Disputa acirrada

Com plataforma punitivista, Donald Trump é eleito presidente dos EUA

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9 de novembro de 2016, 10h31

Contrariando todas as previsões, o republicano Donald John Trump foi eleito o 45º presidente dos Estados Unidos. Ele atingiu na madrugada desta quarta-feira (9/11) os 270 delegados necessários para vencer o pleito contra Hillary Clinton. No entanto, até o fechamento desta reportagem, a democrata havia obtido 200 mil votos a mais do que seu oponente.

Isso é possível porque, diferentemente das eleições brasileiras, os norte-americanos não elegem diretamente o comandante da nação. Nos EUA, os eleitores votam para presidente mas, na verdade, elegem delegados para o Colégio Eleitoral, também chamados de “os eleitores”.

São escolhidos 538 delegados (número que corresponde ao número de parlamentares no Congresso); a metade de seus votos, portanto, é 269. Assim, se um partido conseguir eleger 270 delegados, tem maioria para eleger o presidente e o vice-presidente do país. O Colégio Eleitoral não reúne todos os delegados em um lugar. Eles se reúnem e votam em seus próprios estados.

Plataforma punitivista
O bilionário foi eleito com uma plataforma punitivista. Durante a campanha, Donald Trump manifestou-se favoravelmente a mandar mais pessoas para a prisão — e isso em um momento em que democratas e republicanos concordam ser preciso diminuir o encarceramento em massa. Embora o governo dos EUA tenha decidido fechar presídios privados federais, o republicano declarou acreditar que eles funcionam “muito melhor” do que os públicos.

Ele também apoia a tática policial de “parar para revistar”, dizendo erroneamente que, em Nova York, ela vem ajudando a reduzir os índices de criminalidade. Além disso, Trump propôs pena de morte para quem matar um policial apontou que restaurar os direitos políticos de ex-presos é “política torta”.

Sua promessa mais famosa é a de construir um muro na fronteira com o México para banir a entrada dos moradores deste país nos EUA. O motivo é que, segundo Trump, muitos “bad hombres” vão para território praticam assaltos e estupros em território norte-americano.

Nessa mesma linha, o magnata defende bloquear temporariamente a entrada de muçulmanos no país. Com isso, o país evitará novos ataques terroristas e conseguirá criar melhores filtros para admitir imigrantes islâmicos, argumenta Trump, que também disse que irá deportar todos os estrangeiros em situação irregular.O mesmo estilo linha-dura é aplicado à suas ideias de “combater duramente o crime”.

Com relação ao aborto (que é legal no país), o bilionário chegou a afirmar que a mulher que o praticar deve receber “alguma forma de punição”. Posteriormente, ele voltou atrás, e opinou que apenas médicos e outras pessoas que ajudaram no procedimento devem ser responsabilizadas.

Suprema Corte
Com eleição de Donald Trump, a Suprema Corte dos EUA deverá voltar a ter maioria de magistrados alinhados ideologicamente com os republicanos. Hoje com oito ministros — quatro conservadores e quatro liberais — desde a morte, em fevereiro, de Antonin Scalia, a nomeação do ministro que irá ocupar a cadeira vaga tem uma importância fundamental para a configuração jurídica, social, econômica e política do país.

Para garantir sucesso de suas respectivas agendas políticas, presidentes republicanos escolhem ministros conservadores enquanto os democratas optam por juristas de perfil liberal.

É verdade que o Legislativo aprova novas leis e o Executivo aprova políticas e medidas, muitas vezes, por meio de decretos. Mas, via de regra, todas as leis e medidas executivas que contrariam a agenda da outra parte são contestadas na Justiça. Assim, quem decide que leis, medidas executivas ou políticas vão existir no país, no final das contas, é o Judiciário. Em última instância, a Suprema Corte dos EUA.

Confirmada a expectativa de indicação de um ministro conservador, todas as grandes questões jurídicas, com um forte conteúdo político (ou econômico ou social), deixarão de terminar empatadas e passarão a ser decididas por cinco a quatro em favor dos conservadores, como era de costume antes da morte de Scalia.

As questões puramente jurídicas, em que o conservadorismo e o liberalismo não exercem um papel, continuarão a ser resolvidas juridicamente apenas. E o resultado pode ser de cinco a quatro a nove a zero.

Além da cadeira que era de Scalia, mais três podem ficar vagas durante o mandato do próximo presidente da República. A ministra liberal Ruth Ginsburger, 83 anos, o ministro conservador Anthony Kennedy, 80 anos, e o ministro liberal Stephen Breyer, 78 anos, podem se aposentar quando lhes for mais conveniente, uma vez que não há aposentadoria compulsória nos EUA.

Entre os temas em jogo na Suprema Corte estão a manutenção do Obamacare (seguro-saúde dos pobres), a regularização de imigrantes ilegais, o direito de abortar, o uso de banheiros por transgêneros e as cotas raciais.

Biografia
Natural de Nova York, o bilionário Trump fez carreira no mercado imobiliário. Afeito ao mundo do entretenimento, posteriormente comandou o reality show O Aprendiz, no qual popularizou o slogan “You’re fired!” (você está despedido!) para eliminar os candidatos a um emprego em uma de suas empresas.

Há tempos ele navegava pela política – em 2000, ele tentou se candidatar à presidência pelo Partido da Reforma –, mas o magnata mergulhou de vez no meio quando Barack Obama assumiu o país. Em 2011, Donald Trump começou a questionar se Obama havia realmente nascido nos EUA. Obviamente a teoria da conspiração estava errada, como o presidente fez questão de provar mostrando sua certidão de nascimento, porém ele deu mais visibilidade ao empresário, que cogitou participar do pleito de 2012.

Em 2016, no entanto, ele levou essa ideia a sério, e se inscreveu nas prévias do Partido Republicano. Nem a imprensa, nem os demais candidatos o levaram a sério. Para eles, o magnata seria rapidamente eliminado da disputa. Dessa forma, os favoritos Jeb Bush, Ted Cruz e Marco Rubio tinham como estratégia inicial atacar uns aos outros. Nesse vácuo, Trump cresceu. Com um discurso raso e populista, baseado em promessas de fácil compreensão do povo (“vou construir um grande muro na fronteira com o México”, “vou fazer a América ser grande novamente”, “vou criar 25 milhões de empregos trazendo as fábricas de volta para o país”), ele cresceu, e derrubou um por um de seus oponentes, até que foi o nomeado dos republicanos para disputar a presidência.

A disputa contra Hillary Clinton – que derrotou o autoproclamado socialista Bernie Sanders nas prévias democratas – foi considerada pela imprensa dos EUA a mais suja da história. Em meio a uma profusão de mentiras, Trump acusou, sem muito lastro na realidade, sua concorrente de ter ignorado 600 pedidos de ajuda de Chris Stevens, embaixador norte-americano em Benghazi, na Líbia (na época ela era secretária de Estado) que morreu em um atentado terrorista, de incentivar abortos até pouco antes de o bebê nascer e de cometer crimes ao apagar 33 mil e-mails de seu servidor após ser intimada pelo FBI. Mesmo com o órgão equivalente à Polícia Federal dos EUA dizendo que Hillary não cometeu nenhum delito, o republicano incentivava gritos de “lock her up” (prenda-a) em seus comícios e disse em um debate que, se eleito, iria apontar um procurador especial para investigá-la e prendê-la.

Hillary tentou discutir ideias e fazer uma campanha positiva, mas ela logo percebeu que era impossível deixar de atacar pessoalmente Trump. Não faltaram motivos para isso. Pelo menos 17 mulheres acusaram o magnata de assediá-las sexualmente. Em vídeo de 2005 divulgado pelo jornal Washington Post, ele aparece dizendo que beija mulheres à força e que, como celebridade, pode “agarrá-las pela vagina” que nada irá acontecer.

Sua misoginia não poupou Hillary. O republicano disse “não ter ficado impressionado” com o bumbum da sua oponente, a quem classificou de “uma mulher nojenta”. E para Trump, o marido dela, o ex-presidente Bill Clinton, a traiu porque a democrata “não o satisfazia sexualmente”. Clinton, vale lembrar, respondeu a um processo de impeachment por ter mentido sobre as relações sexuais que manteve com a estagiária Monica Lewinsky. Mas ele foi inocentado por larga margem.

Ele também xingou uma ex-miss de gorda, fez graça de um repórter deficiente, ironizou o pai de um muçulmano morto enquanto servia o exército dos EUA no Iraque e se recusou a rejeitar o apoio do grupo supremacista branco Ku Klux Klan. Isso fora os insultos a diversos expoentes do próprio Partido Republicano.

Ainda assim, ele capitalizou a rejeição a Hillary e ao establishment e o sentimento de impotência dos americanos brancos e de classe média-baixa, especialmente do interior do país. Mesmo com previsão do jornal The New York Times na terça de que Hillary tinha 84% de ganhar a eleição, Trump venceu em 29 estados, incluindo os decisivos Ohio, Florida e Pensilvânia.

*Texto atualizado às 12h26 e às 17h13 do dia 9/11 de 2016 para acréscimo de informações.

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