Alfinetadas em julgamento

Defesa de Elize usa 'tática' de promotor para questionar testemunha

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30 de novembro de 2016, 18h13

O tempo fechou entre os advogados de defesa de Elize Matsunaga Luciano Santoro e Roselle Soglio e o Ministério Público, representado pelo promotor José Carlos Cosenzo, no primeiro dia do julgamento dela, na segunda-feira (28/11).

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Promotor José Carlos Cosenzo não ficou feliz ao ser interrompido pelos advogados.
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Alegre no começo da sessão, quando chegou até a arriscar piadas, Cosenzo, que não chega a 1,70 de altura, mudou rapidamente de humor quando a defesa alegou que ele estava induzindo a testemunha Amonir Hercília dos Santos, ex-babá do casal Matsunaga. A prática é vedada pelo artigo 212 do Código de Processo Penal. O protesto veio após o promotor perguntar se a cidade para onde a mãe dela, a também babá Mauriceia José Gonçalves dos Santos, tinha viajado com Elize na véspera do assassinato de Marcos Matsunaga era Chopinzinho (PR).  

“Da próxima vez, eu pergunto o que os doutores querem que ela responda. Estou cumprindo a lei”, afirmou rispidamente o integrante do MP, em meio a reclamações dos advogados.

O juiz presidente do Tribunal do Júri, Adílson Paukoski Simoni, da 5ª Vara do Júri de São Paulo, logo interveio para botar ordem no julgamento. “É preciso ter respeito de classe. Não tem por que dar respostas atravessadas.”

Cosenzo concordou, mas aproveitou para alfinetar a postura da defesa. “Se eu me exceder, Vossa Excelência que me interrompa, e não os advogados, que parecem ter feito concurso para a magistratura.”

Round dois
Mesmo com a reprimenda, Cosenzo continuou aplicando o método de fazer uma pergunta aberta para a testemunha e, diante de sua negativa, ir dividindo-a em diversas perguntas fechadas. Assim, para saber de Mauriceia se Elize, na viagem para Chopinzinho, havia conversado com um investigador particular que contratara para confirmar as traições do marido, o promotor questionou se sua patroa estava preocupada ou tendo um comportamento diferente no Paraná.

Ao receber um “ai, doutor, não sei” de resposta, o membro do MP quis saber se ligaram bastante para Elize durante a viagem.

— Sim – disse a testemunha.

— E ela parecia nervosa nas conversas?

— Sim.

— Quem ligava para ela?

— Ai, doutor, não sei – afirmou Mauriceia, nervosa.

— Era um investigador?

— Ai, doutor… Acho que sim.

— Ele se chamava Willian?

Novas reclamações da defesa, desta vez mais exaltadas. O juiz deu razão aos advogados, e proibiu o promotor de induzir a testemunha a lembrar o nome de uma pessoa, com base no artigo 212 do CPP.

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Imponente, Roselle Soglio abusou da comunicação não verbal
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Em seguida, o promotor passou a perguntar sobre a presença e as orientações de Santoro durante a investigação no apartamento. Nesse momento, Roselle atravessou lentamente o plenário e posicionou-se ao lado dos jurados. A mais alta do julgamento (com a ajuda de um salto fino), ela cruzou os braços e fitou Cosenzo, enquanto mascava um chiclete.

Depois que Mauriceia confirmou a versão do promotor de que Elize estava calma até ser presa, Roselle retornou, mais uma vez vagarosamente, à seção da defesa, balançando a cabeça em sinal de reprovação.

“Algum problema, doutora?”, perguntou o promotor. “Quer parte nas minhas perguntas?”

Sem dizer palavra, ela virou a cabeça, encarou-o, contornou a mesa dos advogados e permaneceu em pé, apoiando as duas mãos no topo de sua cadeira. E sem desviar os olhos de Cosenzo.   

Round três
O clima já estava tenso e piorou quando chegou a vez de a defesa questionar Mauriceia. Diante de evasivas nas primeiras perguntas, Luciano Santoro declarou que ia mudar de estratégia: “Vou adotar a tática da acusação: ler trechos dos autos e ver se a senhora confirma, ok?”.

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Santoro usou a tática de Cosenzo — o que não agradou o promotor.
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José Carlos Cosenzo não gostou da menção a seus métodos. “Não é tática, é a lei”, destacou. Porém, ele não aguentou provar de seu próprio veneno por muito tempo. “O doutor está lendo todos os trechos e só pedindo confirmação. Assim até eu poderia me colocar como testemunha.”

Em resposta, Santoro criticou a atitude “dois pesos, duas medidas” da acusação. “Ora, isso é o que o senhor fez até agora. Se ela não se lembrava de algum ponto, o senhor ia falando até ela se lembrar. Isso se chama indução.”

Novamente, o juiz deu razão à defesa. “Não há problema em reproduzir trechos de depoimentos anteriores dessa forma, pois quando eles foram tomados não havia jurados. E a defesa está usando o mesmo método da acusação”. Contudo, a ordem não foi suficiente para acabar com o bate-boca.

Imponente, Roselle — meia cabeça mais alta do que Santoro e Cosenzo — ficou ao lado de seu colega, mais uma vez sem falar, apenas encarando o promotor. Após trocas de acusações, Santoro ordenou a Cosenzo: “Respeite a minha função aqui dentro”.

“Sempre respeitei a ordem”, garantiu o integrante do MP, que foi alvo de uma tirada sarcástica do advogado de Elize. “Eu sei, é um julgamento importante, o senhor quer aparecer, mas vamos lá.”

Visivelmente irritado, Cosenzo permaneceu em pé quando o depoimento da babá foi retomado — mas não por muito tempo. Ao ouvir Santoro perguntando “Elize disse que o detetive tinha encontrado Marcos com uma mulher. Confirma?”, o promotor jogou o braço direito para o alto, saiu reclamando de seu posto e sentou-se, emburrado, em uma cadeira encostada na parede. E lá permaneceu até que Mauriceia terminasse de testemunhar.   

Caso polêmico
Elize Matsunaga é ré confessa por matar e esquartejar seu marido, Marcos Matsunaga, após descobrir que vinha sendo traída. Por isso, ela foi pronunciada por homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel e recurso que dificulte a defesa da vítima (artigo 121, parágrafo 2º, incisos I, III e IV, do Código Penal) e destruição e ocultação de cadáver (artigo 211 do Código Penal). Desde 2012, está presa preventivamente na Penitenciária do Tremembé (SP).

Uma vez que Elize admitiu os crimes, a disputa é se ela deve ser condenada por homicídio qualificado (objetivo do Ministério Público, que pode levar a pena a até 33 anos de prisão) ou pela assassinato sob o domínio de violenta emoção (estratégia da defesa que poderia diminuir a punição em até um sexto, conforme o parágrafo 1º do artigo 121 do Código Penal).

Serra elétrica
No primeiro dia de julgamento, a babá Mauriceia contou que, na volta de Chopinzinho, Elize parou em uma loja de ferramentas e adquiriu uma pequena serra elétrica. O objetivo era usá-la para abrir caixas de vinho, destacou a ré na ocasião.

Para a acusação, esse artefato foi usado para desmembrar o corpo de Marcos, e o depoimento de Mauriceia fortalece a tese de que o crime foi premeditado. A defesa, por seu turno, alega que o homicídio ocorreu sob forte emoção pelo descobrimento da traição do executivo, e que uma faca de cozinha, e não a serra elétrica, foi usada para desmembrar seu corpo. A perícia não chegou a uma conclusão sobre essa questão.

Contudo, tanto Mauriceia quanto sua filha Amonir disseram que Elize era generosa, e ajudou-as várias vezes, seja pagando um tratamento de saúde para o filho desta, seja dando uma viagem a Recife para a aquela. Além disso, as duas disseram que o casal não estava bem, e brigava constantemente.

Última testemunha do dia, o detetive particular William Coelho disse que, quando foi contratado por Elize, ela já sabia que estava sendo traída por seu marido, mas que queria uma confirmação do adultério. Assim, ela pediu que o profissional filmasse “a cara” da amante.

*Texto atualizado às 8h04 do dia 1/12/2016 para correção de informações.

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