Respeito ao precedente

Novo CPC muda a rotina dos TRFs para estabilizar a jurisprudência

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9 de outubro de 2016, 7h26

Reportagem de abertura do Anuário da Justiça Federal 2017

O novo Código de Processo Civil chegou para consolidar o modelo de precedentes e mudar a cultura jurídica brasileira. Diante de 30 milhões de novos processos que chegam todo ano ao Judiciário, a saída encontrada foi aproximar o sistema jurídico do país ao do Common Law, para tentar evitar a multiplicação de entendimentos divergentes e dar mais racionalidade e rapidez às decisões.

As novas regras exigem que a hierarquia do Judiciário seja respeitada e que as decisões em casos repetitivos e de repercussão geral sejam obrigatoriamente seguidas. O Livro III, em seu Capítulo I, diz que os tribunais devem uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Além de aplicar entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, os juízes precisam estar atentos às orientações definidas em segunda instância.

Anuário da Justiça
Fonte: CJF

Não se trata exatamente de uma novidade, mas da consolidação de tudo o que a legislação brasileira desenvolveu nos últimos anos para reduzir as divergências dentro do Judiciário e, principalmente, para filtrar a subida de recursos. A mudança começou em 2004 com a Emenda Constitucional 45, a chamada Reforma do Judiciário, que criou a repercussão geral e a súmula vinculante. Em 2016, completa dez anos a lei da repercussão geral e oito a Lei de Recursos Repetitivos.

Concentrar as decisões mais importantes do país nos dois tribunais, entretanto, gerou gargalos. Os ministros não conseguem acompanhar o ritmo dos novos temas a serem uniformizados. Em abril de 2016, última atualização dos dados, havia 657.964 casos provenientes dos cinco TRFs sobrestados no Supremo. No STJ, outros 102.770 processos enviados pela Justiça Federal. O novo CPC quis então reduzir essa concentração e dar mais responsabilidade aos tribunais de segunda instância, que agora têm poder para definir entendimentos e filtrar ainda mais os recursos.

Danilo Galindo
Desembargadores em Recife atentos à sustentação oral feita diretamente do Rio Grande do Norte. Crédito: Danilo Galindo

A expectativa é de que a Justiça leve ao menos dois anos para estabilizar a jurisprudência e saber se foram positivos os resultados das regras trazidas pelo novo código. As dúvidas, como disse o desembargador Paulo Machado Cordeiro, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, são maiores do que as certezas. Os prazos passaram a ser contados em dias úteis, os honorários devem ser pagos em cada fase do processo, há agora a abertura para sustentações orais por videoconferência, os embargos infringentes foram extintos e as divergências são solucionadas por turmas com cinco integrantes.

As regras parecem claras. As dificuldades começam quando se discute, por exemplo, se o novo CPC deve ser aplicado aos casos que já estavam em andamento em março de 2016, quando entrou em vigor. Se a maioria na turma entender que sim, a continuação do julgamento, com desembargadores de outros colegiados, pode concluir no sentido oposto. Mas, se a maioria entender que o novo CPC não pode ser aplicado ao caso em andamento, cria-se um impasse: nesse caso, o julgamento com turma ampliada sequer poderia ter sido feito.

As divergências entre as turmas são solucionadas pelo Órgão Especial, que dá a palavra final sobre o tema por meio do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) – o que não impede a subida da discussão para o STJ ou o STF. Esta tem sido uma das mudanças que mais alteraram a rotina dos tribunais da Justiça Federal. Há ainda a possibilidade de o Órgão Especial escolher casos que considere de grande repercussão para julgar por meio de incidentes de assunção de competência, mesmo que o tema ainda não tenha sido analisado pelas turmas.

Cada tribunal teve de criar um grupo de desembargadores para analisar o novo CPC e pensar na melhor forma de adaptar o seu regimento interno às novas regras. No TRF da 2ª Região, por exemplo, 58 dos 303 artigos do regimento tiveram de ser alterados. Na 5ª Região, 100 de 330 passaram por adaptações. O TRF-4 fez emendas ao regimento e pretende aproveitar as demais alterações exigidas pelo CPC para enxugar o texto das normas internas da corte. O TRF- 1 criou no final de agosto grupo para discutir as mudanças.

O tempo do processo, tema de grande preocupação dos jurisdicionados, não deve diminuir em um primeiro momento. Pelo contrário. Desembargadores da 3ª Região lamentam a restrição às decisões monocráticas, até então amplamente usadas na corte. E já sentiram os impactos da mudança. Ao longo de 2015, os 40 membros do TRF-3 proferiram 145.250 decisões monocráticas. Nos primeiros seis meses de 2016, foram 30.723 decisões individuais.

Sylvio Sirângelo
"O atual código, ao contrário do que se diz, burocratizou a Justiça", criticou o vice-presidente do TRF-4, Carlos Thompson Flores. Crédito: Sylvio Sirângelo

O vice-presidente da 4ª Região, desembargador Carlos Eduardo Thompson Flores, diz que “o atual código, ao contrário do que se diz, burocratizou a Justiça”. E reclama da falta de participação do Judiciário nas discussões no Congresso sobre o novo CPC. O presidente do TRF-2, Poul Erik Dyrlund, diz que a maior parte dos processos em curso no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, área de abrangência da corte, trata de temas repetitivos e com o “desenvolvimento e uso frequente” dos novos instrumentos a tendência é que haja maior rapidez nos julgamentos.

O presidente do TRF- 5, Rogério de Menezes Fialho, pensa da mesma forma: se as novas ferramentas tiverem êxito na racionalização dos julgamentos das demandas repetitivas, o tempo do processo pode diminuir. “É preciso torcer também para que, de uma vez por todas, vingue a cultura da mediação e da conciliação, sobretudo aquela realizada antes da ação judicial.”

A concessão e a revisão de benefícios previdenciários e processos contra a Caixa Econômica Federal são recorrentes em todos os TRFs. A CEF tem feito parcerias com os tribunais para resolver os conflitos por meio de conciliação sempre que possível. A Advocacia-Geral da União, recentemente, ampliou as hipóteses em que seus integrantes podem abrir mão de recorrer. Procuradores federais não são mais obrigados a recorrer se os processos estiverem abrangidos por quatro novas situações: acórdãos proferidos por tribunais superiores em sede de resolução de demandas repetitivas e de incidência de assunção de competência; súmulas de tribunais superiores; acórdãos proferidos pelos órgãos máximos de tribunais superiores; e processos tramitando na Justiça do Trabalho ou em Juizados Especiais Federais aos quais sejam aplicáveis súmulas da Turma Nacional de Uniformização.

Gil Ferreira/Agencia CNJ
“De uma vez por todas, cultura da conciliação tem de vingar no país”, diz Rogério Fialho, presidente do TRF-5.
Crédito: Gilmar Ferreira/Agência CNJ

Há ainda a possibilidade de desistir nos casos em que a probabilidade de êxito for inexistente, o valor da discussão não compense o custo do processo ou o custo possa ser muito alto por causa da sucumbência recursal.

A criação de câmaras regionais de julgamento foi uma das alternativas encontradas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região para enfrentar a avalanche de processos previdenciários. Elas são formadas por juízes e presididas por desembargadores, que se deslocam mensalmente até a Bahia e Minas Gerais, onde ficam as quatro câmaras. O TRF-1 tem sede no Distrito Federal e atende a 13 estados. Sua abrangência e a falta de estrutura para supri-la levou a corte a ter o maior número de casos pendentes na Justiça Federal, principalmente na seção especializada em temas que envolvem o INSS.

Sofreu, inclusive, intervenção da Corregedoria Nacional de Justiça para tentar reduzir o acervo. A direção do TRF da 4ª Região, que atende aos estados da região Sul do país, também tem planos de convocar juízes para o julgamento de casos que envolvam a Previdência Social.

Entre os TRFs, apenas o da 4ª e da 5ª Região não conseguiram julgar mais do que o número de casos distribuídos em 2015. Na primeira instância, a situação é complicada em todas as regiões. Ao todo, chegaram 2,6 milhões de novos casos e foram julgados pouco mais de 2 milhões. A produtividade dos Juizados Especiais Federais é bem maior do que nas varas comuns. Ainda assim, os juízes não conseguiram em 2015 ultrapassar o número de casos novos distribuídos, como requer a Meta 1 do Conselho Nacional de Justiça. Em todas as regiões, os JEFs receberam 1.371.103 casos novos e julgaram 1.331.513.

CJF
Fonte: CJF
CJF
Fonte: CJF

Em 2014, o CNJ instituiu a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau, para criar canais diretos entre juízes e a direção dos tribunais, identificar problemas com maior rapidez e encontrar soluções conjuntas. No início de 2016 fez uma pesquisa com juízes de todos os ramos do Judiciário para saber quais são as suas condições de trabalho. Responderam ao questionário 4.672 – 483 deles, juízes federais. Destes, mais de 53% disseram estar satisfeitos com suas condições de trabalho. Na Justiça Estadual o índice foi de 39%, e na do Trabalho 36%. Ao todo, 36% dos juízes federais também disseram estar satisfeitos com o número de servidores. E 60% deles consideram seus funcionários qualificados. Neste quesito da pesquisa, a Justiça Estadual teve o menor índice: 42%.

Em perguntas de múltipla escolha, os juízes federais responderam que, para melhorar a gestão nas varas, é preciso que seja feita a redistribuição de processos das unidades com maior estoque para as que tiverem menos casos; e que seja equalizada a distribuição de cargos em comissão e de funções comissionadas entre os graus de jurisdição, de acordo com o volume de processos. Para os juízes, deveriam ser feitos investimentos nas instalações das varas e o número de servidores deveria ser definido de acordo com a demanda e a produtividade.

Soluções que envolvam investimentos financeiros, no geral, foram descartadas em 2016, diante da crise política e financeira que atingiu o país. O Conselho da Justiça Federal pediu ao Poder Executivo orçamento de R$ 12 bilhões. Recebeu 30% a menos. Os presidentes de todos os cinco TRFs tiveram de renegociar contratos com terceirizados, deixaram de preencher vagas abertas com a aposentadoria de servidores, houve redução do consumo de luz e energia e juízes aprovados em concursos só devem começar a trabalhar em 2017. De acordo com a Corregedoria Geral da Justiça Federal, 400 vagas de juiz federal substituto aguardam para serem preenchidas. Fazer mais com menos é o desafio dos TRFs hoje em dia.

Serviço
Anuário da Justiça Federal 2017

Editora: ConJur
Edição: 2017
270 páginas
Preço: R$ 40
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