Economia e Direito

Ronald Coase examina efeitos de decisões judiciais na esfera da economia

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26 de outubro de 2016, 17h01

O economista anglo-americano Ronald Coase, nascido em 1910 e morto em 2013, criou um famoso teorema conhecido no mundo da economia e que recebe o seu nome. Segundo o teorema, se os direitos de propriedade estiverem bem definidos pelo Estado e não houver custos para transação, as partes (ou agentes) poderão chegar a um acordo sem a intervenção do Estado.

No entanto, na opinião do ministro Antonio Carlos Ferreira, do Superior Tribunal de Justiça, não se pode identificar nele e em sua obra o caricato papel de um “porta-estandarte” do neoliberalismo, de defensor da crença cega na autorregulação dos mercados e da onisciência do capital.

Ferreira discursou, nesta terça-feira (25/10) no lançamento do livro livro A Firma, o Mercado e o Direito (à venda por R$ 80 na Livraria ConJur), na sede do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília. Participaram também do evento o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal; os ministros do STJ Luis Felipe Salomão, Moura Ribeiro, Marco Aurélio Bellizze, Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Assusete Magalhães, Laurita Vaz e Nancy Andrighi; e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Além de outras personalidades do mundo do Direito.

Para Ferreira, que é coautor do estudo introdutório da obra, que reúne trabalhos do economista, Coase é antes de tudo um estudioso que aponta as fragilidades de uma orientação autocentrada e autárquica de agentes reguladores e do próprio Judiciário quando interferem em questões que podem provocar impactos econômicos. Mas “não como um arauto da desregulamentação ou de que os juízes devam decidir tendo em vista exclusivamente os efeitos econômicos das suas sentenças e acórdão", explica.

O Direito, na visão de Coase, não deve interferir de modo desproporcional na economia, pois leis ou decisões judiciais podem até ser, em tese, adequadas do ponto de vista jurídico, mas se revelarem, na prática, completamente desastrosas para o sistema econômico, afirma o ministro do STJ.

Divulgação
Obra de Coase já está à venda
na Livraria ConJur.

Segundo Ferreira, a obra de Coase, que reforça o estudo entre a Economia e o Direito, tenta mostrar que o Judiciário não deve interferir de modo desproporcional na economia. Além disso, o autor, nas palavras do ministro, aponta a importância da segurança e a estabilidade das relações jurídicas para a produção e a circulação de bens e serviços.

De acordo com Ferreira, apesar de muitas das ideias de Coase refletirem o enquadramento histórico do século XX, ele soube se adaptar ao mundo que surgiu no últimos 20 anos antes da sua morte, dedicando-se ao estudo da transformação da China como potência econômica mundial. “Seu diálogo com estudiosos chineses tornou-se profundo e frequente a ponto de Coase ser hoje o economista mais famoso na República Popular da China depois de Karl Marx”, disse.  

A Firma, o Mercado e o Direito é a primeira obra de fôlego de Coase, laureado com o prêmio de Ciências Econômicas em memória de Alfred Nobel, em 1991, publicada no Brasil com textos traduzidos para o português. E faz parte da coleção Paulo Bonavides, dirigida pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, e do professor de Direito Otavio Luiz Rodrigues Júnior, da Universidade de São Paulo.

Na opinião do ministro Toffoli, Coase mostrou em seus trabalhos como a economia deve ser compreendida e apreendida pelo mundo do Direito. Definiu o britânico como “homem singular”, que viveu a Grande Depressão, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria, a queda do muro de Berlim e o nascimento da China como grande potência mundial.  “Até os últimos dias sua lucidez e capacidade de se apaixonar pelo que fazia foram notáveis. Tantas experiências pessoais aproximaram o economista de uma realidade distante da frieza dos gabinetes acadêmicos ou governamentais", afirma Toffoli.

Segundo o ministro do STF, Coase conheceu pessoalmente a “incompetência enervante” da burocracia quando serviu no gabinete de guerra britânico durante a Segunda Guerra Mundial. Conta que na ocasião ele fez um estudo com o qual comprovou que havia armas onde elas não deveriam estar porque não eram necessárias, ao mesmo tempo em que elas não estavam disponíveis nos lugares de batalhas, onde se faziam imprescindíveis. Coase descobriu que a munição era enviada em excesso para locais sem combate e não era despachado para setores mais violentos do front. O estudo, conta Toffoli, foi ignorado e pediram que ele não mais apontasse esses problemas, gerando constrangimento no alto comando militar britânico.

Exemplificando essa sensibilidade, lembrou que certa vez o economista afirmou que a economia, ao longo dos anos, havia se tornado abstrata e divorciada de eventos do mundo real. “Os economistas, de modo geral, não estudam o funcionamento do sistema econômico atual. Os economistas teorizam sobre ele”, disse Coase, segundo o ministro. Para Toffoli, Coase tinha uma capacidade de autocrítica que revelava em todos os seus textos, humanizando e aproxima sua obra de leitores não versados na complexidade da economia. 

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*Texto alterado às 19h43 do dia 26 de outubro de 2016 para acréscimos.

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