Opinião

Carf não pode servir apenas para ratificar procedimentos fiscalizatórios

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13 de novembro de 2016, 9h11

A operação zelotes, da Polícia Federal, foi iniciada em 26 de março de 2015, com o objetivo de desarticular uma organização suspeita de fraudar julgamentos de processos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do Ministério da Fazenda. Deflagrada com 41 mandados de busca e apreensão — 24 em Brasília, 16 em São Paulo e um no Ceará —, a operação ainda está em andamento e já levou ao indiciamento e à condenação de várias pessoas em razão das fraudes cometidas.

O Carf é o tribunal administrativo que julga todos os autos de infração e processos administrativos que envolvem tributos federais. Tramitam hoje, nesse tribunal, mais de dez mil processos que envolvem cifras de bilhões de reais. Ele é composto por conselheiros julgadores, com representantes do Ministério da Fazenda (auditores fiscais) e representantes indicados pelas entidades de classe, como, por exemplo, a Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O processo administrativo fiscal está previsto no artigo 5º, LV da Constituição Federal, como garantia do devido processo legal. Assim, não pode ser alterado sequer por meio de Emenda Constitucional. De tal modo, não se limita ao conjunto de atos do procedimento. Não pode, portanto, ser uma mera repetição de atos processuais da autoridade administrativa (fiscal), como uma autoridade apenas com poderes de homologação dos atos da fiscalização.

O devido processo legal, por ser um princípio constante dos direitos fundamentais, só pode ser efetivado se forem atendidos todos os seus pressupostos e elementos capazes de proporcionar o contraditório, a isonomia e a ampla defesa, entre outros, assegurando-se a formação da livre convicção dos julgadores, sejam eles representantes da fazenda ou dos contribuintes.

Algumas vezes, a sessão ocorre com número par de julgadores e, inclusive com o empate entre os votos dados a determinado caso. Como solucionar então? Apresenta-se assim a figura do “voto de qualidade”, que consiste na previsão regimental que assegura ao presidente da Turma Julgadora (sempre um representante da Fazenda), proferir mais um voto, na hipótese de ocorrer empate entre os Conselheiros.

Além do despropositado e desigual voto de qualidade, tem-se ainda algumas arbitrariedades e, até mesmo, o descumprimento do próprio Regimento Interno do Carf, em desfavor ao contribuinte, prejudicando-o de forma drástica, como no exemplo que se segue, ocorrido em recente sessão de julgamento.

O processo em questão tinha como objeto o lançamento de multas por ausência de retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e foi colocado na pauta de julgamento em data anterior, ocasião em que também estava previsto — e ocorreram —, o julgamento  de outros dois processos com o mesmo objeto (de outras empresas).

No julgamento desses dois processos, os contribuintes foram vencedores da demanda, com quatro votos favoráveis e três contrários, sendo que um dos votos favoráveis foi dado por um representante do Ministério da Fazenda.

Já no caso relatado, que seria julgado imediatamente após os outros dois, ocorreu um fato, no mínimo estranho, para não dizer questionável. O processo foi inexplicavelmente retirado de pauta pela presidente substituta da Turma Ordinária da Câmara. Explicação? Não houve…

O Regimento Interno do Carf prevê em seu artigo 56, parágrafos 1º e 2º, que, quando o processo for retirado de pauta pelo presidente, o mesmo será incluído na pauta da próxima sessão. Contudo, não foi o que aconteceu. O processo somente foi levado novamente a julgamento na quarta sessão posterior, com composição de banca julgadora diversa daquela que participara da sessão anterior e que decidira favoravelmente à empresa em processo exatamente igual, todos conduzidos pelo mesmo escritório. E, observem, com composição diversa daquela que votou favoravelmente à empresa na data em que o mesmo foi retirado da pauta. O representante da empresa fez uso do expediente de falar e reiteradamente citou as decisões tomadas nas situações análogas pelos julgadores anteriores.

Nessa sessão de julgamento, com a participação de oito conselheiros (quatro representantes da Fazenda e quatro representantes dos contribuintes), o julgamento do caso em tela recebeu quatro votos favoráveis e quatro contrários, tendo ocorrido o desempate pelo “voto qualificado” da presidente substituta, que incisivamente tentava demover os conselheiros que estavam se mostrando favoráveis à questão. Ora, além de ter descumprido o Regimento Interno, entendemos que caberia à presidente substituta ter justificado a retirada do processo da pauta de 28 de janeiro de 2016, conforme determina o parágrafo 1º do artigo 56 do Regimento Interno do Carf.

Acrescente-se, finalmente, que os argumentos aqui mencionados se voltam unicamente para as práticas contrárias à lei e ao próprio regimento em detrimento do devido processo legal, notadamente à isonomia entre as partes, o que em nada se assemelha com as práticas suspeitas e que vem sendo apuradas pelo Ministério Público Federal e punidas pelo Judiciário.

O que não pode ocorrer com o Carf é que deixe de cumprir o seu papel e não funcione apenas como uma segunda instância fiscal, ratificadora dos procedimentos fiscalizatórios originários. O contorcionismo às vezes empregado (notadamente nos autos de grande valor) pela Fazenda Pública, na interpretação da legislação, de modo a justificar seus votos e manter o suposto débito a qualquer custo, é inaceitável e fere o devido processo legal.

Da forma como vem sendo adotado, o malsinado voto de qualidade implantado no âmbito do Carf dificilmente será proferido a favor dos contribuintes, mesmo que a matéria seja inequivocamente clara na legislação e na jurisprudência, assim como no exemplo citado, nem mesmo quando a própria turma julgadora tenha decidido favoravelmente aos contribuintes em casos análogos.

O que se deve pretender é a eficiência no julgamento administrativo. Soluções justas, isonômicas e coerentes poderiam ser aplicadas na hipótese de empate nos julgamentos. Uma sugestão seria a de convocar dois conselheiros suplentes (um da Fazenda e outro dos contribuintes) para acompanhar as sessões e, havendo empate de votos, um deles seria sorteado na presença do contribuinte (ou de seu representante) e do procurador da Fazenda, para proferir o voto de desempate.

Caminhos há, percorrê-los requer coragem, isonomia e coerência!

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