Segunda Leitura

Cortesia influi no sucesso ou fracasso nas profissões jurídicas

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20 de novembro de 2016, 9h40

Spacca

Houve tempos em que a forma de tratamento de terceiros ocupava uma parte na educação dos filhos. Não por acaso, anúncios de emprego solicitavam  “moça de fino trato” e frases mordazes definiam alguém como mal educado, dizendo “não tem berço”. A preocupação era tão grande que livros[i] ensinavam regras de etiqueta, como o uso de talheres à mesa ou de roupas para cada situação.

O século XXI lançou por terra a maioria absoluta dessas regras sociais de convivência. No entanto, a importância da maneira das pessoas interagirem sempre foi e sempre será da máxima relevância. Não é a toa que no distante ano de 1647 o padre jesuíta Baltazar Gracián lançou a obra A arte da prudência,[ii] que dá orientações práticas de como sobreviver na sociedade, a maior parte delas aplicável em nossos dias.

No Brasil, em tempos mais recentes, a cortesia foi elevada de simples regra de educação para o luxuosa posição de princípio[iii] e regra legal, e.g., a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que no artigo 43, inciso IX, dispõe ser dever de seus membros tratar as partes com urbanidade. Isto só é bom na aparência, porque acaba não sendo exercida de forma voluntária, gera direitos e deveres e a relação perde a naturalidade que dela se espera.

Muito embora possam haver divergências sobre como devem dar-se as relações humanas, há uma convergência absoluta para a conclusão de que elas influenciam diretamente no sucesso ou fracasso profissional de uma pessoa. E se isto se dá para a vida em geral, dá-se, também, para as profissões jurídicas. Vejamos uma série de situações fáticas, com o registro de que os exemplos são tirados de casos da vida real, muito embora possa haver alterações nos detalhes. Aí estão:

a) Na faculdade, amizade e bajulação: no passado alunos aproximavam-se dos melhores professores, deles tornavam-se amigos e absorviam não apenas as lições de Direito, mas também de vida. Atualmente, há uma certa confusão entre ser cordial ou bajulador e por isso muitos alunos mantêm-se afastados dos mestres. Por exemplo, o professor mais idoso atrapalhava-se com os aparelhos eletrônicos e nenhum se oferece para ajudá-lo. Ajudar seria delicadeza e não bajulação. Às vezes a relação descamba para o direito do consumidor, exigindo o aluno que se faça isto ou aquilo porque paga o salário do professor. Este retrai-se, cumprirá o exigido, mas não dará um passo além da sua obrigação.

b) Hierarquia na carreira: vivemos tempos de transformação na hierarquia, hoje mais horizontal. Mas suponha-se que o delegado-geral de Polícia visite uma região e que se marque um almoço. A presença dos delegados é um dever não escrito. A ausência é um ato de desprezo ao superior hierárquico que se sentirá desprestigiado. Ainda que não possa ser sancionada formalmente, evidente que o ausente será sempre lembrado sem nenhuma simpatia e da mesma forma avaliado tudo o que ele requeira administrativamente.

c) Informalismo: o formalismo nas profissões jurídicas deve ser adequado aos tempos atuais, sem exageros. No entanto, não deve ser abolido totalmente, porque as reações podem ser imprevisíveis. Por exemplo, se o advogado formou-se com o juiz, ao encontrá-lo em uma audiência não deve tratá-lo informalmente, porque irá expô-lo perante a parte contrária. Esta pensará, simplesmente, que perderá a causa porque a intimidade demonstrada revela ausência de imparcialidade.

d) Uso de palavras e entonação de voz: a mesma frase, dita de formas diferentes, pode surtir efeitos diversos. Imagine-se um diálogo entre dois advogados em tentativa de conciliação. Um formula proposta indecente e o outro responde enfaticamente: “não aceitarei qualquer proposta que prejudique meu cliente”. Pronto, porta fechada. Mas se disser: “meu cliente está aberto a proposta, mas não terá como aceitar a que foi oferecida; todavia, concordaria com o dobro”. O caminho está aberto para a aproximação.

e) O ator principal: na vida desempenhamos diversos papéis. Não raramente, um está na posição de comando e, portanto, é o ator principal. É inoportuno procurar mostrar-se mais inteligente ou culto que ele e, certamente, vai gerar antipatia. Por exemplo, o aluno em sala de aula que, a cada referência do professor, consulta o celular, descobre um acórdão recente e na hora deixa público que o professor não está atualizado. Óbvio que desagradará. Depois não entenderá bem porque a sua nota foi aquém do que esperava.

 f) WhatsApp: esse meio atual de comunicação permite comunicação mais ágil. Todavia, a divergência de opiniões pode gerar conflitos. Demonstrar publicamente o erro de um interlocutor, por vezes humilhando-o, é iniciativa totalmente inadequada. Quem ofende esquece, mas quem foi ofendido sempre se lembra. Pode vir troco através de outra via, muito tempo depois.

g) Celular: o advogado vai entregar o memorial ao desembargador , no meio da exposição de sua pretensão, toca o celular e ele atende. Mesmo que seja por uma fração de segundo, a interrupção é uma indelicadeza. Dela pode resultar má vontade e desta a negativa. Celular deve estar desligado.

h) Sustentação oral: o advogado está sustentando oralmente e o desembargador conversa com o colega. Óbvia a indelicadeza. Prestar atenção é dever de ofício e o descumprimento, mesmo não tendo consequência direta ao autor, criará um clima de revolta desnecessário.

i) Agradecer livros: a falta de tempo tem feito as pessoas se esquecerem desta regra mínima. Exemplo: A doou um livro para o filho de B, que entrou na faculdade de Direito. B agradeceu mas o estudante não se preocupou em dar um telefonema ou mandar um e-mail agradecendo. Seis meses depois B pede a A que consiga um estágio para o filho. Óbvio que não foi atendido, a descortesia do jovem desestimulou A dar qualquer ajuda.

j) Convites: posse em cargo público, lançamento de livro, defesa de banca de mestrado e outras conquistas costumam gerar convites. Quem manda tem a expectativa de ter o destinatário naquele momento feliz de sua vida. Mas o destinatário não vai, não telefona, não manda mensagem pelo Facebook, nada. Óbvio que o convite foi o último e que não haverá boa vontade dali para a frente.

k) Excesso de confiança: um procurador da República procurando demonstrar oralmente sua posição poderá dizer ao juiz que decidiu prender alguém ou algo semelhante. Sua excessiva confiança poderá resultar em resposta lembrando-o que ele não prende ninguém, pois este ato é privativo do juiz. Animosidade desnecessária por causa de uma frase pretenciosa.

l) Roupa também é comunicação: o diálogo e seus efeitos não se limitam às palavras. As roupas também transmitem mensagens, às vezes explícitas. Um juiz que, no horário de expediente na sua Vara, se apresenta de jeans desbotado, camiseta branca e tênis sem meia está transmitindo seu desprezo pela instituição que representa e estimulando os servidores e os operadores do Direito que nela circulam a procederem da mesma forma. A sua conduta pode gerar um ato de desrespeito a um juiz de outra Vara. E mais. O usuário de trajes inadequados certamente não será lembrado para qualquer atividade além da Vara, como direção do foro, comissões, aulas, etc.

m) Cumprir horário: o advogado agenda horário com o juiz, mas acaba sendo atendido horas depois. Errado. Por vezes, uma visita atravessa a lista dos que esperam e se esquece de sair da sala do juiz. Este tem que saber administrar a sua agenda e, inclusive, lembrar ao animado visitante que tem gente aguardando na sala ao lado. E quando o que esperou além da hora entrar, pedir desculpas pelo atraso.

n) Saber negar: quem tem poder de mando tem que negar, faz parte. Mas a negativa pode ser dita de forma abrupta (e.g., o requerimento feito é uma verdadeiro absurdo, porque…”) ou suave (e.g., o requerimento feito trata de tema realmente importante, todavia, no momento presente, não há como ser deferido, porque …). Quem pediu nunca ficará satisfeito, mas na primeira hipótese possivelmente se tornará um inimigo.

Do que foi dito não deve ser extraída a conclusão de que sejamos dissimulados, falsos, mas sim apontar, principalmente aos mais novos, que no mundo do Direito as relações humanas podem ser decisivas no sucesso ou no fracasso, ocupando a cortesia importante papel na busca do sucesso e da felicidade pessoal.

 


[i] José Tavares de Miranda, Boas maneiras e outras maneiras, Ed. Best Seller, 1965.

[ii] Baltazar Gracián, A arte da prudência,. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2009.

[iii] SILVA, Alexandre de Azevedo. Disponível em : http://www.arpensp.org.br/websiteFiles/imagensPaginas/File/BASE_DADOS-Alexandre-de-Azevedo-Silva.pdf. Acesso em 14/07/2008.

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