Justiça Tributária

Estado de São Paulo ignora lei, ofende contribuintes e despreza seus servidores

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

10 de outubro de 2016, 8h01

Spacca
Noticiou-se antes das recentes eleições municipais que a Secretaria da Fazenda do estado de São Paulo criou uma “força-tarefa” para tentar recuperar expressivos valores de tributos que não foram recolhidos e já estão inscritos na dívida ativa.

A notícia por certo não teria merecido o destaque que teve num órgão de imprensa, não fossem as informações segundo as quais para seu desenvolvimento teriam sito convocados, além de servidores da Procuradoria Fiscal, também agentes fiscais de rendas e até mesmo policiais civis.

O governo paulista na última quinta-feira, dia 6, informou queda de R$ 1 bilhão na proposta orçamentária para 2017. Mas nesta segunda (10/10) vai distribuir prêmios de mais de R$ 600 milhões através de uma campanha publicitária denominada “Nota Fiscal Paulista”, supostamente destinada a incentivar a emissão de notas fiscais. Não entendo que, com tanta informatização, o Fisco ainda dependa desse mecanismo. O artigo 37 da Constituição Federal,  ordena que:

“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência …”

Na Constituição do Estado norma similar está presente no artigo 111, onde determina-se que:

“A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.”

Vemos que no texto constitucional paulista incluíram-se quatro princípios não explicitados na Carta Magna, ainda que de forma indireta nela estejam presentes: razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

A formação de uma “força-tarefa” que reúne servidores de setores diversos para o desenvolvimento de trabalhos de competência funcional de apenas um setor determinado, representa infração aos princípios de  razoabilidade, finalidade , motivação e interesse público, posto que a cobrança da dívida ativa é feita através de Execução Fiscal, cuja competência é exclusiva dos Procuradores.

Assim, para a cobrança de dívida ativa, estará  presente o princípio da razoabilidade se os serviços forem executados pelos servidores encarregados desse trabalho: os Procuradores da Fazenda. Inexiste qualquer razão para que agentes fiscais de renda, já assoberbados com as tarefas de fiscalização e demais questões inerentes a sua atividade, possam ser transformados em auxiliares de Procuradores.

Note-se que a cobrança judicial é atividade privativa de Advogados pelo fato de que se desenvolve no Poder Judiciário. No entanto, nem todos os agentes fiscais de rendas são bacharéis em Direito. Para inscrever-se no concurso esses servidores devem possuir formação acadêmica de nível superior em qualquer área.

Muitos possuem formação em Direito, Economia, Contabilidade,  Administração e áreas afins. Mas conheci fiscais formados em Odontologia, Psicologia, Comunicação, Música etc.  Portanto, não é razoável e nem tem motivo que fiscais possam ocupar seu tempo em tarefas relacionadas com a cobrança judicial.

Ademais, os agentes fiscais de renda do estado já enfrentam sérios problemas para realizar as tarefas de sua responsabilidade, seja pelo não atendimento de suas reivindicações salariais,  como também pela falta de condições de trabalho, eis que não recebe a Secretaria da Fazenda os investimentos adequados para enfrentar o volume de trabalho que enfrenta.

Finalmente, ao pretender incluir policiais civis nessa “força-tarefa”, o governo do estado por certo deixa de lado não só os princípios constitucionais já mencionados, como também a Lei Complementar 939 de 3 de março de 2003 que criou, de forma pomposa e festiva, um tal “Código de direitos, garantias e obrigações do contribuinte no Estado de São Paulo”.

A Assembleia Legislativa promulgou a lei e o governador Geraldo Alckmin (PSDB) a sancionou em companhia dos então secretários da Justiça, Alexandre de Moraes; da Fazenda, Eduardo Refinetti Guardia; e da Casa Civil, Arnaldo Madeira.

O artigo 2º desse Código diz que ele foi criado para “I – promover o bom relacionamento entre o fisco e o contribuinte, baseado na cooperação, no respeito mútuo e na parceria, visando a fornecer ao Estado os recursos necessários ao cumprimento de suas atribuições; II – proteger o contribuinte contra o exercício abusivo do poder de fiscalizar, de lançar e de cobrar tributo instituído em lei; etc.”

Já no artigo 4º  diz que são direitos do contribuinte: “I –  o adequado e eficaz atendimento pelos órgãos e unidades da Secretaria da Fazenda;
II – a igualdade de tratamento, com respeito e urbanidade, em qualquer repartição pública do Estado; …- a retificação, complementação, esclarecimento ou atualização de dados incorretos, incompletos, dúbios ou desatualizados; VIII – a efetiva educação tributária e a orientação sobre procedimentos administrativos; XVI – a ciência formal da tramitação de processo administrativo-fiscal de que seja parte, a vista do mesmo na repartição fiscal e a obtenção de cópias dos autos…”

O artigo 5º fala de garantias do contribuinte. Parei a leitura no inciso que diz ser assegurada : “a exclusão da responsabilidade pelo pagamento de tributo e de multa não previstos em lei.” Pois isso acontece todo dia, meus caros! Esse Código é uma brincadeira de mau gosto!

Não pode a Polícia Civil transformar-se em auxiliar de fiscais ou procuradores. Cobrança de dívida ativa é ato judicial. Se o Oficial de Justiça ficar impedido de fazer seu trabalho, que chame a PM.

A Polícia Civil que já vem ajudando muito na cobrança de tributos tem sido desprestigiada há muito tempo. Refiro-me aqui à Divisão de Crimes Fazendários, localizada na Avenida Indianópolis. Até a OAB-SP já pediu que aos servidores dessa unidade fossem concedidas condições mínimas para um trabalho melhor. Um delegado que então era, salvo engano, o Diretor da Polícia Civil, disse que estava tudo bem naquele prédio.

Eis uma descrição desse local: um prédio de três pavimentos, onde o subsolo que era garagem foi transformado em cartórios, sem ventilação, sem espaço sequer para acomodar inquéritos que ficam no chão e onde se há telefones as contas não são regularmente pagas e se há computadores e outros equipamentos pertencem aos servidores.

Se a Vigilância Sanitária ou um fiscal do trabalho aparecer por lá, o prédio será interditado. Servidores de nível superior são obrigados a trabalhar em espaços exíguos e se tiverem que atender mais de duas pessoas na sala que tem menos de 5 metros quadrados, alguém vai ter que ficar em pé!

Caso os leitores desejem mais informações, leiam as nossas colunas de 17 de junho de 2005, 9 de novembro de 2006, 30 de julho de 2012 e 26 de maio de 2014.  Como se vê, há mais de 11 anos o problema existe. Já é tempo de se procurar uma solução.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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