Licença para matar

Suprema Corte dos EUA julga impunidade de agentes de fronteira

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15 de outubro de 2016, 12h15

O que acontece se um patrulheiro de fronteira atira em uma pessoa desarmada que está no país vizinho e a mata ou fere? A resposta é “nada”, se o patrulheiro for americano e a vítima mexicana – a não ser por um processo administrativo.

Uma investigação do departamento de assuntos internos da U.S. Customs and Border Protection, que analisou 67 processos administrativos relativos a “incidentes” do gênero, abertos pela Patrulha de Fronteira dos Estados Unidos para investigar seus próprios agentes, revelou que 64 casos terminaram em absolvição e três estão pendentes. Dois agentes receberam “reprimendas orais”. Ninguém foi processado pelos “incidentes” que deixaram 19 mortos.

A Suprema Corte dos EUA terá a oportunidade de discutir a impunidade costumeira dos patrulheiros de fronteira, quando usam força letal contra pessoas desarmadas, e, especificamente, se um agente da Patrulha de Fronteira do país pode ser processado nos EUA por estrangeiros.

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Morte de adolescente mexicano gerou debate sobre conduta de agentes.
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A corte decidiu julgar uma ação movida pela família do adolescente Sergio Hernandez, que foi morto pelo agente Jesus Mesa, quando brincava com três amigos nas proximidades da cerca que separa as fronteiras, em 2010.

Foi uma brincadeira arriscada, diz o Los Angeles Times. Os adolescentes se desafiaram a subir correndo a rampa de uma galeria de escoamento de água, que ficava ao lado do posto de fronteira, tocar na cerca que separa os dois países, e descer a rampa correndo. Quando o agente Mesa chegou em sua bicicleta, os adolescentes correram. Mesa puxou sua arma e atirou na cabeça de Hernandez, que estava a pouco mais de 18 metros de distância. Mesa estava em território americano e Hernandez em território mexicano.

No dia seguinte, o FBI divulgou uma declaração dizendo que Mesa agiu em legítima defesa, porque os adolescentes atiraram pedras nele. Posteriormente, vídeos feitos por telefone celular mostraram que os adolescentes não atiraram pedra alguma. Apenas correram. O Departamento de Justiça dos EUA abriu uma investigação, que acabou fechada um ano mais tarde sem qualquer medida.

Limite geográfico
O crime causou grande revolta no México e a família da vítima processou o agente Mesa nos Estados Unidos. No ano passado, um tribunal de recursos confirmou decisão de primeiro grau, declarando que a família não podia processar o agente Mesa porque Hernandez era um cidadão mexicano, sem qualquer conexão com os Estados Unidos, e que estava em solo mexicano quando foi morto.

O caso chegou à Suprema Corte, que demorou um ano para decidir julgá-lo. O Departamento de Justiça dos EUA pediu à corte para negar o recurso da família mexicana, alegando que o agente da Patrulha de Fronteira seria imune a ações judiciais, porque ele estava apenas cumprindo seu dever como agente de segurança juramentado.

O advogado da família Hernandez, Steve Shadowen, escreveu em sua petição à corte que o caso representa “um princípio fundamental da legislação internacional sobre direitos humanos e da legislação americana”. E que um órgão do Poder Executivo não pode ceifar a vida de civis inocentes sem controle judicial.

A questão principal para os ministros da corte é qual padrão os tribunais devem usar para determinar se a Quarta Emenda da Constituição – a que proíbe, entre outras coisas, o uso de força letal pelos órgãos de segurança – se estende apenas até a fronteira do país ou se se aplica a casos que avançam para o território vizinho.

Os ministros também concordaram em julgar se Mesa é imune à ação judicial porque ele não sabia, quando atirou no adolescente, que ele não era um cidadão americano. E também se a família pode pedir indenização por danos, com base em jurisprudência anterior, de acordo com o SCOTUSblog.

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