Ambiente Jurídico

Ações discutem as consequências das mudanças climáticas nos EUA

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1 de outubro de 2016, 13h36

Spacca
O direito das mudanças climáticas assumiu, nos últimos anos, posição cada vez mais independente nos Estados Unidos, assim como o direito das energias renováveis, em relação ao direito ambiental. Deste modo, aliás, estas matérias são abordadas no âmbito do Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School capitaneado pelo professor e atuante advogado ambientalista Michael Gerrard. Importante, outrossim, grifar alguns fatos históricos e características do direito das mudanças climáticas nos Estados Unidos.

Embora o ex-vice presidente Al Gore tenha assinado em nome da Administração Bill Clinton o Protocolo de Quioto, ele não foi ratificado pelo Senado. Aliás, o Senado havia aprovado resolução apoiada pelos Senadores Robert Byrd e Chuck Hagel por 95 x 0, compelindo o governo a não apoiar qualquer acordo no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas para o Combate às Mudanças Climáticas no sentido do corte das emissões, a menos que o compromisso também fosse assumido igualmente pelas nações em desenvolvimento.[1]

Em março de 2001, o presidente George W. Bush expressamente repudiou o Protocolo de Quioto, sob o argumento de que ele isentava a China e a Índia da obrigação do corte de emissões, o que causaria grandes prejuízos econômicos aos Estados Unidos[2]. Quando o Protocolo entrou em vigor, no ano de 2005, Estados Unidos e Austrália eram os únicos países industrializados que não o haviam firmado. No ano de 2007, a Austrália acabou por firmar o acordo, restando os Estados Unidos isolado.

A política adotada pelo presidente Bush encorajou a redução das emissões de gases de efeito estufa e, no ano de 2001, estabeleceu como objetivo a sua redução em 18% por unidade de atividade econômica até o ano de 2012. Entretanto, a economia americana cresceu em uma taxa acelerada, aumentando justamente 18% nos anos que antecederam a crise de 2008. Nesse período, as emissões também aumentaram, no mesmo ritmo do crescimento da economia.[3]

Durante a administração Bush, os Estados Unidos adotaram vários programas para fazer um levantamento do total das emissões e incentivaram a realização de pesquisas acerca de mudanças climáticas e de tecnologias para contê-las. O Congresso aprovou incentivos fiscais para a produção de energia renovável, para eficiência energética e, de modo contraditório e absurdo, também para a convencional e poderosa indústria dos combustíveis fósseis.[4] Essa administração recusou-se a utilizar o Clean Air Act para regular os gases de efeito estufa, posição que se manteve mesmo após a Suprema Corte decidir que essa regulação deveria ser efetuada no âmbito da EPA (Environmental Protection Agency).[5]

Obama assumiu e implantou uma política oposta à de George W. Bush. Sob novo comando, a EPA passou a utilizar a sua competência para regular os gases de efeito estufa. No âmbito da House of Representatives, o governo conseguiu a aprovação do American Clean Energy and Security Act, conhecido como Waxman-Markey Bill, que estabelecia um amplo programa de cap-and-trade em nível federal.[6] Entretanto, o projeto de lei foi rejeitado no Senado. Ainda que durante a campanha da reeleição o Presidente Obama tenha evitado tocar no tema mudanças climáticas, em junho de 2013, após reeleito, anunciou o Climate Action Plan, plano elaborado no âmbito do Poder Executivo. O plano está focado no poder regulatório da EPA, que emitiu um cronograma com importantes regulações sobre as novas e as já existentes usinas de queima de carvão.[7]

Não existe nos Estados Unidos uma legislação específica para regular os gases de efeito estufa, mas várias leis são aplicadas com tal finalidade. O mais importante diploma legal para regulação desses gases é o Clean Air Act. Durante a administração do presidente Bill Clinton, dois sucessivos Conselhos Gerais da EPA opinaram que a agência teria autoridade para aplicar o Clean Air Act e regular os gases de efeito estufa como poluentes do ar. Os Conselhos da EPA na Administração Bush emitiram pareceres em sentido diametralmente oposto.[8]  Essa controvérsia restou resolvida por decisão da Suprema Corte no caso EPA v. Massachussets, no ano de 2007, em que por 5 a 4 a Corte decidiu que os Estados possuíam standing para processar e compelir a EPA para regular os gases de efeito estufa. Na decisão restou consignado que os gases de efeito estufa podem ser regulados com a aplicação do Clean Air Act pela EPA porque são poluentes do ar. Por fim, restou determinado que a EPA deve ou declarar que os gases de efeito estufa são prejudiciais à saúde pública e ao bem-estar e realizar a regulação, ou explicar em detalhes por que essa regulação não será realizada com base em permissivos legais.[9]

Em dezembro de 2009, a EPA definiu os gases de efeito estufa como perigosos. Após, emitiu regulação das emissões por intermédio da fixação de standards e tornou mais rigorosos os níveis de regulação para os veículos automotores. A EPA também adotou medidas de regulação referentes às fontes estacionárias de emissões de gases de efeito estufa, como fábricas e usinas. Mais de cem processos foram ajuizados impugnando tais regulações pelos mais diversos argumentos, mas todas essas ações foram desconsideradas pela Corte de Apelação do Distrito de Columbia (U.S. Court of Appeals for the Disctrict o Columbia), que sequer apreciou o seu mérito.[10]

O National Environmental Policy Act é igualmente aplicado para regular as emissões de gases de efeito estufa, em especial para compelir as agências a elaborarem declarações de impacto ambiental para as ações federais ou submetidas à fiscalização federal de maior vulto e que possam causar danos ao meio ambiente.

Outros argumentam que o Endangered Species Act (ESA) também pode ser aplicado para o enfrentamento das mudanças climáticas. Como diz o próprio nome, a lei é utilizada para proteger espécies ameaçadas e em perigo, assim como o seu habitat. Proíbe projetos e ações federais que coloquem em risco as espécies ameaçadas. Em teoria, a lei poderia ser estendida para projetos que emitem gases de efeito estufa, mas na prática é muito difícil de se implementar, já que muitos projetos contribuem relativamente pouco com as emissões de gases de efeito estufa e os impactos às espécies não podem ser atribuídos diretamente a tais emissões. A importância do estatuto, nos contextos das mudanças climáticas, é primeiramente proteger espécies atingidas indiretamente pelas mudanças climáticas nos seus habitats, com o objetivo de garantir a sua sobrevivência.[11]

Refere Gerrard que as ações ajuizadas nos Estados Unidos discutindo causas associadas às mudanças climáticas podem ser divididas, em sua ampla maioria, em duas categorias básicas.[12] A primeira categoria compreende ações que invocam o direito administrativo com base nas leis existentes para exigir que as agências federais adotem certas ações regulatórias ou parem de adotá-las. Massachussets v. EPA é um clássico exemplo dessa categoria de ações. Centenas de ações têm sido ajuizadas impugnando projetos, ações e omissões regulatórias das agências federais referentes aos gases de efeito estufa. Nesse tipo de caso, as partes pleiteiam que o Poder Judiciário aplique as regras estabelecidas pelo Congresso, pelos legislativos estaduais e pelas agências administrativas. A segunda categoria envolve ações típicas da common law. Nesse tipo de ação judicial, o pedido é endereçado ao juiz para que ele aplique doutrinas criadas pelas Cortes através dos séculos para responsabilizar a parte ex-adversa ou para que um provimento cautelar seja expedido contra as emissões.

Com base na doutrina da common law public nuisance, foram ajuizadas quatro demandas alegando mudanças climáticas e pedindo a intervenção judicial. Todas foram desconsideradas e não tiveram o mérito apreciado por Cortes Federais (Federal District Courts), porquanto entenderam que tais demandas estavam embasadas em questões políticas e não eram sujeitas ao escrutínio do Poder Judiciário. Também foi invocada, por grupos sem fins lucrativos, a doutrina da common law da public trust em várias ações judiciais que buscavam compelir os Estados e o Governo Federal a adotarem planos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e preservar a atmosfera. Essa doutrina obriga o governo a proteger certos recursos naturais que devem ser preservados em confiança e em nome do público. A doutrina tem sido aplicada para proteger certas águas costeiras, praias e também parques florestais. Até o momento, no entanto, nenhum processo com esse argumento obteve êxito nas Cortes.[13]

Importante observar, por fim, que não são incomuns demandas envolvendo as mudanças climáticas e as suas nefastas consequências nos Estados Unidos, exemplo de país democrático e de cidadania atuante, a qual está atenta e consciente em relação a essa grave ameaça.

 


[1] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24. 

[2] Ver: ROSENCRANZ, Armin. U.S. Climate Change under G.W. Bush. Golden Gate University Law Review, v. 32, n. 4, p. 479-491, 2002.

[3] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.

[4] UNITED STATES. EPA. Inventory of U.S. Greenhouse Gas Emissions and Sinks 1990-2011. fig. 2-1 (Apr. 12, 2013).

[5] NAT’L ENERGY POLICY DEV. GROUP. Energy Policy: Reliable, Affordable and Environmentally Sound Energy for America’s Future (May 2001).

[6] LIZZA, Ryan. As the world burns. The New Yorker, New York, 11 out. 2010.

[7] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.  

[8] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.  

[9] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.  

[10] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 24.  

[11] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 26.

[12] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 26-27. Para uma análise abrangente acerca dos casos envolvendo mudanças climáticas nos EUA, ver também: ARNOLD & PORTER LLP. Climate Change Litigation in U.S. [2015?]. Disponível em: <http://www.climatecasechart.com>. Acesso em: 15 out. 2015.

[13] GERRARD, Michael. Introduction and overview. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Eds.). Global Climate Change and U.S Law. New York: American Bar Association, 2014. p. 27. 

Autores

  • Brave

    é juiz federal. Doutorando e Mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA. Professor de Direito Ambiental Coordenador na Escola Superior da Magistratura- Esmafe/RS.

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