Opinião

Seria papel do governo federal assumir o combate ao crime organizado?

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22 de outubro de 2016, 11h47

*Texto originalmente publicado na edição deste sábado (22/10) do jornal Folha de S.Paulo.

Periodicamente, as cadeias explodem. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que gerencia 166 unidades prisionais, definiu a rebelião no complexo psiquiátrico de Franco da Rocha, na região metropolitana, como uma "questão pontual": inconformismo com a transferência de líderes. Seu objetivo era diferenciar o episódio das rebeliões de domingo em Rondônia e Roraima, com 18 mortos, atribuídas à disputa entre PCC (paulista) e Comando Vermelho (carioca).

Quinta-feira, a tensão prisional atingiu o Acre, com tiroteio e pelo menos três mortos. Em Rio Branco, no último mês, conforme levantamento do G1, ocorreram 21 homicídios ligados a disputas de facções criminosas. Em setembro, mais um motim no famigerado presídio de Pedrinhas, no Maranhão. Em Jardinópolis, interior de São Paulo, 470 detentos em regime semiaberto fugiram correndo depois do conflito, a grande maioria recapturada nos canaviais das redondezas e encaminhada para o regime fechado: 1.080 vagas ocupadas por 1.861 homens.

Em matéria de prisões e segurança pública, para onde se olha, a situação é crítica. A sequência de acontecimentos mostra que o Brasil está na contramão da civilidade. O que fazer? A política de aprisionamento deve ser revertida. Os números são do Ministério da Justiça (dezembro de 2014). São mais de 622 mil detentos e um déficit de aproximadamente 250 mil vagas. No ano 2000 eram 232 mil presos. São Paulo já tem 220 mil. O país não pode se dar ao luxo de misturar quem ainda não representa perigo fora das prisões com integrantes de organizações criminosas, senhores da "paz" e da guerra no interior dos presídios. A diminuição de presos reduz os custos, facilita o controle e a vigilância.

É um longo e difícil percurso. Requer vontade política, envolve os três Poderes, os Estados e mais de um mandato governamental. Quanto mais demora, mais a crise irá se acentuar. Se a gestão da vida entre muros é atribuição dos governadores, que deveriam ser responsabilizados pela falta de tratamento humanitário, o fato é que as facções criminosas se alastram pelo país. Adquiriram caráter nacional, assegurando rotas interestaduais e ampliando sua capacidade financeira. Não seria papel do governo federal assumir funções de liderança e coordenação? A PF deve se limitar ao combate da corrupção, muito importante, ou deveria cuidar também da repressão a uma modalidade de crime organizado que atinge diretamente a população e faz do homicídio uma cena tão corriqueira? O seu aparato bélico é mesmo necessário para conduzir políticos presos ou poderia se voltar para outras funções estratégicas? E o seu reconhecido know-how em matéria de inteligência não poderia também olhar para o tráfico de armas?

Neste século, o Brasil multiplicou o número de presos, construiu incontáveis presídios, reformou outros tantos (para obter mais "espaço" de alojamento ou para recuperar o que as rebeliões destroem), e viu, além da ação das milícias e do acirramento da letalidade policial, organizações criminosas expandindo sua base de influência. Já se fala em financiamento de campanhas eleitorais. Se o Haiti não é aqui, a história de países como México e Colômbia recomenda bastante atenção.

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