Crítica aberta

Mais ousado que Moro, juiz Wendpap bloqueia 3% da receita de Odebrecht e OAS

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24 de novembro de 2016, 14h32

Se a propina de 3% sobre os contratos com a Petrobras que a Odebrecht e a OAS pagavam aos diretores da estatal não “tolhia a libido empresarial” das empreiteiras, o bloqueio desse percentual de suas receitas “há de ser motivo de júbilo na purgação das condutas deletérias que privatizaram ilegitimamente os bens públicos”.

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Friedmann Wendpap é mais direto nas críticas à corrupção do que Sergio Moro e tem estilo mais poético.
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Com esse argumento, o juiz Friedmann Anderson Wendpap, da 1ª Vara Federal de Curitiba, aceitou, nesta quarta-feira (23/11), pedido da União em ação de improbidade administrativa e restringiu bens dessas construtoras. Segundo ele, há “fortes indícios” de que a Odebrecht e a OAS praticaram irregularidades nas refinarias Presidente Getúlio Vargas (PR) e Abreu e Lima (PE) e nos gasodutos Pilar-Ipojuca e Urucu-Coari-Manaus, o que é motivo suficiente para bloquear parte de seus bens.

A União pediu o bloqueio dos bens após as constrições feitas pelo Tribunal de Contas da União terem sido derrubadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio. De acordo com o vice-decano da corte, o TCU não tem poder para tomar esse tipo de decisão.

No despacho, Wendpap citou precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.366.721) que estabelece que, para o bloqueio de bens em caso de improbidade, basta haver “fortes indícios de responsabilidade da prática do ato”, não sendo necessária prova da dilapidação patrimonial.

E, para o juiz, não faltam indícios de que a Odebrecht e a OAS causaram dano à Petrobras e, indiretamente, à União. Menos contido do que seu colega da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, Friedmann Wendpap deixou claro na decisão sua indignação pelo esquema de corrupção revelado pela operação “lava jato”.

Afeito a metáforas e comparações, o julgador apontou que “as cilhas tempranas do dever jurídico e moral de restituírem ao país a riqueza que subtraíram em jocosas transações servirão para denotar que não quedarão como potro folgazão que foge da baia e troteia como se nada houvera acontecido, gazeando enquanto as vítimas do dano laboram para construir boa-fé nas relações políticas, econômicas e jurídicas”. Isso porque “a confiança é virtude social ensejadora da prosperidade”.

Usando retórica religiosa, Wendpap afirma que o arrependimento do pecador “é parte do comportamento que se espera no caminho da redenção”. “O Padre Antônio Vieira dizia que no nascimento somos filhos de nossos genitores e na ressurreição, de nossas obras. Esse é o iter exigível de quem se acumpliciou para o aluimento da democracia. As pessoas físicas e jurídicas que participaram da ruína ética do país têm o dever cívico de obrar pela edificação.”

A seu ver, chegou a hora de o “Brasil institucionalista” prevalecer sobre o “Brasil patrimonialista”. Somente reparando a violação ao consagrado direito de propriedade dos acionistas da Petrobras é que o país ascenderá ao clube das nações do primeiro mundo, argumenta o juiz federal.

“O Brasil que sonha assemelhar-se às democracias europeias, distanciando-se das tragicômicas republiquetas que perpetuam a miséria, deve dizer que a honestidade no trato dos bens públicos é direito fundamental da cidadania. Os acionistas minoritários da Petrobras tiveram seus direitos humanos (artigo 17 da Declaração Universal dos Direitos Humanos) conspurcados pela ilicitude que drenava os recursos da empresa para o enriquecimento de oligarcas políticos e empresariais enquanto empobrecia milhares de vítimas inscientes e incapazes de se defender”.

De forma a garantir essa restauração e evitar que as empresas promovam manobras com seus bens para fugir de sua responsabilidade, Wendpap determinou o bloqueio de 3% da receita total mensal da Odebrecht e da OAS. Na sua opinião, a restrição do mesmo percentual que as empreiteiras pagavam de propina aos diretores da Petrobras é uma espécie de justiça poética.

“Devolverão a César o que é de César em demorada penitência para que se grave na memória empresarial o custo moral e financeiro da promiscuidade entre o poder político e o econômico.”

Esses valores irão para um fundo destinado a garantir a indenização devida à União. Além disso, o juiz federal bloqueou todos os imóveis, “metais e pedras preciosas, obras de arte, antiguidades e objetos raros” e veículos que não sejam necessários às atividades da Odebrecht e da OAS, como barcos, aviões, automóveis para passageiros de quantia superior a R$ 100 mil.

No entanto, Wendpap negou pedidos de se decretar a indisponibilidade do dinheiro das empreiteiras em contas correntes e dos veículos que elas usam no dia a dia, sob o fundamento de que tais medidas afetariam suas operações.

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Renato Duque não poderá vender seus imóveis e joias, nem mexer em aplicações.
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Pessoas físicas
Embora tenha destacado que “os bens de propriedade individual são insignificantes quando cotejados com os valores indicados na exordial”, tal como “seixos ao pé da Serra do Mar”, Friedmann Wendpap também bloqueou imóveis, aplicações e joias do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro.

A justificativa do juiz foi que “de grão em grão” as os valores totais dos danos serão atingidos, e as reparações à União, asseguradas.

Delação explosiva
Havia a expectativa de que, nesta quinta-feira (24/11), os executivos da Odebrecht finalmente assinassem o acordo de delação premiada que vêm negociando desde março. Entretanto, a falta de consenso entre os procuradores da República e os representantes do Departamento de Justiça dos Estados Unidos sobre o valor que será repassado aos norte-americanos atrasou a celebração dos compromissos, conforme o jornal Folha de S.Paulo.

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Léo Pinheiro e a OAS, de quem era presidente, tiveram bens bloqueados.
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Conforme o acordo de leniência que a empreiteira também firmará, ela deverá pagar entre R$ 6 bilhões e R$ 7 bilhões a Brasil, EUA e Suíça (países onde representantes da Odebrecht praticaram crimes) pelos próximos 20 anos. Porém, os norte-americanos querem mais cerca de US$ 50 milhões (R$ 169,6 milhões).

Já as negociações para um acordo de delação premiada da OAS foram suspensas pela Procuradoria-Geral da República após a revista Veja afirmar que o ministro do STF Dias Toffoli havia sido citado por Léo Pinheiro por ter consultado o empreiteiro sobre problemas em sua casa, em Brasília.

Na ocasião, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, atribuiu o vazamento a Léo Pinheiro e disse que a menção a Toffoli era falsa. Contudo, a Assessoria de Imprensa da PGR confirmou que o ministro foi citado pelo empreiteiro nas negociações de sua colaboração premiada.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.
Processo 5025956-71.2016.4.04.7000

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