Liberdade de imprensa

Condenado duas vezes à prisão, jornalista ainda é réu pela mesma notícia

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12 de novembro de 2016, 9h39

A mesma notícia sobre uma denúncia contra três empresários na Bahia já rendeu duas condenações à prisão e mais um processo contra o jornalista Aguirre Talento. Todas as queixas-crimes o acusam de difamação, com petições redigidas de forma semelhante, e foram distribuídas no dia 2 de junho de 2011, assinadas pelo mesmo advogado e hoje nas mãos do mesmo juiz.

Em reportagem publicada em 2010 no jornal A Tarde, Talento relatou acusação do Ministério Público Federal por supostos delitos ambientais na construção de um parque tecnológico em Salvador, quando foram denunciados os donos e diretores da empresa Patrimonial Saraíba. O problema é que, segundo a reportagem, o documento pedia a prisão dos suspeitos, o que o MPF não fez. No dia seguinte, o erro voltou a ser publicado.

A defesa diz que a informação equivocada ocorreu por desconhecimento jurídico. Nas duas sentenças, o juiz Antônio Silva Pereira considera que “as consequências [da reportagem] foram danosas, visto que o querelante teve a sua honra maculada”.

Para os empresários André Teixeira, Humberto Riella Sobrinho e Carlos Seabra Suarez, houve dolo na conduta do jornalista. Os dois primeiros já conseguiram sentenças favoráveis: Aguirre foi condenado a seis meses e seis dias de prisão, em 31 de outubro, e ao mesmo período, em decisão de abril de 2014. O terceiro caso já passou da fase das alegações finais.

Na avaliação do advogado Gamil Föppel, que representa os empresários, “o exercício do direito de propor ação penal em razão das graves máculas à sua honra nem de longe pode ser confundido com tentativa de repressão à atividade da imprensa”. Ele também considera natural que sejam três queixas, por envolverem três “vítimas” distintas.

No mesmo dia em que as queixas-crimes foram apresentadas, a própria Patrimonial Saraíba, como pessoa jurídica, provocou o Juizado Especial Criminal alegando ter sido difamada em notícia assinada por Aguirre. Também em dezembro de 2010, ele escreveu que a empresa era dona de um terreno que, na verdade, pertencia a outra pessoa. O jornalista foi absolvido nesse caso. A juíza Maria Fausta Cajahyba Rocha concluiu que ele apenas reproduziu conteúdo da denúncia do MPF, além de ter tido cautela ao enviar e-mails procurando o posicionamento da empresa.

Repúdio de entidades
A organização Repórteres sem Fronteiras publicou nota lamentando as condenações contra Talento. “É comum que processos como esse, movidos por autoridades públicas ou empresários poderosos, sejam utilizados como forma de intimidar jornalistas. A descriminalização dos crimes contra a honra, fazendo com que permaneçam apenas no âmbito civil, é um passo necessário para limitar o impacto negativo que esse tipo de decisão tem sobre a atividade jornalística”, afirma.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) entende que ofensas à honra não devem ser tratadas na esfera criminal, pois esse tipo de ação é movido sempre contra o profissional, e não contra a empresa jornalística que publicou a notícia. “A intenção do autor é impor uma pena ao repórter, e não buscar reparação pelo dano potencialmente causado”, diz a entidade.

Para o advogado Gamil Föppel, a associação “não tem poder para revogar o Código Penal vigente”. Ele disse que não poderia comentar aspectos cíveis, pois não advoga na área.

Livre acesso
Sócios da Patrimonial Saraíba já moveram pelo menos sete processos criminais contra jornalistas. Um deles foi contra o pai de Aguirre, o também jornalista Biaggio Talento, considerado improcedente.

Em janeiro de 2011, reportagem sobre a posse de secretários do então governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), afirmou que dois representantes da empresa, acusados por crimes ambientais, foram vistos saindo discretamente do prédio depois de encontro com “o homem por trás da mesa por onde passam importantes projetos do governo Wagner”.

Para o juiz Francisco de Oliveira Bispo, o texto apenas tornou pública a notícia de que os dois representantes da empresa eram processados pelo MPF e pelo Ministério Público estadual — ato que, apesar de provocar dissabores aos citados, era fato verídico e não caracteriza difamação.

“Entrar e sair desse gabinete não constitui elementos que denota negatividade em sua conduta. […] Levar a público a notícia desse acesso não pode constituir ilícito de difamação”, afirma a sentença. Embora os autores tenham negado o encontro citado e afirmado que estiveram no local por “erro de edifício”, o juiz considerou que a reportagem deu espaço para a versão de que a reunião não ocorreu. Há um recurso em andamento no Tribunal de Justiça da Bahia. 

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