Opinião

Advogado criminal não é advogado criminoso

Autor

  • Délio Lins e Silva Júnior

    é advogado criminalista professor Universitário e ex-conselheiro da OAB-DF. Especialista em Direito Penal Econômico mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Criminais todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

20 de outubro de 2016, 16h25

O que motivou a elaboração destes pequenos escritos foi ter visto nesta quarta-feira (19/10), em inúmeros veículos de imprensa, os advogados do senhor Eduardo Cunha, Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Veloso, serem não apenas hostilizados, mas servirem como verdadeiros alvos de tentativas de agressão física por parte de pessoas que se encontravam em frente à sede da Polícia Federal na cidade de Curitiba.

Em várias das imagens divulgadas eram ouvidas pessoas dirigindo aos advogados ofensas e acusações como “bandido”, “vagabundo”, “seus honorários são pagos com propina” etc, alguns em êxtase, com risadas ao final, como se aquela triste cena fosse realmente engraçada ou os profissionais que defendiam a — há tempos cantada — bola da vez da tal operação "lava jato” fossem bandidos.

Aqueles que ali se encontravam aos gritos certamente depositam suas esperanças de verem o país livre da corrupção na “pena pesada” do famoso juiz Sergio Moro, mais nova encarnação do Salvador da Pátria, bem como na equipe de policiais e membros do Ministério Público Federal responsáveis pelas investigações.

O presente texto, obviamente, não adentrará ao mérito das inúmeras investigações e processos que surgiram da tal operação "lava jato” ou muito menos avaliará se as decisões prolatadas em Curitiba são ou não procedentes, se tudo está correndo ou não dentro dos limites legais, se os desdobramentos possuem ou não alguma conotação política, se seus resultados são ou não positivos, enfim, se Eduardo Cunha merece ou não a prisão.

O que se pretende aqui é tão somente refletir sobre o porquê dos advogados terem sido alvo de tão selvagem e agressiva ofensiva. E aí começo por lembrar dos questionamentos diários que recebemos das mais variadas pessoas. Fiquemos com um, feito outro dia por um aluno, para exemplificar: “professor, por que o senhor fica tão feliz quando solta um bandido? O senhor não acha que faz um mal para a sociedade?”

O aluno formulou a pergunta e saiu em seguida sem a resposta. Imediatamente vieram à mente fatos ocorridos em passado recente, envolvendo advogados agredidos em salas de audiência, em delegacias de polícia e na saída de julgamentos midiáticos (quem não se lembra do colega Roberto Podval sendo atacado quando saía do julgamento em que defendeu os conhecidos irmãos Nardoni?).

Alguns dos últimos casos que atuamos no escritório também foram lembrados naqueles segundos que se seguiram ao questionamento feito pelo aluno, os quais mostram a “raiva” com que a advocacia vem sendo tratada pelos acusadores, sempre ávidos no sentido de obter a punição do “criminoso”, muitas vezes de forma antecipada e sem que haja sequer sentença condenatória.

Quando este advogado estava se lembrando do grande Rui Barbosa o aluno retornou, já puxou outro assunto, mas foi imediatamente retrucado e obrigado a ouvir, junto com os demais colegas, a resposta ao questionamento que havia feito minutos antes. E a resposta foi seca: “Fico muito feliz em 'soltar bandido', porque se ele foi solto eu ajudei a fazer justiça, e isso não pode ser de forma alguma considerado um mal à sociedade, mas, pelo contrário, um grande bem.”

A conversa fluiu e como o pensamento interrompido no retorno do aluno à sala era a de Rui Barbosa, lembramos ali que o advogado criminalista é aquele que senta ao lado do réu no último degrau da escada, que estará ali, com ele, ombreando até o último suspiro de liberdade ou esperança, que aguenta as mazelas de seu cliente quando tudo e todos parecem estar contra ele.

E o diálogo continuou, tendo sido mostrado aos alunos que contra os abusos estatais nós, advogados criminalistas, estamos acostumados a lidar todos os dias. “Brigar” com juízes e promotores em audiências faz parte do nosso cotidiano, mas o que preocupa é que nós estamos nos tornando inimigos públicos, da sociedade, como se criminosos fôssemos.

A preocupação não é por medo, mas por perceber claramente que vivemos “tempos estranhos”, para usar a feliz expressão cunhada recentemente pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal.

Hoje, com todos os avanços tecnológicos que temos ao nosso alcance, com a velocidade de comunicação e informação que está disponível para todas as camadas sociais, enfim, quando a sociedade supostamente deveria ter atingido um grau de civilidade e respeito ao próximo avançado, o que vemos é exatamente o contrário.

Intolerância em crescimento galopante, desrespeito cada vez mais acentuado entre as pessoas, brigas e agressões gratuitas constantes. Não se vê mais gentileza e educação básica nas ruas.

É evidente que a situação caótica em que se encontra o país colabora para isso. A falta de serviços básicos piora cada dia mais, enquanto a corrupção, ao mesmo tempo, parece alcançar níveis estratosféricos, o que dá a todos a falsa ideia de que a justiça deve ser feita a todo custo, que o bonito é bandido morto, que ladrão tem que ser mostrado amarrado em praça pública, etc.

E com essa errônea sensação se passa por cima de preceitos constitucionais básicos. Aos bandidos, a morte, aos mocinhos, os louros. Todos são coxinhas ou golpistas, figuras modernas que colocam de um lado os bons e de outros os maus, como se meio termo não pudesse existir ou fosse algo inatingível.

A criminalização da advocacia nada mais é do que reflexo dessa sociedade desvirtuada. Infelizmente, hoje os mocinhos são os membros do Ministério Público e os bandidos são os advogados que defendem os “bandidos”, por mais que estejam apenas exercendo suas funções constitucionais.

Garantias seculares como o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório, a presunção de inocência e a dignidade da pessoa humana foram deixadas de lado. E se assim o é, aos olhos dos bonzinhos e dos que os seguem, os advogados criminalistas — os maus — só servem mesmo para tumultuar, fazer chicanas, impedir que se chegue à justiça, seja lá o que essa palavra signifique.

Se os bons já decidiram e a imprensa abençoou aquela decisão, para que advogados? Para que investigação? Para que processo? Espantemos os advogados, dizem os bons.

Rogando para que aqueles que hoje criminalizam os criminalistas nunca deles precisem para ver a justiça feita, fica aqui a solidariedade a toda advocacia criminal, especialmente aos amigos Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Veloso. Sigamos como sempre fizemos, em defesa da sociedade. Os alunos daquele dia aprenderam bem essa lição!

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    é advogado criminalista, professor Universitário e ex-conselheiro da OAB-DF. Especialista em Direito Penal Econômico, mestre e doutorando em Ciências Jurídico-Criminais, todos pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

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