegas e monte carlo, iniciadas em 2008. No entanto, o STF só foi informado um ano depois. No Superior Tribunal de Justiça, prevaleceu o entendimento de que a demora foi justificada, pois os investigadores não teriam certeza que o senador participava das atividades criminosas.

Porém, o ministro Dias Toffoli concluiu que houve a usurpação de competência. "É inegável que as interceptações telefônicas levadas a cabo, tanto na operação vegas, quanto na operação monte carlo, revelaram que seu conteúdo passou por análise que indiscutivelmente não competia a juízo de primeiro grau mas ao Supremo Tribunal Federal", registrou o ministro.

Em seu entendimento, mesmo após a análise do farto material com mais de 1,2 mil páginas, o juiz de primeiro grau, com a anuência do Ministério Público, persistiram com atos de investigação com o objetivo de aprofundá-las e conseguir mais provas contra o senador sem a devida autorização do Supremo.

"Embora as autoridades envolvidas na operação monte carlo neguem que se tratasse de uma investigação direta em desfavor do então senador da República Demóstenes Torres, os documentos constantes dos autos demonstraram exatamente o contrário, já que, desde seu início, em 2011, já havia indícios relevantes de envolvimento do recorrente [Demóstenes] com os fatos apurados", afirmou Toffoli.

Assim, o ministro concluiu que a remessa do processo para o Supremo Tribunal Federal não ocorreu no momento oportuno, causando a nulidade das provas obtidas contra o senador por violação do princípio do juiz natural.

Atração do foro privilegiado
Em seu voto, Toffoli esclareceu ainda que no caso houve uma investigação por via oblíqua, e não o encontro fortuito de provas, que é admitido pelo Supremo Tribunal Federal.

Além disso, o ministro explicou que a simples menção ao nome de autoridades detentoras de prerrogativa de foro, seja em depoimentos prestados por testemunhas ou investigados, seja na captação de diálogos em grampos autorizados pela Justiça, assim como a existência de informações dispersas a seu respeito, são insuficientes para o deslocamento da competência para o juízo hierarquicamente superior.

"Para que haja a atração da causa para o foro competente, é imprescindível a constatação da existência de indícios da participação ativa e concreta do titular da prerrogativa em ilícitos penais", complementou.

No entanto, segundo o ministro, o caso de senador não se trata de simples menção ao nome de Demóstenes,  nem de encontro fortuito de provas. "Assim, à luz de tais fatos, reconheço a plausibilidade jurídica da tese de nulidade das provas originadas das mencionadas interceptações telefônicas, sob o fundamento de usurpação da competência penal do Supremo Tribunal Federal, tal como reconhecida na Constituição".

Clique aqui para ler o voto do ministro Dias Toffoli.
RHC 135.683 

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!