Em nome do Estado

União deve responder por ofensas de Joaquim Barbosa, diz desembargador

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3 de outubro de 2016, 14h53

Uma decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal pode criar uma blindagem adicional aos agentes públicos. Se um deputado, senador, ministro de Estado ou juiz ofender alguém, a pessoa ofendida deverá pedir reparação ao Estado e não a quem o atacou.

Esse foi o entendimento do desembargador Fernando Habibe ao concluir que o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa não pode responder judicialmente por ter mandado, em 2013, o jornalista Felipe Recondo "chafurdar no lixo". Para Habibe, como Joaquim Barbosa era presidente do Supremo na época, falava em nome do Estado brasileiro.

A hipótese foi levantada de ofício por Habibe na última quinta-feira (29/9), durante o julgamento da apelação na ação de danos morais do jornalista contra o ex-ministro. A questão preliminar teve o apoio do desembargador Rômulo de Araújo Mendes e pode servir para que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal não tenha de enfrentar o mérito do processo.

Carlos Humberto/SCO/STF
Como Barbosa era presidente do STF, falaria em nome do Estado, segundo tese defendida por desembargador.
Carlos Humberto/SCO/STF

Relator do caso, o desembargador Cruz Macedo discordou da tese. Afirmou que Joaquim Barbosa não estava atuando como presidente ou como juiz no momento em que houve a suposta ofensa. Portanto, o Estado não pode ser responsabilizado. A tese foi seguida pelo presidente da Câmara, Sérgio Rocha. 

Como havia apenas quatro desembargadores julgando o caso, em razão da suspeição do quinto integrante da 4ª Turma Cível do TJ-DF, o julgamento foi suspenso e deve ser retomado nesta quinta-feira (6/10), com a participação de um desembargador convocado.

Se a tese de que Joaquim Barbosa não é, a priori, o responsável pelos possíveis danos causados ao jornalista, Recondo terá de processar o Estado brasileiro, e não o ex-ministro do Supremo.  

Procurado pela ConJur, Barbosa não quis se manifestar sobre a questão, bem como seus advogados.

Entenda o caso
O episódio aconteceu em março de 2013, quando Joaquim Barbosa saía de uma sessão do Conselho Nacional de Justiça, do qual também era presidente. Recondo o interpelou e ensaiou uma pergunta: “Presidente, como o senhor está vendo…” E foi interrompido: “Não estou vendo nada. Me deixa em paz, rapaz! Me deixa em paz! Vá chafurdar no lixo como você sempre faz!”

Recondo, que à época era repórter do jornal O Estado de S. Paulo, estranhou. “O que é isso, ministro? O que houve?”. “Eu estou pedindo, me deixe em paz. Eu já disse várias vezes ao senhor. Várias!”, respondeu o ministro. Recondo insistiu: “Mas eu tenho que fazer a pergunta. É meu trabalho, ministro”. “É, mas eu não tenho nada a lhe dizer. Não sei, não quero nem saber do que o senhor está falando”, ouviu. Em seguida, na entrada do elevador, Barbosa finalizou: “Palhaço!”.

No mesmo dia, a Secretaria de Comunicação Social do Supremo Tribunal Federal publicou nota se desculpando pelo episódio, afirmando que Barbosa, "tomado pelo cansaço e por fortes dores, respondeu de forma ríspida à abordagem feita por um repórter". Segundo a nota, tratou-se de um episódio isolado.

Danos morais
Em setembro do mesmo ano, o jornalista decidiu ir à Justiça pedir reparação pelo episódio, alegando que o “ataque” de Joaquim Barbosa “impingiu ao autor a pecha de persona non grata na mais alta corte do país, limitando em muito seu acesso a considerável parte dos trabalhos do tribunal”.

Além disso, na ação, o jornalista narrou que, depois do episódio, Joaquim Barbosa passou a persegui-lo. Ficou famosa a história da mulher de Recondo, que ocupa cargo comissionado no gabinete do ministro Ricardo Lewandowski. Barbosa tentou mandar o colega, na época vice-presidente do STF, demiti-la. Entretanto, Lewandowski se recusou. Recondo foi representado pelos advogados Danyelle Galvão, Renato Faria e Leonardo Furtado.

Em sua defesa, o ministro Joaquim Barbosa alegou que não há dano moral a ser reparado, classificando o ocorrido como mero aborrecimento. Além disso, apontou que não houve limitação ao acesso do jornalista ao Supremo e que, depois do episódio, manteve uma relação cordial com Recondo.

Segundo Barbosa, o episódio decorreu da insistência do jornalista, que o teria assediado durante sua licença para tratar da saúde, inclusive, no período de resguardo hospitalar, dentre outros momentos de acirramento político. 

Em primeira instância o pedido foi negado pelo juiz João Luís Zorzo. Segundo o juiz, o pedido deve se limitar à expressão "vá chafurdar no lixo", uma vez que não ficou comprovado que o ministro teria chamado Recondo de "palhaço". Considerando o contexto, Zorzo concluiu que a situação foi descortês, mas não capaz de ofender a honra do jornalista.

"As profissões de magistrado e de jornalista exigem das pessoas que as exercem postura com nível de tolerância acima do padrão médio, por lidarem com situações de conflito, extremas, próprias da profissão, o que os tornam mais resistentes a descortesias", justificou o juiz.

Recondo apelou da decisão, que agora está em julgamento na 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

Clique aqui para ler a sentença.
Processo 0031748-90.2014.807.0001

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