Mercado da advocacia

No Rio de Janeiro, crise afugentou clientes e criou bancas home office

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27 de novembro de 2016, 8h42

Ao contrário do que se costuma dizer, épocas de crise não são boas, nem para os escritórios de advocacia. Advogados têm convivido com aumento da inadimplência, com dificuldades para fechar com novos clientes, para definir honorários contratuais, tendo de trabalhar por êxito. Bancas menores têm se dissolvido e aderido ao home office para economizar com despesas de manutenção.

No entanto, o momento é ideal para os escritórios reavaliarem o seu modelo de negócios, definir a essência do trabalho e fazer um controle efetivo dos custos, recomenda o presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), Carlos José Santos da Silva, o Cajé. Segundo ele, é necessário parar e refletir muito antes de, por exemplo, decidir reduzir o valor dos honorários, o que pode trazer consequências como a queda da qualidade do serviço prestado e, mais para a frente, inviabilizar a retomada de investimentos.

Já o advogado Técio Lins e Silva, presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), afirma que talento e preparo são as melhores armas contra a crise. “Todas as áreas e especialidades precisam de bons profissionais. Quem estiver preparado e habilitado para a profissão vai viver dela com dignidade. O advogado tem o monopólio da representação judicial, nós é que temos, por força da Constituição, o monopólio de responder pela cidadania, por representar o cidadão perante todos os foros.”

Mas o que parece unânime no mercado jurídico é que sempre uma área estará em mais evidência que outra, beneficiando-se de momentos do país, sejam eles bons ou ruins. Advogados de diferentes áreas de atuação foram ouvidos pela reportagem durante a cerimônia de lançamento do Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2017, na quarta-feira (23/11), na sede do Tribunal de Justiça do estado.

Honorários
Alex Porto Farias, sócio do escritório Porto Farias, conta que há vários cenários para serem examinados. Com o desaquecimento da economia, a inadimplência entre os clientes do escritório atingiu 15%. “Como estávamos prevendo um ano de 2016 mais difícil, resolvemos aumentar nossa verba de marketing em 25%, com isso e com um grande esforço de toda equipe, vamos atingir nossa meta de 2016, com um relativo crescimento.”

Ele também conta que, como atua basicamente no penal voltado para o tributário, “com as dificuldades de arrecadação da União, estados e municípios, é muito provável que em 2017 haja um aumento nessa área a fim de evitar ou punir eventuais sonegações fiscais”. Farias conclui dizendo que, apesar da crise, a área jurídica sente menos os seus efeitos, já que há aumento da demanda nas áreas cível, trabalhista e tributária. “A 'lava jato' podemos considerar como um caso a parte da crise.”

O advogado Pedro Paulo de Barros Barreto, do escritório Sergio Bermudes, diz que, embora o momento seja difícil, com pessoas naturais e jurídicas suportando o fardo da crise, a advocacia deve seguir confiante. "Não devemos ser pessimistas: é cediço que situações como a presente trazem grandes oportunidades, ou seja, é tempo de se reorganizar, de se reestruturar, para, assim, conseguirmos seguir adiante — e bem — em 2017. Trabalhamos bastante, sobretudo no contencioso cível e empresarial. O ano que se aproxima traz muita esperança, evidentemente, se e quando os devidos ajustes forem implementados."

Já seu colega João Romeiro diz vivenciar um momento de dúvida quanto ao futuro e que o mercado jurídico sofreu uma queda. “A crise econômica como um todo prejudica a advocacia. O Judiciário está em greve há um mês. Isso é prejuízo para advocacia. Mandados para remunerar advogados não são expedidos. Em última análise, a advocacia criminal é quem está beneficiada”, opina.

Max Fontes, sócio do Fontes & Tarso Ribeiro Advogados, trabalha com Direito Administrativo e atua na área de serviços públicos e de transporte. Diz que, no momento atual, a dificuldade do cliente passa a ser uma dificuldade também do advogado. “As coisas mudam, os honorários podem ser reduzidos ou renegociados. Mas é preciso do advogado até para sobreviver à crise. O momento é tenso, não é de crescimento da advocacia, mas na manutenção eu acredito.”

O advogado Alexandre Kingston, sócio do Shmidt, Lourenço, Kingston, trabalha com Direito Imobiliário, Urbanístico e Ambiental e diz que a área sentiu muito a crise. “Já desde o ano passado começou um processo de reestruturação de algumas áreas, de teto de remuneração por hora, por êxito”, diz. Ele afirma que a inadimplência de clientes nunca foi tão alta e que agora os colegas estão totalmente abertos à renegociação de honorários.

“Sentamos com os clientes e vemos a possibilidade. O mercado de aluguéis está parado, o de construção civil, com algumas empresas até que entraram em recuperação judicial para ganhar fôlego. Uma área promissora agora é da recuperação judicial. O contencioso em épocas de crise também tende a aumentar.”

Cesar Asfor Rocha foi ministro com passagem por todos os cargos de direção no Superior Tribunal de Justiça e hoje advoga. Diz que a crise não traz benefícios para ninguém e que mesmo uma carga maior de trabalho para alguns setores específicos não beneficia a todos. “A crise retrai clientela. Tira a capacidade econômica da população e, consequentemente, a capacidade da clientela de efetuar os pagamentos. Todo mundo é afetado, inclusive a advocacia.”

Segundo Asfor Rocha, é preciso ser flexível para se adaptar ao cenário. “Todos meus colegas sentem isso. As condições dos honorários acabam sendo diferentes do que eram antes, a solução para os litígios demoram muito mais. Não tenho nada a reclamar em meu escritório, mas a crise traz preocupações. É ruim ver clientes abalados, sofrendo a crise. Isso contagia a todos nós, mas tenho esperança que iremos superar tudo isso até 2018”, conclui, otimista.

Pedro Bandeira de Melo e Samuel Carvalho Sigilião, advogados do Tostes Advogados com atuação no contencioso civil estratégico, afirmam que há dificuldades para equacionar os custos do processo com a possibilidade de pagamento do cliente. Perceberam também que as empresas pensam duas, três vezes antes de entrar com nova ação na Justiça. Tem avaliado bem o custo-benefício de cada processo, o tempo que levará para o Judiciário resolver o caso, isto é, têm feito uma análise econômica mais criteriosa antes de propor novas ações.

Home office
O advogado Vanderlei Guimarães Bibá tem um escritório pequeno de trabalhista junto com o pai, que também é corretor imobiliário e jornalista. Ainda não sentiu os impactos da recessão, mas confirma que nessa área houve aumento de demanda por causa das demissões do momento e, se a crise persistir, acredita que terá prejuízos. “Se essas empresas virem a falir por conta do longo período de crise e não conseguirmos executar essas decisões, aí seremos afetados.” Já na área imobiliária, como contratos de locação, acompanhamento de escritura de compra e venda, ele diz que tem sido raríssima a procura por serviços advocatícios.

Seu pai, o Bibá, encerra otimista. “Há sempre novas ideias que surgem para superarmos as crises e uma delas é o home office, que diminui muitos custos.”

Aurelio Wander Bastos, que é advogado há 40 anos e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, diz que as demandas não estão sendo feitas com honorários determinados ou pré-estabelecidos. “No meu escritório, não só tive queda absurda de faturamento, como diminuiu o número de pessoas que trabalham comigo. Não tive propriamente de demitir, porque em geral eram pessoas vinculadas, que tinham sociedade comigo ou trabalhavam em função dos honorários das causas. Hoje em dia elas estão trabalhando de casa. Levaram o serviço.”

Grandes empresas
Advogado jurídico da Amil Assistência Média Internacional, Gilson Rosales Da Matta foi ao lançamento do Anuário assim que saiu de uma reunião feita justamente para divulgar os números da companhia. Com o gráfico de uma queda sem precedentes nos planos de saúde de empresas ainda na cabeça, disse que 2017 será um ano de trabalho árduo. “O consumidor está jogando suas frustrações econômicas nas grandes empresas, principalmente as de grande porte. Está buscando, através do Judiciário, uma compensação econômica. Isso é nítido”, aponta.

Rosales vai além e diz que o Judiciário tem parte nessa culpa, pois faz as grandes empresas sangrarem em milhares de condenações individuais. “Vejamos a situação da Unimed, uma das maiores operadoras de plano de saúde do mundo, está quebrada por conta de uma série de contenções. O Judiciário tem responsabilidade nisso. A própria Oi Telemar, que era uma das maiores companhias do Rio de Janeiro, hoje tem um déficit enorme do número de ações, pois ela sempre esteve entre as primeiras no polo passivo de disputas judiciais. A empresa fica inviabilizada."

O advogado aponta saídas: sugere que seria melhor o Ministério Público interceder, forçar um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com a aplicação de multa única, por exemplo.

Momento preocupante
Se advogados civilistas estão invejosos dos colegas criminalistas que aproveitam o tempo de bonança, alguns deles, como Marcos Vinícius Rayol Sola, mostram-se preocupados. Membro do respeitado Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ele afirma que a principal preocupação para 2017 é a postura que os desembargadores vão adotar com relação à execução das penas após suas decisões. "Mitigando o princípio constitucional da presunção de inocência, o Supremo conferiu peso demais às decisões de segundo grau. A atuação fica cada vez mais difícil para nós advogados criminalistas. A partir desse momento, a importância das decisões dos desembargadores serão determinantes. Então, é muito importante que o tribunal tenha consciência de suas decisões pois elas passam a ter  um peso muito maior.”

Ele espera que os magistrados de segundo grau não se influenciem por uma punição exacerbada que está contaminando o Judiciário de todo o país. “Espero que o tribunal não entre nessa onda punitivista e consiga, dentro de um julgamento justo, balizar os direitos fundamentais com os direitos em prol da sociedade. Está havendo uma caça aos desembargadores que são mais garantidores dos direitos fundamentais e isso não pode acontecer."

A posição de um desembargador tem de ser respeitada. Temos casos de desembargadores que estão sendo questionados inclusive pela imprensa por dar decisões em plantões judiciais, sendo que são decisões sempre amparadas na lei e na Constituição. O Judiciário não é longa manus da segurança pública. Não podemos passar ao decisionismo, que é totalmente contrário ao Estado Democrático de Direito”, diz Sola.

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