Dever constitucional

Rosa Weber mantém administração de UTIs no Rio de Janeiro nas mãos do estado

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25 de novembro de 2016, 11h50

Só se pode alegar violação a súmula vinculante no Supremo Tribunal Federal caso a decisão questionada tenha conteúdo constitucional. Com esse entendimento, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, julgou improcedente a Reclamação 15.733, ajuizada pelo estado do Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal de Justiça local que anulou o Edital de Seleção 4/2012.

A ministra apontou que a decisão do TJ-RJ não tem fundamento na inconstitucionalidade da Lei estadual 6.043/2011. A concorrência teve como objetivo a implantação de parcerias, mediante celebração de contratos de gestão com organizações sociais, nas unidades de terapia intensiva (UTI) e semi-intensiva (USI) nos hospitais públicos Albert Schweitzer, Carlos Chagas e Getúlio Vargas.

A 9ª Câmara Cível do TJ-RJ considerou que o edital era inconstitucional, pois a saúde é dever do Estado e direito de todos, conforme o artigo 196 da Carta Magna, e as dificuldades na administração de UTIs e USIs existentes em hospitais tradicionais e antigos do Rio de Janeiro não justificam a transferência da gestão e execução de serviços típicos de saúde para a iniciativa privada, ainda que através de organizações sociais.

Na Rcl 15.733, o governo estadual alega que a decisão do TJ-RJ violou a Súmula Vinculante 10, do Supremo, o qual estabelece que “viola a cláusula de reserva de plenário (Constituição Federal, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

Isso porque, na avaliação do estado, ao declarar a nulidade do Edital 4/2012, a 9ª Câmara Cível do TJ-RJ reconheceu de forma implícita a inconstitucionalidade da Lei 6.043/2011, do Rio de Janeiro, que fundamentou o edital, deixando de aplicá-la ao caso concreto, sem que para tanto tenha observado a regra de plenário e o quórum qualificado previsto na Súmula Vinculante 10.

Ataque errado
A ministra Rosa Weber apontou que, segundo a jurisprudência do STF, somente se a matéria objeto de análise na decisão reclamada comportar conteúdo constitucional é que se poderá cogitar de ofensa à Súmula Vinculante 10. Porém, ela verificou que a decisão do TJ-RJ não tem fundamento na inconstitucionalidade da Lei estadual 6.043/2011.

“Ao contrário: parte do dever constitucional imposto ao Estado de prestar serviço público de saúde com eficiência e qualidade e do reconhecimento da participação das instituições privadas na execução deste serviço, como forma de integrar o sistema único de saúde, desde que sua atuação seja complementar e não uma autêntica substituição da atividade estatal garantidora do direito à saúde a todos”, disse.

De acordo com a relatora, a nulidade do edital foi reconhecida em razão da desconformidade deste com os limites constitucionais e legais estabelecidos para a celebração de contratos de gestão com organizações sociais, que devem prestar a assistência à saúde apenas de forma complementar.

“Não cabe cogitar, pois, na espécie, de contrariedade à Súmula Vinculante 10 a autorizar o cabimento da reclamação, nos moldes do artigo 103-A, parágrafo 3º, da Constituição da República”, sustentou. Além de julgar improcedente a reclamação, a ministra Rosa Weber revogou a liminar que suspendia a eficácia da decisão do TJ-RJ.

Situação complicada
O governo do Rio de Janeiro está em maus lençóis. Apesar de enviar projetos à Alerj para reduzir gastos e promulgar decretos com o mesmo objetivo, algumas das propostas já estão sendo barradas na Justiça. Uma delas é o desconto de até 30% no salário dos servidores estaduais para equilibrar a Rio Previdência.

O projeto, que aumenta a contribuição previdenciária, prevê uma alíquota suplementar de 16% para todos os servidores. Esse adicional, em alguns casos, comprometeria 30% do salário dos funcionários públicos, mesmo os que ganham menos de R$ 5,1 mil, atualmente isentos da taxa. O desconto extra, que duraria por 16 meses, também valeria para aposentados e pensionistas.

Para o desembargador Custódio de Barros Tostes, que suspendeu a tramitação do PL 2241/2016 na Assembleia Legislativa, o alto comprometimento salarial que será imposto em caso de aprovação é preocupante.

“Sem que se adentre em demasia o mérito da causa, tem o condão de causar surpresa, mesmo para quem não seja servidor público, tamanha a sua monta, percentual que, assomado à alíquota do imposto de renda, pode consumir mais da metade das remunerações e proventos dos servidores.”

Além disso, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, criticou, na segunda-feira (7/11), as medidas de austeridade propostas pelo governo do Rio de Janeiro e alertou que a apropriação do Fundo Especial da corte pela administração estadual sucateará a Justiça, inclusive com o fechamento de fóruns.

O desembargador chegou a classificar a atitude do Executivo estadual de “um verdadeiro abraço do afogado”. O desembargador contou que, em 2014, o TJ-RJ emprestou R$ 400 milhões ao governo do Rio de Janeiro, o que permitiu ao governador fechar as contas e tomar posse.

Segundo Carvalho, o empréstimo, cujo valor corrigido chega a R$ 500 milhões, ainda não foi pago, “causando evidente prejuízo ao Poder Judiciário”. Além do empréstimo, o presidente do TJ-RJ lembrou que, em 2015, para ajudar o governo fluminense na superação da crise, encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei conjunto com o Poder Executivo estadual para liberação de valores de depósitos judiciais, que somaram R$ 7 bilhões.

Somados a valores dos precatórios, a quantia liberada atingiu R$ 12 bilhões. O Executivo, por sua vez, se comprometeu a pagar ao TJ valores honrados anteriormente pelo Banco do Brasil e que constituem recursos para custeio do Poder Judiciário, o que não ocorreu, segundo Carvalho, gerando dívida de cerca de R$ 100 milhões.

Para o presidente do TJ-RJ, o governo fluminense não se esforçou para reduzir gastos e evitar o agravamento da crise. “Ao contrário, houve manutenção de despesas expressivas com propaganda, isenções fiscais e nomeação de inúmeros cargos em comissão, como noticiado na mídia, e de gastos também elevados em obras olímpicas.”

Sem dinheiro
A crise financeira do Rio de Janeiro chegou ao seu ápice quando o vice-governador Francisco Dornelles (PP) publicou, em junho, decreto declarando estado de calamidade pública. A medida forçou a União a fazer um aporte de R$ 2,9 bilhões no estado e deu ao poder público o direito de tomar diversas medidas para manter a saúde dos cofres públicos.

Entre as razões citadas para a decisão à época estão as Olimpíadas, a queda na arrecadação com o ICMS e os royalties do petróleo e problemas na prestação de serviços essenciais, como segurança pública, saúde, educação e mobilidade.

O Supremo chegou a determinar que o governo estadual repassasse aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês, os recursos destinados por lei a esses órgãos. 

Há também uma decisão de outubro que obriga o estado a pagar os salários dos servidores até o décimo dia útil de cada mês. Além disso, o governo do RJ está proibido de conceder novas isenções fiscais até que apresente um estudo do impacto orçamentário-financeiro de todos os incentivos tributários já concedidos.

Para voltar a conceder isenções, o governo deverá encaminhar à Justiça do Rio, em 60 dias, a relação das empresas beneficiárias dos incentivos (concedidos como créditos tributários futuros), com informações sobre os benefícios fiscais então vigentes.

Segundo o Tribunal de Contas estadual, o Rio de Janeiro deixou de arrecadar R$ 138 bilhões em ICMS entre os anos de 2008 e 2013. O documento constatou que abrir mão desse valor contribuiu para a crise financeira que o estado vive hoje.

O mais recente Projeto de Lei Orçamentária enviado pelo governo à Alerj prevê mais isenções projetadas para os próximos três anos em R$ 33 bilhões. Só no ano que vem seriam R$ 11 bilhões. O professor Luiz Fernando Prudente do Amaral, do Instituto de Direito Público de São Paulo, pondera que as algumas das medidas amargas são necessárias e estão dentro da legalidade, mas que outras são absolutamente questionáveis.

“Todos imaginavam que a decretação se dava para que os eventos relativos às Olimpíadas fossem realizados a contento. No entanto, as medidas anunciadas pelo governador Pezão apenas demonstram que aquele decreto de calamidade não estava baseado apenas nas Olimpíadas, mas sim numa clara crise econômica pela qual passa o Estado, especialmente em razão de uma série de benefícios fiscais que foram dados e pela diminuição de participação nos royalties do petróleo”, explica. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.

Rcl 15.733

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