Opinião

Assim como educação, repressão é importante no combate à pirataria

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  • Ygor Valério

    é vice-presidente Jurídico e de Proteção a Conteúdos para a América Latina da Motion Picture Association of America.

19 de novembro de 2016, 9h28

Os êxitos na repressão à pirataria de conteúdo são sempre acompanhados de uma enraizada cantilena segundo a qual a peleja seria inútil, porque medidas desse tipo se equiparariam às investidas contra a mitológica Hidra Lerna. Ao cortar-se uma de suas cabeças, a besta produzia logo duas em seu lugar, assim como – entoa a cantilena – se passaria com aplicações dedicadas à pirataria online. Trata-se de alegoria atraente, mas incompatível com a realidade.

A Operação Barba Negra II da Polícia Federal, deflagrada em outubro passado, retirou do ar os três maiores websites de streaming ilegal de conteúdo audiovisual do Brasil. Juntos, recebiam um total aproximado de 768 milhões de visitas anuais, o que, segundo mapa de monitoramento da MPA-AL atualizado trimestralmente, representa nada menos do que 45% do total de visitas a websites desse gênero em território brasileiro. A primeira fase dessa mesma operação, levada a cabo em novembro de 2015, já desmantelara outro serviço semelhante, que, sozinho, contava com 720 milhões de visitas anuais.

Essas métricas revelam o início das incompatibilidades com o mito greco-romano: as cabeças dessa suposta Hidra de Lerna têm tamanhos desproporcionalmente distintos, sabendo-se que uma investida contra as maiores gera interferência considerável no funcionamento do ecossistema da pirataria.

Além disso, com exceção de um dos quatro websites atingidos pelas duas fases da operação, todos existiam na rede há pelo menos 6 anos, de modo que a construção de um gigante, em termos de números de acessos, muito raramente se faz da noite para o dia – é dizer, se nascem novas cabeças, sua lesividade normalmente é função de seu tempo de existência. Quanto mais rápida for a ação contra novas cabeças vicejantes, menor a probabilidade de que venham a se tornar verdadeiramente relevantes no cenário geral de pirataria online em que menos tráfego significa menos lucro, e menos lucro significa menos interesse.

Por fim, o amplo conhecimento a respeito da desativação dos sites e a cobertura do fato pela imprensa fez cumprir a chamada pretensão preventiva da norma penal, que é o desestímulo geral à conduta tipificada como crime, o que se extrai do fato de que cerca de 30 websites do mesmo tipo saíram espontaneamente do ar nas últimas duas semanas, o que significa que a investida contra uma das cabeças da Hidra significa, na verdade, a aniquilação de várias outras, e não sua proliferação.

Apesar de o senso comum dizer que a pirataria é um fenômeno puramente cultural a ser tratado apenas com medidas educativas, essa opinião deixa de considerar o fato de que, especialmente em sua etapa de distribuição, a pirataria é uma empreitada bastante lucrativa. Se não se pode dissuadir o contrabandista ou o traficante de impulsionar seu próspero negócio ilícito apenas mostrando-lhe o mal que sua atividade causa ao país ou à saúde pública, tampouco haverá almas convertidas que abandonarão milhões de dólares angariados com sites piratas em nome do respeito à criação autoral ou à saúde fiscal do estado. Eis um dos papéis desempenhados pela repressão no conjunto amplo de estratégias de proteção a conteúdos: transmitir ao empresário do crime a percepção do risco legal de sua atividade.

Sem prejuízo do recente sucesso da atuação das autoridades, é importante consignar que há, ainda, um longo caminho a percorrer no Brasil, especialmente no que diz respeito a sites e aplicações hospedadas fora do país e cujos responsáveis se encontram no estrangeiro. Somente os sete maiores websites internacionais de arquivos Bittorrent dedicados ao compartilhamento de conteúdo pirata, entre eles o ThePirateBay.org, recebem por volta de 370 milhões de visitas anuais partidas de território brasileiro.

Nesse sentido, é importante que as medidas legislativas propostas pela CPI dos Crimes Cibernéticos para regulamentar as possibilidades de bloqueio de sites e aplicações no Brasil recebam o apoio da sociedade civil interessada em permitir que a jurisdição brasileira, prejudicada nessas matérias, possa se valer de instrumentos internos, nacionais, para combater a criminalidade na rede. É o que fazem países como Argentina, Reino Unido, França, Finlândia, Itália e Nova Zelândia, entre diversos outros.

Apesar da demonstrada improcedência da comparação, lembremos que mesmo a assustadora fera mitológica do lago de Lerna encontrou pela frente o seu algoz, um Hércules, rival à sua altura. O combate à violação de direitos autorais na rede é possível, especialmente se combinado com a crescente disponibilidade de conteúdo legítimo na rede a preços acessíveis a todos, realidade já nem tão nova no panorama brasileiro.

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