Opinião

É preciso retirar barreiras para a proteção de marcas tridimensionais

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9 de novembro de 2016, 5h10

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No Brasil, marcas tridimensionais são aquelas que se fazem reconhecidas pela própria forma de um produto ou embalagem que o envolve. Exemplos clássicos fornecidos pelo próprio INPI são o chocolate Toblerone, o Yakult e a original garrafa da Coca-Cola. 

Muito se discute, mesmo no Brasil, se um possível efeito técnico presente na forma do produto ou de sua embalagem invalidaria a proteção dessa forma como marca tridimensional.

O próprio Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em seu Manual de Marcas afirma que “para ser registrável, a forma tridimensional distintiva de produto ou serviço deverá estar dissociada de efeito técnico”.

Data maxima venia, não concordamos com essa posição. Segundo pensamos, eventual efeito técnico existente na forma de um produto não retira possível caráter distintivo desse conjunto visual.

Como exposto acima, marcas tridimensionais são identificadas de forma imediata pelo consumidor somente pelo formato do produto, sem que haja necessidade de algum outro elemento.

Portanto, se a forma de um produto cumpre essa função (distintiva), não há razão, em nosso entendimento, para se vedar ou proibir seu registro como marca tridimensional.

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artigo PI: distintividade de pedido de marca tridimensional [Reprodução]
Novo modelo

Recentemente, uma de nossas clientes requereu, em alguns países, o registro como marca tridimensional da forma de seu mais novo modelo de compressor hermético para refrigeração (ilustração à esquerda).

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artigo PI: distintividade de pedido de marca tridimensional [Reprodução]
Modelo tradicional

O formato do respectivo produto, é mister esclarecer, é absolutamente inovador e foge complemente a forma, formato ou talhe comum desse produto no mercado. Em geral, compressores herméticos possuem formas usuais arredondadas como uma espécie de globo, fato que ocorre com outros modelos de nossa cliente (ilustração à direita).

É inegável que o consumidor, ao se deparar com o inédito formato do produto de nossa cliente o reconhecerá, identificando inclusive sua origem ou procedência. Como exposto, trata-se de forma altamente inovadora e totalmente diversa da usual então utilizada pelos concorrentes para o mesmo produto.

Tal pedido de registro de marca tridimensional segue aguardando exame por parte do INPI no Brasil. Na França, no entanto, tal pedido acabou, em um primeiro exame de mérito, sendo indeferido pelo Escritório de Marcas local.

A decisão de recusa provisória, que causou grande surpresa, foi emitida em meados de março de 2014, fundamentada no entendimento do Examinador de que a marca seria desprovida de caráter distintivo por representar a própria figura do produto que se pretende proteger e, portanto, incapaz de desempenhar a função de designar sua origem.

Ao pesquisar a jurisprudência na França, notamos que esse tipo de decisão era comum no país, sendo baixas as chances de reversão. As pretensões de marcas tridimensionais são pouco utilizadas no país, o que faz com que o próprio instituto da marca tridimensional seja pouco explorado por doutrina e jurisprudência.

Diante disso, a partir desse momento, nosso escritório não mediu esforços para buscar subsídios, de modo a convencer, em grau recursal, o examinador francês de que a forma do produto da cliente difere significativamente da forma geralmente utilizada para esse produto no mercado. Foram acostados ao recurso vasta documentação demonstrando a forma comum ou usual usada pelos concorrentes em seus compressores herméticos.

Desta forma, argumentou-se que o pedido de registro de marca tridimensional da cliente estaria em plena consonância com o disposto no artigo 711-1 da lei francesa de marcas, que estabelece que “uma marca de produto ou serviço poderá ser considerada um sinal capaz de representação gráfica, nos seguintes termos: (…)

c) Sinais figurativos, tais como: rótulos, selos, ourelas, relevos, hologramas, logotipos, imagens sintetizadas; formas, particularmente aquelas de um produto ou sua embalagem ou aquelas que identificam um serviço; arranjos, combinações ou tonalidades de cor”.

Ora, se a própria lei francesa admite o registro como marca da forma de um produto, não faria o menor sentido a recusa sob o fundamento de que a marca seria desprovida de caráter distintivo por representar a própria figura do produto.

A decisão de recusa do registro emitida previamente pelo INPI da França, portanto, destoava da própria norma local.

Felizmente, no entanto, o recurso contra o indeferimento apresentado junto ao escritório de marcas francês foi provido, sendo deferido o pedido de registro da marca tridimensional da cliente, formando uma jurisprudência administrativa bastante útil.

Para nós, no Brasil, o caso é interesse e contribui para afastarmos certa resistência que também percebemos para obter proteção de forma de produtos ou suas embalagens como marcas tridimensionais, já que possuímos legislação bastante similar à francesa.

É preciso que se retirem barreiras para a proteção de formas com suficiente distintividade como marcas tridimensionais no Brasil e em outras localidades, ainda que essas estejam associadas a um efeito técnico. Haveria aqui a abertura para uma dupla proteção, uma para a forma do produto como marca tridimensional e outra para o efeito técnico por meio de patente a exemplo.

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