Boi na linha

Para advogados, cidadão que procura grampos e escutas não comete crime

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24 de outubro de 2016, 19h26

A prisão de policiais legislativos que fizeram varreduras em gabinetes e escritórios pessoais de senadores, para procurar escutas, tem gerado controvérsia sobre os poderes do cidadão e seu direito de não produzir provas contra si mesmo.

Na sexta-feira (21/10), quatro policiais do Senado foram presos de forma temporária sob suspeita de atrapalhar as investigações da operação “lava jato”. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal em Brasília, considerou “gravíssimos” os atos dos servidores “coincidentemente no período em que a imprensa teria noticiado que os parlamentares estariam sendo investigados pela Polícia Federal”.

O ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, declarou publicamente que a atuação dos policiais legislativos foi uma tentativa de obstruir a Justiça e barrar investigações da “lava jato”. Já o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), considera a prisão dos policiais uma interferência externa no Legislativo.

Advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico e consultados em tese consideram que não é ilícito, por si só, o ato de procurar grampos e escutas.

“Como o cidadão vai saber se o grampo ambiental é autorizado por ordem judicial, se a decisão é sigilosa? Evidente que a presunção milita em favor do cidadão. Ao fazer uma varredura, ele está protegendo sua intimidade. Não pode ser apenado por isso, da mesma forma que não pode ser punido por se recusar a produzir provas contra si”, avalia o advogado Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP.

O advogado Marcelo Feller também entende que, caso o investigado descubra algum aparato, pode agir para neutralizá-lo. “Escutas físicas — instaladas na caixa de telefone — ou ambientais — em que é necessário o acesso físico ao local — podem ser retiradas pelo investigado. Até porque o investigado, ao achá-las, sequer saberia diferenciar as legais das ilegais.”

Feller tem visão diferente no caso das escutas. Como os grampos são executados, na prática, via companhia telefônica, a varredura que descobrir determinada interceptação será necessariamente ilegal, de acordo com o advogado.

Para o criminalista Alberto Zacharias Toron, qualquer varredura para certificar monitoramentos “não é ilegal em hipótese alguma”. No caso de escuta ambiental, ele orienta que, se o cidadão encontrar algum aparato em sua casa ou no local de trabalho, deve comunicar o fato à polícia, sem mexer no equipamento.

Prerrogativas do Senado
Sobre a operação que autorizou a prisão de policiais legislativos, o juiz federal em São Paulo Ali Mazloum disse em entrevista ao jornalista Claudio Tognolli que, por envolver a residência ou o gabinete de senadores, que têm prerrogativa de foro, a ação deveria ter sido autorizada pelo Supremo Tribunal Federal.

O jurista Lenio Streck, colunista da ConJur, entende que varreduras de gabinetes estão entre as atribuições da Polícia Legislativa do Senado, como forma de proteger a atividade parlamentar.

“No Supremo Tribunal Federal, os gabinetes passam por varreduras. Por certo, o gabinete do procurador-geral da República deve sofrer varreduras cotidianas. E de qualquer procurador-geral de Justiça e assim por diante. Parece-me que vasculhar em busca de grampos ilegais é uma das tarefas, pois. Já não acharam no gabinete do [ministro Luís Roberto] Barroso?”, questiona Streck.

Em maio deste ano, a secretaria de segurança do STF descobriu uma escuta ambiental desativada dentro de uma caixa, instalada debaixo da mesa de Barroso. Meses depois, a corte publicou resolução regulamentando grampos de ramais internos.

Renan Calheiros também ressalta que "fazer varredura para detectar grampos ilegais é uma rotina" na Casa. "Esta atividade, além de regulamentada no Senado Federal, é uma atuação rotineira", disse, completando que até a Polícia Federal já requisitou os equipamentos do Senado, em 2005.

Nesta segunda-feira (24/10), o presidente do Senado afirmou que a Casa ingressará com uma ação no Supremo Tribunal Federal para "fixar as competências dos poderes".

"Juizeco"
Também nesta segunda, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) repudiou as declarações de Renan, que chamou de "juizeco" o juiz Vallisney de Souza Oliveira, por ele autorizar a prisão dos policiais legislativos.

"Tal operação não envolveu qualquer ato que recaísse sobre autoridade com foro privilegiado, em que pese o presidente do Senado Federal seja um dos investigados da operação 'lava jato', senão sobre agentes da polícia legislativa de tal casa, que não gozam dessa prerrogativa, cabendo, assim, a decisão ao juiz de 1ª instância", afirmou a entidade em nota.

Em nota de repúdio, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirmou que Calheiros, ao desqualificar o juiz de primeiro grau, desqualificou também toda a magistratura.

"A garantia do trabalho de juízes dentro de suas esferas de competência, como ocorreu no caso, é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, e qualquer obstrução a investigações de órgãos do Poder Judiciário constitui crime e representa um atentado às instituições democráticas", disse a entidade na nota, assinada pelo presidente João Ricardo Costa. 

A entidade afirmou, ainda, que o foro privilegiado não pode servir como escudo "a qualquer tipo de ataque ao Estado Democrático de Direito e às instituições que lhe dão sustentação".

Clique aqui para ler a ordem de prisão.
*Publicada pelo colunista Fausto Macedo (O Estado de S. Paulo).

*Texto alterado pela última vez às 23h43 do dia 24/10/2016 para acréscimo de informações.

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