Boca na botija

Pressão por resultado favorece corrupção privada, dizem especialistas

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17 de outubro de 2016, 6h28

A corrupção no Brasil, quando discutida, é ligada diretamente ao setor público, mas há também casos de ilegalidades envolvendo apenas atores da área privada. Este ano, no Brasil, dois episódios do tipo foram amplamente noticiados pela imprensa.

Um deles envolvendo o Hospital Albert Einstein, que, segundo a Folha de S.Paulo, demitiu um de seus diretores e denunciou dois de seus médicos por suspeita de favorecimento de fornecedor em troca de “comissão” sobre a venda. O outro envolveu a Vivo e suas contas de publicidade.

Segundo o Valor Econômico, a antiga diretora de marketing da companhia foi demitida depois que uma apuração interna constatou que ela e seu marido, que trabalhava em uma das agências que presta serviços à empresa, participavam de um esquema de escolha de fornecedores em troca de “comissões”.

As causas desse tipo de crime, que não é tipificado no Código Penal, são inúmeras, partindo de metas abusivas impostas pelas empresas, passando pela falta de conhecimento sobre uma conduta criminosa e chegando à má-fé propriamente dita.

Segundo Rafael Multedo, CEO da Tecvidya, empresa especializada em treinamento de boas práticas comerciais, um sistema que premia apenas os profissionais “fora da curva”, por exemplo, favorece a corrupção. “Colaboradores ou equipes que costumam se destacar — e são premiadas por isso — não costumam ser questionadas sobre como alcançaram seus resultados expressivos”, diz o executivo.

Multedo afirma que muitos funcionários se dizem obrigados a praticar atos ilícitos ou antiéticos, alegando que, se não se envolvessem nas irregularidades, estariam prejudicando os colegas, os chefes e toda a companhia.

Um advogado consultado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, que preferiu não se identificar, também critica as pressões empresariais e ressalta que há uma cultura corruptiva dentro de algumas companhias, que praticamente obrigam seus executivos a fazer qualquer coisa para conseguir um contrato.

O profissional afirma ainda que esse modelo de negócios resulta no estouro do lado mais fraco da corda, ou seja, o gestor. “É uma situação muito injusta. Muitas dessas coisas de compliance é hipocrisia. É um meio de responsabilizar somente o executivo.”

Marcelo Gomes, da KPMG, detalha a prática citando o “triângulo da fraude”. Essa “equação”, segundo ele, é composta pela necessidade do funcionário, que varia a cada pessoa; pela oportunidade de cometer o crime, que pode surgir de uma falha de controle interno da companhia, e pela racionalidade, que é o fator mais variável de todos. Há funcionários, conta o auditor, que justificam seus atos irregulares citando a falta de pagamento de horas extras, por exemplo.

Aceitação pela sociedade
O advogado Pedro Serrano vai mais longe e destaca que existem muitas formas de corrupção aceitas. “Pior do que o executivo roubar da empresa é, de alguma forma, o diretor ou a companhia roubarem do público usando mecanismos privados”, afirma.

Serrano dá como exemplo o modelo de financiamento tecnológico militar dos Estados Unidos, onde o Estado paga pela pesquisa e desenvolvimento, mas repassa a tecnologia ao setor privado para a fabricação de armamentos. Outro modelo aceito, conta Serrano, é a manipulação contábil para o aumento dos preços das ações da companhia.

Pedro Serrano afirma que, no período das privatizações, algumas estatais foram compradas com o dinheiro de fundos de pensão públicos, mas administradas por investidores privados, que colocaram infinitamente menos dinheiro que a autarquia estatal. Há também, de acordo com o advogado, os valores irreais pagos aos executivos pelas companhias, principalmente por empresas em situação financeira delicada pagando participação nos lucros aos seus gestores. “O novo milionário não é o dono da empresa. É o CEO.”

Por outro lado, destaca Serrano, há comportamentos que não são ilegais, mas antiéticos, e mesmo assim são aceitos pela sociedade. Ele cita como exemplos os juros estratosféricos cobrados no Brasil por bancos (empréstimos, cartão de crédito e cheque especial) e gestores de grandes empresas que usam dinheiro da companhia para “apostar” nos mercados de capitais e futuro, seja em ações ou spread de câmbio.

Movimento mundial
Multedo conta que ainda não há muitas empresas brasileiras preocupadas com corrupção privada, mas destaca que há um movimento mundial por mais controle dessas práticas que chegará ao Brasil invariavelmente, pois a globalização aumenta a pressão pela adoção de métodos inibidores.

Citando casos de corrupção na Fifa, que atingiu o ex-presidente da entidade, Joseph Blatter, e na CBF, que envolveu os nomes de seu atual mandatário (Marco Polo Del Nero) e de seu antecessor (José Maria Marin), Marcelo Gomes destaca que o mundo todo está caminhando para inibir cada vez mais práticas como essa.

“Estamos bem próximos de todos os países terem uma legislação contra corrupção”, diz o auditor. Ele diz que, em alguns casos, o crime cometido por uma pessoa pode afetar a companhia inteira, gerando acusações de crime contra o sistema financeiro.

Gomes exemplifica essa “migração” comparando a mudança de práticas pelos bancos. Ele afirma que algumas instituições são, até certo ponto, lenientes com clientes que não querem pagar impostos no seu país, mas se tornaram muito preocupados com as fontes do dinheiro a ser depositado.

Segundo o auditor, uma entrevista para aceitação leva duas semanas, enquanto, no passado, não chegava nem à metade desse tempo. Diz também que os continentes americano e europeu têm fiscalização rigorosa sobre isso, enquanto no sudeste da Ásia e no Oriente Médio ainda há liberdade para lavar dinheiro.

Por enquanto, no Brasil, afirma Multedo, a pressão maior sobre as empresas vêm da operação “lava jato”. Desde o início das investigações, segundo ele, a busca por treinamento aumentou. Atualmente, a Tecvidya atende 13 empresas que, juntas têm 9 mil empregados. Desse total, 90% são multinacionais.

No mesmo sentido, Gomes conta que a operação “lava jato” ajudou a conscientizar as empresas brasileiras sobre os riscos de fraudes internas. “Elas não querem aparecer em capa de jornal”, diz.

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