Consultor Jurídico

Consequências do grampo telefônico na política e no panorama judicial

25 de novembro de 2016, 14h25

Por Paulo Sérgio Leite Fernandes

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Continuam ecoando na imprensa em geral as consequências de impasse na equipe do presidente da República, com envolvimento do ex-ministro da Cultura e de outro ministro, um de nome Calero, outro de nome Geddel, também demissionário. Este queria a liberação de incorporação de imóvel em zona tombada pelo patrimônio histórico, em Salvador, sabendo-se que Geddel havia adquirido uma unidade no local, em nome próprio ou de terceira pessoa.

Vai daí, o presidente da República teria precisado interferir para solucionar a questão. Acontece que Calero, então ministro da Cultura, teria gravado conversa mantida com o presidente, entregando depois a gravação à Polícia Federal. Esta, de seu lado, teria encaminhado a prova à Procuradoria-Geral da República, havendo os desdobramentos de estilo, na medida em que só o Supremo Tribunal Federal pode autorizar o prosseguimento da apuração do incidente.

O brasileiro, em geral, tem vocação quase psicopática pelo uso de telefones celulares e meios outros de preservação de sons e imagens. Tal compulsão, inclusive, leva muitos profissionais à não utilização de tais formas de diálogo para a preservação de ajustes formais atinentes a negócio jurídicos em geral. O receio de captação indevida de comunicações chegou à Suprema Corte, vendo-se às vezes um ou outro ministro cobrindo a boca com as mãos para evitar eventual leitura labial de suas manifestações privadas com o vizinho.

Pode-se citar, no meio do caminho, acidente processual sério gerado, em Curitiba, por desastrada captação de diálogo entre Dilma, ainda presidente, e Luiz Inácio, perenizada tal prova com desprezo a padrões autorizados em lei. No meio do todo, aparecem exemplos variados de hipóteses análogas, destacando-se o episódio Cerveró x Delcídio, com graves consequências para ambos, embora surgindo benefícios para o primeiro. Funciona sempre a gravação, ambiental ou telefônica, mas há uma espécie de “ratazana de bordel” devorando as intimidades das criaturas visadas.

É possível que o episódio consistente na gravação de conversa telefônica entre o presidente da República e Calero seja superado com a saída de Geddel. Fica o Supremo Tribunal Federal, em qualquer hipótese, com problema grave a interpretar. Sabe-se que a jurisprudência se inclina para a legitimação de gravação telefônica, desde que materializada por um dos interlocutores. Se assim for, Calero estaria praticando direito próprio, embora com odores muito ruins, na medida em que o preservador estaria abusando da confiança do presidente da República (amigo, chefe, correligionário, padrinho político?).

Michel, advogado muitíssimo experiente e, no fim de tudo, criatura a quem não faltam atributos sofisticados, pode ter sido traído na feitura de possível prova, por confiança e afeto. O binômio constitui características superiormente incorporadas nos ancestrais de Temer. Se e quando o estímulo foi este, constitui demérito a mais a quem violou a intimidade do contato.

Tocante à jurisprudência autorizadora da legitimidade de gravações análogas, é bom lembrar que o próprio sabotador pode estar praticando verdadeiro estelionato ético, criando, no diálogo, armadilhas sofisticadas ao interlocutor, visando obter o resultado preordenado. Qualquer curiosidade maior a respeito pode ser satisfeita com exame de decisões postas na RT, volumes 931∕294, 931∕609, 907∕443, 916∕772, 815∕242, 792∕611 e 755∕580, acrescendo-se doutrina de Caio Cesar Vieira e outro (RT 899∕353) e REPRO 168∕291, de Ada Pellegrini Grinover, mais Luiz Francisco Torquato Avolio (RT 608∕47).

De repente, a séria crise econômica abrangendo o país absorve o acontecimento, passando-se borracha no todo. Às vezes é preciso.