Hora da vingança

Interesses políticos podem conturbar destino da Suprema Corte dos EUA

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27 de novembro de 2016, 9h47

No curso do governo republicano de Donald Trump, os americanos irão se familiarizar com uma terminologia própria do Senado, que não é nova, mas nunca foi popular, como filibuster, cloture e nuclear option. Elas fazem parte das táticas de “guerra” que democratas e republicanos preparam para enfrentar o processo de nomeação dos futuros ministros da Suprema Corte.

Os interesses políticos em jogo são muito altos. Desde que o presidente Obama nomeou o juiz Merrick Garland para ocupar a vaga do ex-ministro Antonin Scalia, que morreu em fevereiro, os senadores republicanos se recusaram a sabatiná-lo antes das eleições, com o argumento de que a escolha deveria ficar para o próximo presidente.

A tática deu certo. O candidato republicano Donald Trump venceu as eleições presidenciais e ele terá a possibilidade de nomear, em seus primeiros quatro anos de governo, pelo menos quatro ministros para a Suprema Corte: o substituto de Scalia e os substitutos de três outros ministros (dois deles liberais/democratas) que deverão se aposentar. Isso significa que os ministros conservadores/republicanos da corte formarão uma maioria de 7 a 2, que poderá perdurar por três décadas ou mais — uma perspectiva terrível para os liberais do país.

Os democratas tentam engendrar táticas para que ele não nomeie ministro algum — pelo menos até que cheguem as eleições de 2020. A frase payback time (“hora da vingança”) ganhou dimensão no Congresso e na imprensa nos últimos dias. Se os democratas usaram das táticas que dispunham para impedir a nomeação de um juiz escolhido pelo presidente Obama, um democrata, a represália contra os republicanos seria um recurso natural — talvez compreensivo.

Tática 1: filibuster
Qualquer partido no Senado americano pode impedir a votação em Plenário, destinada a aprovar uma nomeação de ministro para a Suprema Corte, usando a tática do filibuster. Como as regras da Casa não limitam o tempo de discursos, os senadores oponentes podem ocupar a tribuna e fazer discursos intermináveis, uns após os outros. Dessa forma, impedem que a proposta vá à votação.

O Dicionário de Direito de Marcílio Moreira de Castro sugere traduzir filibuster como “diversionismo, tática diversionista, discurso postergatório, discurso dilatório, discurso interminável”. Enfim, filibuster é uma estratégia obstrucionista, que pode durar “para sempre” e inviabilizar qualquer nomeação para a Suprema Corte. A não ser que haja uma pacificação.

Tática 2: cloture
Há um remédio para acabar com um filibuster: a aprovação de uma moção chamada cloture. Essa palavra significa “encerramento, conclusão etc.”. Na terminologia senatorial, ela representa “o único procedimento pelo qual o Senado pode estabelecer um limite de tempo para consideração de um projeto de lei ou outra matéria e, portanto, superar um filibuster”, segundo o site do Senado dos EUA.

Essa moção prevê o encerramento dos debates em, no máximo, 30 horas, após o que a proposta vai à votação. Enfim, é uma espécie de bandeira da paz.

Porém, é uma bandeira que não é fácil de ser hasteada, nas atuais circunstâncias. A aprovação de uma moção de cloture exige o voto de 3/5 do número de senadores. Isto é, são necessários os votos de 60 senadores, uma vez que a Casa tem 100.

O Senado tem 51 senadores republicanos, 46 democratas, 2 independentes (e uma vaga de Louisiana que só será preenchida em dezembro). Ou seja, os republicanos precisam de 9 votos de adversários, entre democratas e independentes (que sempre votam com os democratas), para poder aprovar a moção de cloture. Sem isso, o último recurso é a guerra nuclear.

Tática 3: nuclear option
A tradução de nuclear option é, obviamente, “opção nuclear”. Não é isso que esse recurso significa, no entanto. No Brasil, seria algo como “opção de virar a mesa”, para fazer mais sentido. Mas essa terminologia foi adotada porque, tal como a arma nuclear, ela só pode ser usada como último recurso.

Enfim, a “opção nuclear”, também chamada de “opção constitucional”, é um procedimento que permite ao Senado dos EUA suprimir uma regra ou precedente pela maioria simples de 51 votos — exatamente o que o Partido Republicano tem — em vez de pela “supermaioria” de 60 votos, de acordo com a Wikipédia.

Há precedentes. Em novembro de 2013, os senadores democratas usaram a “opção nuclear” para extinguir filibusters republicanos no processo de nomeação de alguns indicados para o Executivo e também de juízes federais. Mas não usaram o recurso para a nomeação de ministros para a Suprema Corte.

Alguns senadores republicanos já declararam aos jornais que irão aprovar as nomeações de Donald Trump por bem ou por mal. Alguns senadores democratas afirmaram que não haverá nomeações de ministros até 2020. Esse é o clima do momento. No entanto, sabe-se que políticos se especializam em “acordos bipartidários”.

Enquanto isso, as discussões chegam à população que não lê jornais por meio de anúncios na televisão e na Internet. A Judicial Crisis Network, uma organização conservadora/republicana, já investiu meio milhão de dólares em anúncios televisivos, que serão primeiramente transmitidos nos estados de Nova York, Flórida e Washington, defendendo a importância de colocar um juiz conservador no cargo que era ocupado por Scalia.

Antes das eleições, a mesma organização gastou US$ 5 milhões para “explicar” à população as razões pelas quais o Partido Republicano se recusou a sabatinar o juiz nomeado pelo presidente Obama e porque essa escolha deveria ser feita pelo próximo presidente.

E há uma justificativa para a produção dos anúncios: pesquisas de boca de urna, conduzidas pela Edison Research, indicaram que um em cada quatro eleitores consideravam a futura constituição da Suprema Corte o fator mais importante nestas eleições.

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