Desafios e recomendações para uma correta transição de mandatos
10 de novembro de 2016, 9h30
Guardadas as devidas proporções, esse processo se repete em nosso país, nos 5.570 municípios que elegeram seus prefeitos em outubro. A importância desse processo liga-se à alternância de poder, corolário da democracia, e também à representatividade: todo poder emana do Povo, segundo a Constituição, e os chefes do Executivo nada mais são do que servidores públicos (em sentido amplo) escolhidos para cuidarem do patrimônio e dos interesses públicos. Dessa forma, a tentação do pensamento individualista e patrimonialista deve ser afastada por absoluta incompatibilidade com nosso ordenamento jurídico e com o espírito de servir que deve inspirar todo e qualquer agente público.
Entretanto, comumente o processo de transição municipal é conturbado, marcado pelo acirramento das divergências manifestadas na eleição e pelo descaso com o interesse público. Alguns gestores preocupam-se sinceramente em tumultuar a próxima gestão: destroem documentos, não prestam contas, não providenciam a prorrogação de contratos voltados à prestação de serviços essenciais, dentre outras condutas nocivas. Há um legítimo esforço em esconder informações e recursos, além da preocupação em criar o maior caos administrativo possível. Contudo, não é demais dizer o óbvio: as dívidas, obras, compromissos e o patrimônio são do município, ente político, não do prefeito anterior — não se pode admitir qualquer conduta voltada à anulação do passado, como se um novo município fosse inaugurado com a posse de um novo prefeito.
Atento a esse processo, o Fórum Permanente de Combate à Corrupção em Goiás (FOCCO-GO), instituição composta por diversos ramos do Ministério Público — Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Ministério Público de Contas — e também por órgãos públicos que desempenham atividades ligadas ao repasse, controle e fiscalização dos recursos públicos, apresentou aos atuais prefeitos diversas recomendações voltadas à transição de mandatos[2].
Dentre essas recomendações, destaco:
“a) apresentar, ao órgão competente, a devida prestação de contas de todos os convênios (contratos de repasse e instrumentos correlatos) celebrados com os Governos Federal e Estadual, cujo prazo para prestação de contas, parcial ou final, se encerre até o dia 31 de dezembro de 2016;
b) providencie e disponibilize, para o respectivo sucessor ao cargo de prefeito, toda a documentação necessária e adequada para a prestação de contas dos convênios, cujo prazo de apresentação vença após o dia 31 de dezembro de 2016;
c) por cautela, para segurança desse gestor, providencie cópia e guarde toda a documentação relacionada aos convênios executados na sua gestão, cujo prazo somente se encerrará na gestão seguinte, a fim de ter tais documentos à disposição em situações de fiscalizações futuras;
d) apresente, quando requeridas ou houver obrigação legal, à equipe de transição, ao Poder Legislativo, aos órgãos de controle e aos cidadãos interessados todas as informações de interesse público, em especial sobre dívidas e receitas do município, sobre a situação das licitações, dos contratos e obras municipais, bem ainda a respeito dos servidores do município (seu custo, quantidade e órgãos em que estão lotados) e dos prédios e bens públicos municipais; […]
f) adote todas as medidas administrativas necessárias para assegurar a continuidade dos atos da administração pública, em especial com a permanência dos serviços essenciais prestados à população, como saúde, educação e limpeza pública; com a manutenção do quadro de servidores; com a guarda e manutenção dos bens, arquivos, livros contábeis, computadores, mídia, sistemas, dados, extratos bancários e documentos públicos em seu poder, incluindo-se os procedimentos licitatórios e os processos de pagamento; bem ainda com o pagamento regular dos serviços públicos;
g) não assuma obrigação cuja despesa não possa ser paga no atual exercício financeiro, incluindo a revisão de remuneração;
h) não autorize, ordene ou execute ato que acarrete aumento de despesa com pessoal, incluindo a revisão de remuneração;
i) mantenha em dia o pagamento da folha de pessoal, atentando, especialmente, para pagamento, a tempo e a modo, dos salários (vencimentos) e proventos, incluindo a gratificação natalina (13º salário) dos servidores;
j) abstenha-se de praticar atos que consubstanciem discriminação fundada em motivos políticos, incluindo a demissão injustificada, permitindo, ainda, o acesso regular ao posto de trabalho dos servidores próprios ou terceirizados, independentemente da ideologia política/partidária do funcionário (artigo 5º, VIII, CF/88);
k) abstenha-se de praticar atos de ingerência sobre empresas contratadas pelo Município para a prestação de serviços terceirizados (asseio, conservação, limpeza, vigilância, etc.), como imiscuir-se nas atribuições próprias do empregador, com vistas a praticar atos discriminatórios por motivos políticos, como a dispensa abusiva”.
Iniciativa semelhante foi tomada pelo Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás ao disponibilizar aos atuais gestores cartilhas tratando de questões essenciais à efetividade do processo de transição[3].
Incumbe ao cidadão ficar atendo ao cumprimento dos deveres ligados à transição de mandato para que os princípios que regem a atuação da Administração Pública — e também os princípios fundantes da República — sejam obedecidos. Ao contrário dos Estados Unidos, não há nenhum código de bomba atômica a ser repassado. Entretanto, existem outras bombas que podem ser armadas para que explodam nos cofres municipais, nos serviços públicos e no patrimônio municipal.
[1] http://oglobo.globo.com/mundo/obama-trump-iniciam-processo-de-transicao-na-quinta-feira-20442490#ixzz4PbNY0cRv
[2] Recomendação nº 01/2016, disponível em http://www.mpf.mp.br/go/sala-de-imprensa/docs/not2087-recomendacao-focco-1
[3] http://tcm.go.gov.br/portal/xhtml/servico/publicacao.jsf?tipoId=3
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