Bolso dos outros

RJ quer reduzir teto de RPVs de 40 para 15 salários mínimos

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10 de novembro de 2016, 6h31

O pagamento das requisições de pequeno valor no Rio de Janeiro está em risco: um dos 22 projetos de lei apresentados pelo governo do estado para combater a crise financeira quer limitar o teto para o pagamento desses valores. Se o PL 2.249/2016 for aprovado pela Assembleia Legislativa fluminense, só serão consideradas RPVs as dívidas da administração pública que somarem, no máximo, 15 salários mínimos.

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Governador Luiz Fernando Pezão quer reduzir teto de RPVs para alongar o prazo de pagamento das dívidas que o poder público fluminense tem com os cidadãos.

O PL altera a Lei 5.781/2010, que delimita como RPVs as obrigações das administrações direta e indireta do estado que totalizam até 40 salários mínimos. O governo justifica a medida alegando que o montante atual foi definido pela Constituição de 1988, mas em caráter transitório, para proteger a autonomia de cada ente federativo.

Diz ainda que muitos outros estados têm o teto que o projeto apresentado pretende implantar. Segundo o governo do RJ, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rondônia, Amapá e Tocantins entram nessa conta.

Veja a tabela apresentada pelo governo fluminense no PL:

Estados Valor máximo da RPV
Acre 30 salários mínimos
Alagoas Piso constitucional (valor do maior benefício previdenciário – R$ 4.663,75)
Amapá 10 salários mínimos
Amazonas 20 salários mínimos
Bahia 20 salários mínimos 
Ceará R$ 5.100 = 6 salários mínimos
Distrito Federal 40 salários mínimos 
Espírito Santo 4.420 VRTEs = 15 salários mínimos
Goiás 20 salários mínimos 
Maranhão 20 salários mínimos 
Mato Grosso 256 UPFMT = 37 salários mínimos 
Mato Grosso do Sul 515 UFERMS = 14 salários mínimos 
Minas Gerais 4.723 UFEMGS = 16 salários mínimos
Pará 40 salários mínimos
Paraíba 10 salários mínimos 
Paraná Aproximadamente 17 salários mínimos
Pernambuco 40 salários mínimos 
Piauí Piso constitucional (valor do maior benefício previdenciário – R$ 4.663,75)
Rio Grande do Norte 20 salários mínimos
Rio Grande do Sul 40 salários mínimos 
Rondônia 10 salários mínimos
Roraima 25 salários mínimos
Santa Catarina 10 salários mínimos
São Paulo 1.135,2885 UFESPs = 30 salários mínimos 
Sergipe R$ 5.180,25 = 6 salários mínimos
Tocantins 10 salários mínimos

Outra justificativa do governo fluminense é a queda das receitas com royalties e ICMS. O executivo estadual alega que as verbas vindas do petróleo caíram 33% em relação a 2014 e que o imposto sobre mercadorias caiu 11,08% e 9,93% nos meses de fevereiro e junho de 2015, respectivamente, na comparação com o mesmo período do ano anterior.

Em nota, a Defensoria Pública do Rio de Janeiro criticou a proposta. Segundo o órgão, a mudança aumentará a expedição de precatórios, o que adiará o prazo de pagamento. Afirma também que a economia apontada pelo governo — R$ 72 milhões por ano, a partir de janeiro de 2017 — não pode ser comparada com o prejuízo arcado pelo cidadão comum. “É incalculável, pois muitos sequer terão a chance de receber em vida o valor que lhes é devido.”

A seccional da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de Janeiro afirmou que a proposta é inconstitucional por possuir desvio de finalidade. "Ao reduzir a execução dos mandados de pagamento, a medida deixará sem perspectiva milhares de advogados e suas partes", disse Felipe Santa Cruz, presidente da OAB-RJ.

"O valor proposto é inclusive menor que o mínimo (20 salários) estipulado nas sentenças dos Juizados Especiais Cíveis. Se aprovada a medida, a OAB-RJ irá imediatamente à Justiça contra o projeto por ferir o princípio constitucional da razoabilidade e proporcionalidade", concluiu Santa Cruz.

ADI 5.440
A advogada especializada em Direito Administrativo Aracéli Rodrigues, sócia do Cassel Ruzzarin Santos Rodrigues Advogados, ressalta que há um ponto preocupante em toda essa história: uma ação que trata do tema no Supremo Tribunal Federal, mas relacionada ao Rio Grande do Sul. O estado reduziu, em dezembro de 2015, o teto das RPVs de 40 para 10 salários mínimos.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.440 foi apresentada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) no mesmo mês em que a mudança foi aprovada e está aguardando manifestação da PGR desde fevereiro deste ano. O processo, que tem o ministro Gilmar Mendes como relator, será julgado diretamente no mérito.

E isso influencia diretamente na situação do RJ, segundo a advogada, pois, dependendo da decisão do Supremo, o Rio de Janeiro terá que desfazer todas as medidas adotadas caso o PL seja aprovado pela Alerj. Ela também destaca que há a questão da renúncia pelo recebedor da dívida.

Aracéli lembra que o interessado em receber a dívida pode renunciar parte do valor para que o montante se enquadre como RPV e seja pago mais rapidamente. Mas, como a diferença proposta pelo RJ é grande, muitos podem não renunciar. “Se a diferença for, por exemplo, de R$ 10 mil ou R$ 20 mil, ele não vai renunciar.”

Maus lençóis
O governo do Rio de Janeiro está em uma situação delicada. Apesar de enviar projetos à Alerj para reduzir gastos e promulgar decretos com o mesmo objetivo, algumas das propostas já estão sendo barradas na Justiça. Uma delas é o desconto de até 30% no salário dos servidores estaduais para equilibrar a Rio Previdência.

O projeto, que aumenta a contribuição previdenciária, prevê uma alíquota suplementar de 16% para todos os servidores. Esse adicional, em alguns casos, comprometeria 30% do salário dos funcionários públicos, mesmo os que ganham menos de R$ 5,1 mil, atualmente isentos da taxa. O desconto extra, que duraria por 16 meses, também valeria para aposentados e pensionistas.

Para o desembargador Custódio de Barros Tostes, que suspendeu a tramitação do PL 2241/2016 na Casa legislativa, o alto comprometimento salarial que será imposto em caso de aprovação é preocupante. “Sem que se adentre em demasia o mérito da causa, tem o condão de causar surpresa, mesmo para quem não seja servidor público, tamanha a sua monta, percentual que, assomado à alíquota do imposto de renda, pode consumir mais da metade das remunerações e proventos dos servidores.”

Além disso, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, criticou, na segunda-feira (7/11), as medidas de austeridade propostas pelo governo do Rio de Janeiro e alertou que a apropriação do Fundo Especial da corte pela administração estadual sucateará a Justiça, inclusive com o fechamento de fóruns.

O desembargador chegou a classificar a atitude do Executivo estadual de “um verdadeiro abraço do afogado”. O desembargador contou que, em 2014, o TJ-RJ emprestou R$ 400 milhões ao governo do Rio de Janeiro, o que permitiu ao governador fechar as contas e tomar posse.

Segundo Carvalho, o empréstimo, cujo valor corrigido chega a R$ 500 milhões, ainda não foi pago, “causando evidente prejuízo ao Poder Judiciário”. Além do empréstimo, o presidente do TJ-RJ lembrou que, em 2015, para ajudar o governo fluminense na superação da crise, encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei conjunto com o Poder Executivo estadual para liberação de valores de depósitos judiciais, que somaram R$ 7 bilhões.

Somados a valores dos precatórios, a quantia liberada atingiu R$ 12 bilhões. O Executivo, por sua vez, se comprometeu a pagar ao TJ valores honrados anteriormente pelo Banco do Brasil e que constituem recursos para custeio do Poder Judiciário, o que não ocorreu, segundo Carvalho, gerando dívida de cerca de R$ 100 milhões.

Para o presidente do TJ-RJ, o governo fluminense não se esforçou para reduzir gastos e evitar o agravamento da crise. “Ao contrário, houve manutenção de despesas expressivas com propaganda, isenções fiscais e nomeação de inúmeros cargos em comissão, como noticiado na mídia, e de gastos também elevados em obras olímpicas.”

Sem dinheiro
A crise financeira do Rio de Janeiro chegou ao seu ápice quando o vice-governador Francisco Dornelles publicou, em junho, decreto declarando estado de calamidade pública. A medida forçou a União a fazer um aporte de R$ 2,9 bilhões no estado e deu ao poder público o direito de tomar diversas medidas para manter a saúde dos cofres públicos.

Entre as razões citadas para a decisão à época estão as Olimpíadas, a queda na arrecadação com o ICMS e os royalties do petróleo e problemas na prestação de serviços essenciais, como segurança pública, saúde, educação e mobilidade.

O Supremo chegou a determinar que o governo estadual repassasse aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês, os recursos destinados por lei a esses órgãos. A decisão foi do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski.

Há também uma decisão de outubro que obriga o estado a pagar os salários dos servidores até o décimo dia útil de cada mês. Além disso, o governo do RJ está proibido de conceder novas isenções fiscais até que apresente um estudo do impacto orçamentário-financeiro de todos os incentivos tributários já concedidos.

Para voltar a conceder isenções, o governo deverá encaminhar à Justiça do Rio, em 60 dias, a relação das empresas beneficiárias dos incentivos (concedidos como créditos tributários futuros), com informações sobre os benefícios fiscais então vigentes.

Segundo o Tribunal de Contas estadual, o Rio de Janeiro deixou de arrecadar R$ 138 bilhões em ICMS entre os anos de 2008 e 2013. O documento constatou que abrir mão desse valor contribuiu para a crise financeira que o estado vive hoje.

O mais recente Projeto de Lei Orçamentária enviado pelo governo à Alerj prevê mais isenções projetadas para os próximos três anos em R$ 33 bilhões. Só no ano que vem seriam R$ 11 bilhões. O professor Luiz Fernando Prudente do Amaral, do Instituto de Direito Público de São Paulo, pondera que as algumas das medidas amargas são necessárias e estão dentro da legalidade, mas que outras são absolutamente questionáveis.

“Todos imaginavam que a decretação se dava para que os eventos relativos às Olimpíadas fossem realizados a contento. No entanto, as medidas anunciadas pelo governador Pezão apenas demonstram que aquele decreto de calamidade não estava baseado apenas nas Olimpíadas, mas sim numa clara crise econômica pela qual passa o Estado, especialmente em razão de uma série de benefícios fiscais que foram dados e pela diminuição de participação nos royalties do petróleo”, explica.

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