Relações perigosas

CNJ pune juíza que manteve amizade com réu absolvido por ela mesma

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21 de novembro de 2016, 7h26

Não se pode cogitar boa-fé quando uma juíza mantém relação com um réu absolvido por ela mesma em processo envolvendo tráfico de drogas – incluindo telefonemas, visitas e interação familiar –, ainda que se alegue que tudo decorreu de “uma sucessão de fatalidades”. Mesmo se não ficar comprovado recebimento de propina, a proximidade já fere o decoro da função. Assim entendeu o Plenário do Conselho Nacional de Justiça ao determinar aposentadoria compulsória – pena máxima da magistratura – a uma juíza da Bahia.

Olga Regina de Souza Santiago teve diálogos interceptados quando a Polícia Federal investigou o traficante colombiano Gustavo Duran Bautista, em 2007 – que vivia no Brasil e, seis anos antes, havia sido absolvido pela juíza em uma ação penal. Nos áudios, por exemplo, Olga Santiago agradece por uvas que ganhou de presente de Bautista, e o companheiro dela diz ter ficado triste pelo fato do colombiano não ter ido à casa de praia do casal, onde comeria peixe com banana.

Os autos do processo administrativo disciplinar também indicam que a juíza tentou “limpar” o nome de Bautista, enviando ofício para que a Polícia da Bahia e a Polícia Federal dessem baixa nos registros de antecedentes criminais, e ainda concedeu guarda a um filho dele quando tinha sido removida para uma comarca a 430 km de Juazeiro, onde o colombiano morava. No processo administrativo disciplinar, ela ainda é acusada de ter recebido vantagem indevida, em troca da absolvição, no valor de pelo menos R$ 14,8 mil.

Embora a defesa tenha negado propina – o depósito seria a primeira parcela da compra de uma casa de veraneio, em nome do filho da juíza –, o CNJ concluiu que a “mais inocente e superficial interpretação dos fatos” não justifica o “comprovado envolvimento ocorrido entre ela e o seu companheiro com o hoje conhecido narcotraficante internacional”.

Carona
Olga Santiago afirmou que a aproximação pessoal entre ela e Bautista teve início por acaso, quando o companheiro da juíza deu carona ao advogado dele. Como o parceiro era assessor de desenvolvimento turístico da Prefeitura de Juazeiro, ela considerou natural o contato com “um próspero empresário da região” – o colombiano exportava frutas para a Europa.

Para o relator do caso, conselheiro Norberto Campelo, a condição funcional não justifica as constantes relações entre os envolvidos. Os diálogos, as visitas, a tentativa de “limpar” o nome e até o cuidado de enviar sentença absolutória já transitada em julgado ao advogado de Gustavo Bautista demonstram “uma conduta descabida por parte da processada”, de acordo com o relator.

Segundo Campelo, a Lei Orgânica da Magistratura fixa deveres do juiz e determina que, na vida pública e particular, mantenha conduta irrepreensível. O conselheiro afirmou que investigações demonstram que o colombiano montou “verdadeiro império” com lucros do narcotráfico, usando empresas de importação e exportação para transitar drogas. Ele foi preso em 2007, no Uruguai, quando eram descarregados 500 quilos de cocaína pura em Montevidéu.

A juíza já havia sido afastada de suas atividades desde a abertura do processo disciplinar no TJ-BA, em 2008. Mesmo já aposentada por invalidez, a decisão do CNJ deve levar à revisão do benefício recebido, com proventos proporcionais ao tempo de serviço. O acórdão também será encaminhado ao Ministério Público.

A defesa negou irregularidades e, apesar de ter reconhecido “não ser natural” contatos entre uma juíza e um sentenciado, disse que raros diálogos foram feitos diretamente, pois a maioria das conversas citadas envolvem seu companheiro. Olga Regina ainda responde a ação penal, acusada de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

PAD 0006111-73.2013.2.00.0000

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