Encontro de pares

"Imaginem se tudo que foi apontado nas delações for verdade", pede Moro

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5 de outubro de 2016, 18h02

Longe de seu gabinete na 13ª Vara Federal de Curitiba e das técnicas jurídicas que obrigam magistrados a julgar apenas com base em fatos e provas, Sergio Moro resolve arriscar um movimento mais ousado e faz um pedido inusitado para uma plateia formada por outros juízes federais: “Fechem os olhos. Quer dizer, não precisa fechar os olhos [risos], mas imaginem se tudo que foi apontado nas delações for verdade. Vocês vão ver o quanto esse quadro é grave”. 

Divulgação/Ajufe
Roberto Veloso, presidente da Ajufe (dir.), introduziu a palestra de Sergio Moro verbalizando o desejo da classe: "Estamos ávidos para ouvi-lo". Divulgação/Ajufe

A brincadeira em torno do que foi dito nas delações premiadas, vedete da operação "lava jato", revela a outra face da retórica: e se as delações não forem verdade? O exercício proposto por Moro foi feita nesta terça-feira (4/10), no Hotel Renaissance na cidade de São Paulo, na 5ª edição do Fonacrim, congresso de juízes federais criminais promovido pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Em sua fala, Sergio Moro fez a didática e costumeira explicação de como funcionava o esquema de propina investigado na Petrobras. Se exaltou ao relembrar o relatório da Petrobras de 2015 no qual a estatal admitiu que a corrupção provocou prejuízo de R$ 6 bilhões. “Seis bilhões! Temos que ficar repetindo esse número!”.

Admitiu que a prisão cautelar é uma medida para ser tomada em raras ocasiões e justificou o grande número de prisões desse tipo que determina pela excepcionalidade do caso de corrupção sistêmica com o qual se deparou. Da escorregada, emendou logo em seguida: “Estamos em tempos excepcionais, mas as prisões foram de acordo com a lei”, acrescentou.

Hierarquia nas cadeiras
As cadeiras logo à frente da mesa de Moro estavam reservadas para outros nomes conhecidos da magistratura federal. Antônio César Bochenek (ex-presidente da Ajufe), Alessandro Diaferia (juiz federal), Fernando Mendes (presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul) e o desembargador Fausto Martin De Sanctis ocupavam o espaço.

Juiz que cuidou dos casos da operação satiagraha (que investigava o banqueiro Daniel Dantas e foi anulada por ilegalidades), De Sanctis pediu a palavra, levantou e, rodeado pelos colegas, relembrou o começo das varas especializadas em crimes financeiros. Parabenizou Moro com emoção na voz. O público correspondeu e aplaudiu entusiasmado.

Moro tem noção do que representa para os pares. Entre ele e seus contemporâneos, busca manter uma relação de proximidade. Logo no início disse que era uma honra e um dever estar ali para prestigiar a Ajufe, pediu desculpas por não ter comparecido às edições de 2014 e 2015 ("muito trabalho em Curitiba") e jogou um afago aos colegas: “Vejo muitos rostos conhecidos”.

Diversos magistrados carregavam em suas mãos o livro italiano Operação Mãos Limpas: 20 anos depois, que no Brasil tem prefácio do titular da 13ª Vara de Curitiba. Na hora das perguntas, muitos fizeram questão de levantar as mãos e fazer contato com o homem da “lava jato”. Mas nada técnico ou específico. 

A partir das perguntas, defendeu, por exemplo, começo do cumprimento da pena após o julgamento da segunda instância e disse esperar que o Supremo Tribunal Federal mantenha esse entendimento no julgamento desta quarta-feira (5/9).

Pop star
Moro chegou dez minutos atrasado e fez os cinegrafistas saírem da mesa do café e correrem para registrar sua imagem enquanto caminhava diretamente para seu assento na mesa. O desespero para fazer registro tão trivial se deve pelas experiências passadas com o juiz em eventos públicos. Moro entra, fala, às vezes recebe flores, e vai embora. Não concede entrevistas coletivas, não confraterniza e, por isso, não gera boas imagens para as televisões. 

No início da sua fala, quase metade das cadeiras estavam vazias dentro do salão onde seria feita a palestra. O clima era tranquilo, com um público formado em sua maioria por juízes federais como ele, acostumados com eventos do tipo.

O som que perturbava o ambiente sereno vinha de fora. Trajando roupas verde-amarelas e bandeiras do Brasil, um grupo de mulheres de meia-idade se colocou na porta do hotel e passou a berrar para seu ídolo. “Moro, Moro, Moro!”, às vezes, como nos estádios de futebol, gritavam “Moooooooro”, às vezes bradavam que a Justiça Federal é o orgulho do Brasil.

As manifestações apaixonadas eram ouvidas claramente dentro do salão, onde o constrangimento era visível nas feições dos presentes. Apesar disso, nenhum participante lamentou ou exaltou publicamente a situação. Os gritos persistiram por mais de duas horas, até Moro deixar o local.

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