Retroagir é inconstitucional

Para Defensoria do Rio, mudar valor da RPV interfere em direito adquirido

Autor

12 de novembro de 2016, 12h28

Reduzir de 40 para 15 salários mínimos as Requisições de Pequeno Valor (RPVs) e aplicar isso aos processos que estão em curso interfere em direito adquirido e é inconstitucional. Foi o que concluiu a Defensoria Pública do Estado em uma análise sobre a proposta enviada pelo Poder Executivo à Assembleia Legislativa fluminense, dentro do pacote de austeridade, na última sexta-feira (4/11). 

As RPVs são dívidas dos estados oriundas de condenações na Justiça. O teto de 40 salários mínimos foi estabelecido no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mas pode ser alterado por lei estadual ou federal. No estudo, porém, os defensores Elisa Cruz e Franklyn Roger Alves alegam que essa mudança não pode abranger as dívidas já em fase de cobrança – que é justamente o que o projeto pretende. 

Se o projeto de lei for aprovado, as RPVs acima de 15 salários mínimos que ainda se encontram pendentes de quitação terão de ser pagos como precatórios – o que pode levar anos. Segundo dados o Conselho Nacional de Justiça, em junho de 2014, a União, os estados e os municípios acumulavam uma dívida de R$ 97,3 bilhões em precatórios emitidos pelas Justiças estadual, federal e trabalhista.

No estudo, os defensores explicam que a RPV é expedida ao final da fase do processo de conhecimento, e a cobrança é feita em outra etapa da ação, chamada de execução. O beneficiário desse crédito passa, portanto, a ter um direito adquirido, nos termos da Constituição de 1988. Ao tentar mudar isso, o PL acaba por violar a Lei Maior. 

"Não pode a lei posterior à propositura da execução, quando a parte define o valor a ser executado decorrente de eventual renúncia, alterar a sistemática do pagamento, pois estaria interferindo em direito já adquirido e em ato jurídico processual praticado com finalidade de antecipar a obtenção do crédito", ressaltam os defensores no estudo técnico.

O estudo da Defensoria diz que é evidente o prejuízo causado pelo PL, “primeiro pela renúncia frustrada do crédito e segundo pela inscrição em precatórios quando o intento da parte credora era o RPV”. 

"A fim de assegurar justiça material, melhor será promover a alteração do artigo 3º do projeto de lei para fixar que o novo valor máximo para RPV de 15 salários mínimos deverá ser aplicado apenas às execuções iniciadas após a aprovação do projeto de lei, preservando a confiança legítima das partes e, em última análise, a segurança jurídica", sugerem os defensores no Estudo.

Lidando com a crise 
A mudança nas RPVs é um dos 22 projetos de lei apresentados pelo governo do estado para combater a crise financeira. Umas das justificativas do governo fluminense é a queda das receitas com royalties e ICMS. O executivo estadual alega que as verbas vindas do petróleo caíram 33% em relação a 2014 e que o imposto sobre mercadorias caiu 11,08% e 9,93% nos meses de fevereiro e junho de 2015, respectivamente, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Sem dinheiro
A crise financeira do Rio de Janeiro chegou ao seu ápice quando o vice-governador Francisco Dornelles publicou, em junho, decreto declarando estado de calamidade pública. A medida forçou a União a fazer um aporte de R$ 2,9 bilhões no estado e deu ao poder público o direito de tomar diversas medidas para manter a saúde dos cofres públicos.

Entre as razões citadas para a decisão à época estão as Olimpíadas, a queda na arrecadação com o ICMS e os royalties do petróleo e problemas na prestação de serviços essenciais, como segurança pública, saúde, educação e mobilidade.

Supremo chegou a determinar que o governo estadual repassasse aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês, os recursos destinados por lei a esses órgãos. A decisão foi do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.

Há também uma decisão de outubro que obriga o estado a pagar os salários dos servidores até o décimo dia útil de cada mês. Além disso, o governo do RJ está proibido de conceder novas isenções fiscais até que apresente um estudo do impacto orçamentário-financeiro de todos os incentivos tributários já concedidos.

Para voltar a conceder isenções, o governo deverá encaminhar à Justiça do Rio, em 60 dias, a relação das empresas beneficiárias dos incentivos (concedidos como créditos tributários futuros), com informações sobre os benefícios fiscais então vigentes.

Segundo o Tribunal de Contas estadual, o Rio de Janeiro deixou de arrecadar R$ 138 bilhões em ICMS entre os anos de 2008 e 2013. O documento constatou que abrir mão desse valor contribuiu para a crise financeira que o estado vive hoje.

O mais recente Projeto de Lei Orçamentária enviado pelo governo à Alerj prevê mais isenções projetadas para os próximos três anos em R$ 33 bilhões. Só no ano que vem seriam R$ 11 bilhões. O professor Luiz Fernando Prudente do Amaral, do Instituto de Direito Público de São Paulo, pondera que as algumas das medidas amargas são necessárias e estão dentro da legalidade, mas que outras são absolutamente questionáveis.

“Todos imaginavam que a decretação se dava para que os eventos relativos às Olimpíadas fossem realizados a contento. No entanto, as medidas anunciadas pelo governador Pezão apenas demonstram que aquele decreto de calamidade não estava baseado apenas nas Olimpíadas, mas sim numa clara crise econômica pela qual passa o Estado, especialmente em razão de uma série de benefícios fiscais que foram dados e pela diminuição de participação nos royalties do petróleo”, explica.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!