Dia 28 de setembro de 2016, foi editado o Decreto 8.863 para a criação de um ombudsman de investimentos diretos (OID), albergado na estrutura da Camex e com a finalidade de dar cumprimento aos acordos de cooperação e facilitação de investimentos (ACFIs) que venham a vigorar no Brasil. Deu-se, nesse caso, continuidade a um instrumento de política externa gestado e iniciado no governo da presidenta Dilma ao qual, hoje, resta dado inequívoca continuidade.
Esses acordos vêm sendo firmados desde março do ano passado e têm por objetivo proporcionar melhores condições para investidores brasileiros no exterior e para os estrangeiros no Brasil. Foram celebrados com Angola, Chile, Colômbia, México, Moçambique e Malauí. Ainda não entraram em vigor, mas há pareceres favoráveis no Congresso brasileiro para a aprovação dos decretos legislativos que eventualmente autorizarão sua ratificação e promulgação.
Já receberam muitos elogios e críticas não menos numerosas. De um lado se afirma a necessidade de favorecer os investidores brasileiros no exterior, os quais, dada a formalização do apoio estatal e os compromissos do país receptor, gozariam de um ambiente mais confortável para fazer e levar adiante investimentos. No sentido contrário, muitos se ressentem da falta de regras e instituições capazes de dar proteção internacional efetiva.
Há, decerto, virtudes e fragilidades; mas não é aqui o local para aprofundar sua discussão. O que importa é compreender melhor a missão dos ombudsmen, o que se pretende mediante a análise dos impulsos que levaram à escolha desse modelo de órgão e suas funções.
O principal impulso para sua adoção veio da corrente de críticas à arbitragem internacional de investimentos. Trata-se de meio de solução de controvérsias entre investidores estrangeiros e o Estado hospedeiro levado a cabo por tribunais arbitrais independentes e não, como se dá na imensa maioria dos casos, por cortes internas. Tal arbitragem é consagrada em milhares de tratados bilaterais e multilaterais de proteção recíproca de investimentos, mas jamais foi aceita pelo Brasil. Embora seja comum alegar razões jurídicas para tal rechaço, trata-se, concretamente, de uma escolha política cuja conveniência já não resulta ser tão clara quanto seria nas décadas de 70 ou 90 do século passado.
Bem, essas razões de política externa e o atávico apego à encarquilhada doutrina Calvo são, em conjunto com as regras a respeito de expropriações e os padrões de proteção de investidores e investimentos, os responsáveis por manter nosso país a distância dos mais de dez acordos bilaterais de investimentos firmados na década de noventa, do Protocolo de Colônia ao Mercosul e da Área de Livre Comércio das Américas (Alca).
Sentiu-se, sobretudo na medida da necessidade premente dos investidores no exterior que passaram a viver na dura realidade de um ambiente institucional incerto e hostil, ser conveniente estabelecer acordos de investimento; não faltaram pressões internas para tanto. Iniciou-se, então, a busca de parâmetros capazes de diferenciar os instrumentos brasileiros daqueles tão criticados e se chegou a um esquema bastante lábil, denominado ACFI.
Uma de suas principais características é a marcante ausência de dentição. Arrancada a arbitragem pelos boticões de seus formuladores, restou a mera possibilidade de recorrer às instituições jurisdicionais do país hospedeiro e, para não deixar as gengivas à mostra, uma prótese de funções estéticas, moldada em outras gengivas: o ombudsman.
Sua inspiração é um mecanismo de apoio e auxílio a investidores estrangeiros na Coreia. É um bom sistema, estruturado para dar amplo apoio àqueles que instalam atividades econômicas no país, provendo informação clara e estruturada a respeito de condições econômicas e jurídicas e, quando se dá o caso, dialogando com as instâncias administrativas estatais para a solução de problemas que os empresários possam estar experimentando.
Embora possa eventualmente dar apoio a investimentos de grande monta, é instrumento desenhado para questões e controvérsias de menor envergadura. Não é, de modo algum, um substituto para a arbitragem internacional de investimentos, a qual, aliás, a própria Coreia aceita em seus acordos internacionais.
Além disso, o ombudsman coreano é aberto a qualquer investidor estrangeiro, de qualquer nacionalidade, e segue os parâmetros internamente estabelecidos para ajudar no encorajamento para entrar e na facilidade de lidar com as peculiaridades e estruturas internas. Seria, sem dúvida, excelente ter algo similar funcionando a pleno vapor no Brasil, com ampla distribuição regional de acesso e divulgação. Não há qualquer motivo para limitar tais benefícios a investidores de partes dos ACFIs! A implementação unilateral, como, aí sim, revela o bom exemplo oriental, é passível de ajudar na atração e, sobretudo, no bom funcionamento dos investimentos estrangeiros no Brasil.
O Decreto 8.863 limita a atividade do ombudsman brasileiro à cobertura subjetiva estabelecida nos ACFIs, ou seja, apenas investidores angolanos, chilenos, colombianos, mexicanos, malauis e moçambicanos, quando e se tais acordos entrarem em vigor, terão acesso ao órgão. Qual seria a razão de não estender aos demais investidores, dando maior produtividade ao capital e trabalho investidos?
Por outro lado, as pressões que originaram os projetos e firmas de ACFIs não são efetivamente satisfeitas. Por exemplo, os empresários portugueses em Angola, se necessário, terão acesso a arbitragem internacional de investimentos. O brasileiro, quando o ACFI vigorar, a algum órgão internamente estruturado: o ombudsman angolano. Ora, se a fragilidade institucional do país hospedeiro é razão de preocupação, deixar o investidor a plena mercê das suas estruturas externas não é exatamente o que se possa chamar de proteção.
É aí que surge uma função específica do ombudsman como parte da estrutura orgânica dos ACFIs: eles recebem questionamentos e demandas dos investidores nacionais no país para as levar, sendo o caso, ao comitê conjunto, onde pode negociar com as autoridades do país receptor do investimento. Tal elemento está ausente da experiência coreana e, decerto, será lançado ao teste da realidade, tantas vezes impiedosa com a criatividade idealista. Acreditamos em sua baixa eficiência, pois eivada desde a origem dos tantos vícios e vicissitudes da proteção diplomática: necessidade de convencer os funcionários nacionais a aplicarem seu melhor empenho, constante desalinhamento dos interesses do investidor com seu Estado de origem, arrefecimento do pedido em face de questões políticas e ausência de alavancagem jurídica significativa.
Em nossa opinião, portanto, a criação de um ombudsman para os investidores estrangeiros pode ser de grande valia, mas estando tal órgão concentrado na atração e auxílio a todos os investidores estrangeiros no Brasil. Se não for assim, resta pouco campo para sua ação, potencialmente benfazeja. Fracassar não fracassará, espera-se, mas gerará muito menos benefício do que seria possível com poucas alterações, particularmente a ênfase na capacidade de apoio e intermediação de demandas para a universalidade dos investidores estrangeiros, mesmo antes da concretização dos investimentos.
No campo da proteção internacional dos investidores estrangeiros, algo de que as empresas brasileiras precisam para se fixar nas promissoras economias africanas, asiáticas e latino-americanas, a arbitragem internacional — talvez remodelada em um ou outro aspecto — se mostra ainda insubstituível.