Falta denúncia

Acusações contra Palocci e Kontic são falácia processual, diz defesa

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21 de novembro de 2016, 22h04

Uma falácia processual repleta de incongruências e lacunas. É assim que os advogados do ex-ministro Antonio Palocci e de seu ex-assessor Branislav Kontic resumem a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal. Os dois, representados pelo José Roberto Batochio Advogados Associados, são acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por suposto favorecimento ao grupo Odebrecht.

Agência Brasil
Defesa de Antonio Palocci diz que acusações do MPF são falácia processual.
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Para a banca, os procuradores tentam, de todo modo, fazer caber uma acusação onde não há nada. Como exemplo, a defesa cita a denúncia relacionada à lavagem de dinheiro. Na resposta à acusação, os advogados afirmam que não há como denunciar uma pessoa por esse crime se o objeto do branqueamento de capitais vem da prática anterior.

Seria uma espécie de dupla acusação pelo mesmo crime, segundo os profissionais. “Não há como se tentar o milagre da ‘multiplicação dos pães’ para, em face de uma conduta única e incindível atomizá-la, forçadamente, para se fabricarem outros delitos e se agravar, por clonagem ou clivagem, a situação de quem se está acusando… Não é certo, jurídico nem aceitável!”

Dizem ainda que, se os fatos apontados pelo MPF realmente tivessem ocorrido, o fato seria considerado crime de “autolavagem, que não consubstancia fato típico na legislação pátria”. Na denúncia de lavagem de dinheiro, Palocci e Kontic são acusados de terem enviado US$ 10,2 milhões aos publicitários João Santana e Mônica Moura em contas no exterior.

Santana e Mônica foram os responsáveis pela campanha presidencial de 2014 da ex-presidente Dilma Rousseff. O dinheiro para pagamento, segundo o MPF, veio de um contrato para fabricação de sondas firmado entre a Odebrecht Óleo e Gás e a Petrobras.

Nesse ponto, o escritório afirma que o MPF não detalhou como o dinheiro foi enviado, o que, para ele, significa que “tudo não passa de presunção, suspicácia de baixa extração, conjectura, reles ‘achologia’”. A banca também questiona o fato de os supostos pagamentos feitos por seus clientes terem ocorrido antes que o contrato de sondas fosse assinado pelas empresas.

Os advogados afirmam haver incongruências também em relação aos valores supostamente transferidos por seus clientes. Eles ponderam que na lista encontrada pela Polícia Federal nas diligências na Odebrecht há anotações de que Feira (codinome suado para ser referir ao publicitário João Santana) teria recebido US$ 10 milhões.

“A menos que os investigadores da Lava Jato hajam revogado também a certeza da exatidão da ciência dos cálculos e, a continuarem assim, poderão chegar ao perigo da derrogação da Lei da Gravidade… Passarão a flutuar, então, como plumas soltas à brisa, por toda parte, suas originais “convicções”, mesmo quando em aberto confronto com a realidade!”, criticam os advogados.

Estaleiro Enseada do Paraguaçu
Na denúncia, o MPF afirma que Palocci atuou em favor da Odebrecht para que o estaleiro Enseada do Paraguaçu, que pertence à companhia, fosse contratado pela Petrobras para fabricar sondas. Os advogados do ex-ministro consideram essa acusação um sofisma.

“Tudo orbita na penumbra indevassável do hermetismo acusatório, Esfinge ávida de devorar vidas e biografias a desafiar os mais habilidosos criptógrafos”, dizem os advogados para justificar a inépcia da denúncia contra Palocci. Eles reforçam que o MPF não apresenta qualquer prova ou indício de interferência de seu cliente para a conclusão do negócio entre a Petrobras e a Odebrecht.

A banca lembra ainda que Palocci é mencionado em depoimentos como responsável por “dar sustentação” ao ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco e a João Ferraz na Sete Brasil — empresa constituída para gerir as contratações de navios e sondas pela Petrobras para explorar o pré-sal. “Pode haver algo mais lacônico, vago e indefinido do que se afirmar que alguém possa ‘dar sustentação’ ao que quer que seja?”

Os advogados de Palocci também destacam depoimento de João Ferraz — presidente da Sete Brasil entre 2010 e 2014 —, que negou qualquer participação do ex-ministro no caso. “O Palocci não participou, a meu ver, ele não participou da indicação, se participou eu desconheço, por que eu fui informado, em nenhum momento ele falou comigo, antes da minha indicação, mesmo por que eu não o conhecia, é”, afirmou Ferraz. “Ele nunca prometeu, diferente do Vaccari, ele nunca prometeu que ia interferir a meu favor, nunca aconteceu isso, nunca, a gente não tinha essa, esse canal de conversa não fluía, não era assim que a conversa se dava, mas com o Vaccari sim, com Vaccari houve explicitamente essa questão.”

Italiano e MP 460
Para o MPF, Palocci é o “dono” do codinome Italiano, encontrado em planilhas da Odebrecht. Mas o escritório diz que não. A banca alega ser impossível a conexão, pois os dois são citados nos mesmos e-mails em situações totalmente diferentes.

Segundo os advogados, o MPF se contradiz para tentar fazer valer sua denúncia, principalmente porque, nos e-mails internos da Odebrecht, o ex-ministro é citado por seu sobrenome ou por suas iniciais (AP). “É bizarra ou então de má-fé a interpretação de que se usava o codinome “Italiano” para esconder a identidade de Antonio Palocci Filho, mas, ao mesmo tempo todos a ele se referirem como “Palocci” ou “AP”… Alguém pode, por favor, explicar?”

“Seria linguagem cifrada lusitana? Agente secreto 'Morruga' com distintivo na lapela? Ora, francamente, só mesmo com… má-fé ou 'fervor missionário' fundamentalista!”, complementa a defesa, citando, inclusive, diferenças de horário entre e-mails relacionados a reuniões entre representantes da empreiteira com Palocci e com Italiano.

“Como processo penal não é cabala ou questão de convicção fundamentalista ou mesmo de fé, fiquemos nas leis da biologia e da física para deixar patenteado que constitui nonsense se esconder a identidade atrás de um nickname, em um codinome, e, no mesmo texto ou e-mail, se escrever o verdadeiro nome da pessoa que se quer ocultar… Ser duas pessoas em uma só é impossível! Haja paciência!”, dizem os advogados.

Também é mencionado pelo escritório um e-mail do próprio Marcelo Odebrecht. No texto, o empreiteiro afirma que tentou se encontrar com Italiano na posse da ex-presidente Dilma Rousseff, mas diz que não foi possível porque ele não foi. Por outro lado, na mensagem, há uma foto com a ex-presidente, Palocci e o ex-ministro e ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo.

“Não é porque a autoridade policial 'acha' que o Acusado é o tal 'italiano' que esse texto justificaria o que é absolutamente irretratável: Palocci estava presente na diplomação! Portanto, 'Italiano' não é “Palocci” e, C.Q.D., o teorema fica equacionado!”, afirmam os advogados.

Palocci também é acusado pelo MPF de ter atuado no Congresso Nacional pela aprovação da Medida Provisória 460, que dava benefícios fiscais a empresas. O dispositivo chegou a ser aprovado, mas foi vetado pela Presidência da República tempos depois. Porém, ressalta a banca, seu cliente, enquanto deputado federal, votou contra a aprovação do texto.

Branislav Kontic
Os advogados afirmam que a falta de robustez da denúncia contra Branislav Kontic está, principalmente, na ausência de detalhamento do crime na denúncia, que tem 130 páginas. “A insuficiência, a desnutrição, a anemia, a caquexia, é, em verdade, substancial e não apenas de forma. É que não há lastro fático legitimador da pretensão punitiva posta em juízo.”

A banca ainda apresenta a suposição de que seu cliente tivesse cometido os fatos de que é acusado. Segundo Batochio, caos os atos tivessem mesmo sido cometidos, a prisão preventiva de Branislav Kontic — que vigora desde 26 de setembro — seria infundada, pois ele seria um mero assistente, que é inclusive o posto dado pelo MPF ao acusado.

Nas denuncias, Kontic é citado como “subordinado”, “auxiliar” e “assessor”. “O que denota que, se verdadeira fosse a imputação — o que se admite para argumentar —, sua participação nos fatos seria de somenos, resumir-se-ia ao encaminhamento de e-mails, agendamento de reuniões e transmissão de recados. Nada além disso.” “Sua prisão cautelar é uma teratologia, uma violência injustificável”, dizem os advogados ao questionar a periculosidade atribuída a Kontic pelo MPF.

Arranjo da acusação
O escritório também não poupou o senador cassado Delcídio do Amaral, a quem classificou de “colaborador de plantão” e “coringa para qualquer jogo de delação”. A banca questiona o retorno do ex-parlamentar à PF 12 dias depois dos depoimentos de seus clientes.

“Guardando essa heterodoxa providência o caráter de manobra ressuscitatória dos adminículos mortos”, diz o advogado, afirmando que esse ato “consubstancia produção unilateral de ‘prova’ indiciária fora do inquérito”. “Tratar-se-ia uma espécie de hedge (seguro) acusatório?”

Há ainda o questionamento, pela banca, do fato de Delcídio do Amaral ter aparecido como testemunha do MPF. “Alguém aqui por acaso é néscio ou desavisado para não identificar de pronto o condenável propósito de se contornar o contraditório constitucional com o escopo de se garantir o teor de um depoimento que sabe Deus em que condições foi colhido?”

Os advogados afirmam que essa foi uma manobra da acusação. “Então esse, digamos assim, “açodamento” acusatório significa exatamente o quê? A intenção de fossilização processual de uma versão construída às costas da Defesa técnica e sem o controle do juiz da cognição?”

Clique aqui para ler a resposta à acusação.

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